Não se trata de uma crítica à Baratos Afins pois acredito que se o Luiz tivesse capital possivelmente teria investido mais. Outra razão é que lamentavelmente, com raras exceções, o roqueiro brasiliero não prestigia o produto nacional e gasta todo seu dinheiro com bandas internacionais.
Muito embora eu já tivesse produzido anteriormente pelo menos dois shows com a banda Harppia, meu envolvimento direto e mais profundo só foi acontecer no começo de 1987.
Harppia on Tour 87
Tibério Correa, também conhecido como Tibério Luthier, o baterista do Harppia e também fabricante das famosas Baterias Luthier, reformou a banda trazendo para o grupo dois guitarristas competentes; Flávio Gutok e Xando Zupo. Para o baixo ele trouxe a marcação firme do Cláudio Cruz e para o vocal, nada mais nada menos, que o veterano Percy Weiss. Harppia tinha nesta nova formação, um escalão de músicos de primeira, talvez bem melhores do que os músicos da primeira formação.
A idéia "plantada" pela oposição era de descrença, achando que o "velho" Tibério e o Harppia não tinham mais nada a oferecer.
Foi debaixo de um cenário destes que resolvi organizar uma tournée por 3 teatros da Prefeitura Municipal de São Paulo. Foram 12 dias de shows pela periferia da capital passando pelos Teatros Arthur Azevedo, Martins Penna e Paulo Eiró. Na época cada teatro da Prefeitura tinha o seu administrador que particularmente não gostava muito de rock pesado.
Levou algum tempo para convencê-los à conceder-me datas sincronizadas para que pudesse organizar uma verdadeira tournée. Para isto, contei com a colaboração valiosa de alguns amigos do PCB dentro da Secretaria de Cultura que ajudaram-me "puxando os cordõezinhos".
Sempre que possível tentei armar shows onde as bandas pudessem tocar mais de um dia. Por exemplo, nos Projetos SP Metal e São Power as mesmas bandas tocavam nas segundas e terças. Na época (e acho que ainda hoje) shows de rock eram eventos únicos. Quer dizer, a banda nunca tinha a chance de adaptar-se ao sistema de som, à acústica do lugar, às dimensões do palco, às limitações técnicas, etc. O show rolava sempre sem a tranquilidade que o músico necessitava para uma boa performance. Basicamente, produzir um show era como jogar na loteria.
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Banda não é feita só de ensaios!
Bom, nesta tournée, a idéia era não só por o Harppia para tocar vários dias, mas também, mostrar o som da banda para a comunidade roqueira convidando uma banda diferente, para cada dia da semana, abrir os shows. Desta forma, ficou decidido que nas quartas quem abria os shows seria a banda Ozone, nas quintas Santa Gang, nas sextas Vudo, nos sábados Viper (clique aqui) e nos domingos Spectrus. Eu sabia que os teatros não iam ficar cheios todos os dias mas, como disse, a intenção era dar oportunidade para a banda tocar. A minha filosofia é: "Banda não é feita só de ensaios. Dê oportunidade para uma banda tocar ao vivo e você verá como ela cresce!".
Minimizando as despesas e produzindo sem capital
A decisão de convidar a banda Santa Gang para tocar foi também uma decisão estratégica uma vez que havia contratado os serviços do Lúcio vocalista da banda para fornecer o P.A. (a aparelhagem de som). Com a banda dele tocando, além de conseguir um desconto no aluguel da aparelhagem com pagamento no final da tournée, obviamente Lúcio teria mais preocupação com a qualidade do equipamento fornecido. Conseguí os teatros gratuitamente. Os teatros já tinham a iluminação. Consegui um desconto com o caminhão para transporte do equipamento de um teatro direto para o outro. Fiz um pacote com a gráfica, da qual era cliente já a algum tempo. A gráfica, confiou em mim e aceitou o "famoso" chequinho pré-datado. Os cartazes de rua foram todos impressos de uma só vez com a gráfica ficando responsável pela colagem direcionada, conforme o show, em cada bairro em particular.
Eu fiz muita coisa usando a minha técnica que chamava "Projeto Bola de Neve". Normalmente o projeto começava com uma idéia que virava um cartaz bem bolado onde já mostrava patrocinadores e suporte que não tinha. Por exemplo: Visitava a TV Cultura com um cartaz mostrando suporte da Secretaria Municipal de Cultura. Ganhando o suporte da TV Cultura então ia na Secretaria de Municipal Cultura e naturalmente ganhava o apoio deles. Agora com o apoio da TV Cultura e da Secretaria Municipal de Cultura ia na Caixa Econômica ou Banespa e conseguia o patrocínio para os cartazes. Com patrocínio de uma grande empresa ia na TV Globo e conseguia uma chamada no SP TV e assim por diante. Quer dizer, o projeto começava como uma "bolinha de neve" e terminava como uma "avalanche" de conquistas.
Bom, não era táo simples assim e requeria certas habilidades adquiridas ao longo de muitos anos de batalha. No final das contas, tinha muita política em jogo e eu, como produtor, tinha que saber tirar proveito da situação. Vocês certamente poderão questionar a minha ética de trabalho mas, sem dinheiro nenhum, para poder levar avante meus ideais tive que usar todos os truques do livro!
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Tibério possuía 6 ou 7 cabeçotes de amplificação Marshall com caixas de dois andares. Quer dizer, havia um cabeçote para cada membro da banda e ainda sobrava amplificadores de reserva para qualquer eventualidade. Obviamente, nem preciso dizer como impressionava ver uma parede de Marshalls de cada lado da bateria.
Pela primeira vez pude mostrar minhas habilidades como técnico de som no controle da mesa. Infelizmente, se nos shows, o som do Harppia soava bem o das outras bandas sempre soavam mal. A razão disto era que os amplificadores Marshalls eram realmente poderosos e a moçada acabava "passando o som" antes do show em um volume e na hora do show tocando com outro, sempre exagerando e "abrindo o gás". O som das caixas Marshall vazava pelos microfones de voz na frente do palco e "cobria" tudo. Aumentar o som do vocalista significava chamar microfonia. Os vocalistas apontavam o dedo para a mesa de som (para mim) quando na verdade o problema era causado pelos seus próprios músicos.
Viper tem problemas com o som
No segundo sábado quando o Viper tocou foi um inferno. Eu fiquei quase sem condições de dar mais volume para o microfone do vocalista André Matos (clique aqui). Ele além de estar naquela fase da adolescência onde a voz muda, também tinha uma mania de imitar o Bruce Dickson apoiando um dos pés na caixa de monitorização onde ele esticava o braço esquerdo para a platéia e invariavelmente baixava o ou outro, com o microfone, na direção da caixa de retorno causando microfonia que se não fosse cortada imediatamente disparava todos os outros microfones. Eu já o tinha alertado à respeito deste problema e, nesta noite ele cometeu o erro de atravéz do microfone, publicamente, dar-me uma dura, bem no meio do show. Eu que já estava muito puto com a situação toda, retribuí com uma "comida de rabo" ao vivo e como consequência o Viper negou-se a tocar na próxima semana no Martins Pena e foi substituído pelo Spectrus que ficou feliz em poder tocar mais um dia. Eu por mim não guardo rancor do Viper e muito menos do André Matos. Alás, tenho uma dívida de gratidão imensa para com o Viper e o André Matos em particular por terem sempre apoiado as minhas produções e também participado no Rock na Sé, meu show comício quando candidato pelo PCB (clique aqui para saber mais sobre o Rock na Sé). André Matos desde cedo mostrou, para sua pouca idade, uma postura bem progressista politicamente. Bom, num momento de nervosismo, perdemos a cabeça. Todos nós estavamos aprendendo... foi só isto...
Acho importante também deixar bem claro que nunca prejudiquei o som de uma banda em favor de outra ou por qualquer outra razão.
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