Tony Osanah: Um argentino bem brasileiro
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Tony Osanah, um argentino bem brasileiro!
Escrito por Victor Lacombe músico da banda Rioclaro
Era mais uma noite no Feitiço Mineiro. Comemos pastéis de queijo e salaminho no camarim. Por conta disto, abri a primeira longneck, acendi um Marlboro enquanto proseava com Lino Japex. Lá pelas dez, pluguei o Martin. Foi aí que ele entrou no bar. Um sujeito de cabelos longos e grisalhos, vestido de camisa branca e, um colete de couro com apliques indígenas de metais. Lembrei-me na hora de um daqueles cantores country dos anos 70.
Olhei por baixo da aba do meu chapéu e ouvi:
"Uma banda country em Brasília?" Disse ele, com sotaque castelhano.
Eu não sabia, mas o cabeludo era Sergio Jorge Dizner, o Tony Osanah, que aportou no Brasil em 1966 deixando Buenos Aires para fugir da truculenta ditadura argentina. Um ano depois, já tocava no Beco - famosa casa de shows paulistana, dirigida por Abelardo Figueiredo - ali, conheceu Caetano, Gil e Elis, entre muitos outros. Depois de aventuras e peripécias mil nas ondas do rock e da MPB e já se considerando um brasileiro genuíno, se mandou para Europa. Agora, ele estava ali, na minha frente, enquanto eu cantava as primeiras canções do set já sem prestar atenção em letra alguma. Foi quando apareceram outras mulheres indo na direção deles.
Enquanto a banda tocava com altura de bossa nova, uma mulher não muito alta e magra, com ar de distinção, cantava junto com o cabeludo, as canções americanas do repertório. Aquilo me deixou bastante intrigado. Pois não eram músicas conhecidas. Paulo ajeitou-se no pedal steel, tocamos mais uma música da gente – O Alforje - e pude observar o olhar de admiração do cabeludo.
"Bravo!" Disse, ele. Opa! Fiquei mais relaxado. Ao lado dele as mulheres riam e bebiam vinho tinto. No fim da noite, fomos até a sua mesa agradecer pela sua animação e a de seus amigos. Foi quando se apresentou:
"Conhece uma música que diz: Quem é o cavaleiro que vem lá de Aruanda? É Oxossi em seu cavalo, com seu chapéu de banda..." cantarolou.
"Vem de Aruanda uê/Vem de Aruanda uá/Vem de Aruanda uê/Vem de Aruanda uá." Continuei. Era a música "Cavaleiro de Aruanda" que vendeu mais de dois milhões de cópias e oficialmente virou um dos pontos de umbanda mais famosos do País, gravada nos anos 70 por Ronnie Von. Impressionante foi descobrir que o autor da música era um argentino apaixonado por country music. O cara é uma lenda da guitarra na América do Sul! Seu nome é Tony Osanah, sessentão, ex líder dos Beat Boy (banda de guitarras elétricas psicodélicas, que acompanhou Caetano Veloso em "Alegria, Alegria" , no festival da TV Record de 1968) Depois, ele fez músicas para Elis Regina e Roberto Carlos e tocou com Gilberto Gil, Tim Maia e... Raul Seixas. Claro que o papo foi muito maneiro, mas Tony vive na Alemanha e veio visitar o filho Gabriel e, já estava tarde pra caramba. Daí, marcamos outro chope.
Tony Osanah durante o bate-papo no bar Lapa
No dia seguinte, eu, Victor Lacombe e Carlos Saraça fomos para o Lapa, um bar com clima carioca, petiscos de mineiro e preços de paulista que fica na Asa Sul. Lá pelas dez, Daniel e Tony Osanah chegaram. Logo depois chegaram Lilian Castello Branco, Renata Varella e as histórias rolaram sem parar. Ex-hippie, o portenho guitarrista contou como foi trabalhar e compor para Elis Regina, e tocou com Gilberto Gil, Roberto Carlos, Tim Maia e Raul Seixas, entre outros. Saraça perguntou como um gringo pode escrever uma música de curimba? E Tony, disse:
"Numa tarde de 1972, na Praça Ramos de Azevedo no centro de São Paulo caminhava pela calçada do antigo prédio do Mappin, quando de repente um desconhecido, vindo do nada, olhou pra mim e falou que eu precisava de ajuda. Ele parecia um velho índio. Pediu para acompanhá-lo e disse que, eu nem imaginaria o que ia acontecer na minha vida nos próximos meses. Eu era Hare Krishina e ainda não tinha conhecimento das religiões afro-brasileiras, nem de que Oxossi era um orixá do candomblé brasileiro. Então o homem me levou para um terreiro, aquilo parecia uma viagem muito doida... Fiquei emocionado com tanta fé... Foi lindo. Fui pra casa peguei a guitarra, minutos depois, a música estava pronta. Ganhei fama e muito dinheiro depois disso. Até hoje é gravada. Recentemente foi gravada pela Rita Ribeiro e por Ney Matogrosso." Disse, ele.
Raul Seixas e Tony Osanah
Tony contou como foi tocar com Caetano em "Alegria, Alegria", como foi escrever "Soy Loco por Ti América" - uma homenagem a Che Guevara -, falou do amigo Eduardo Araújo, das viagens de Kombi com Tim Maia, do hit "Tranquei a Vida", do piloto dizendo para Raul Seixas: ”Sou seu fã, gostaria de pilotar meu avião". O maluco beleza nem titubeou e voando no céu da Amazônia gritou:
"Para o alto Osanah que isso é Rooooock and Roll, meu filho!!!"
Raul Seixas e Tony Osanah ao vivo
O nome Osanah foi dado por Elis Regina, depois de ser presenteada com a canção "Osanah" (mensageiro, em hebraico). Na letra, ele dizia: "Sei para onde vou / Agora eu sei quem sou / Sei do meu caminho / Eu sei com quem eu vou". E desse jeito continuou vivendo intensamente as mais diferentes fases da música popular brasileira. Em 1977, fez para Roberto Carlos a música "Para ser só minha mulher". Em 1979, formou o grupo Raíces de América, que cantava o sentimento da América do Sul no período da repressão política. Depois disso, encarou o rock progressivo daqueles anos e fundou a banda: Som Nosso de Cada Dia.
Então, vieram novas parcerias com Zé Rodrix e Renato Teixeira e uma grande amizade com o rei do blues
"Conheci BB King, no Brasil. Depois nos encontramos várias vezes na Europa. Até que um dia, no camarim, ele me disse:"
"Vai lá, bom amigo Tony e toque sua guitarra com a sua alma e com a minha banda." Disse, BB King.
Tony Osanah e BB King
Então ele tocou Crossroads na sua fiel Giannini de 1976. Em 1989, desencantou-se com a onda de violência e deixou o País.
"Fui assaltado várias vezes. Roubaram minha casa no Itaim (zona sul de São Paulo) e levaram até o cachorro e o botijão de gás". Lamentou.
Tony Osanah vagou por toda a Europa até morar definitivamente na Alemanha. Lá gravou o seu novo álbum - totalmente dedicado ao Blues -, montou uma banda de country music e conheceu sua esposa, a adorável Maggie.
Maggie, a simpática esposa de Tony Osanah, segurando uma caneca da banda Rioclaro
Pouco tempo atrás uma assistente social convidou Tony Osanah para tocar nas prisões de Wiesbaden e Halfeld, na região de Fulda, perto de Frankfurt.
"Fui lá sem pensar na grana ou receber qualquer coisa. Lá encontrei rapazes com mais de 17 anos detidos em penitenciárias ao lado de adultos (a lei local permite) que pediram para ensiná-los a tocar guitarra. Claro que eu aceitei. Ninguém tem muita paciência com esses jovens. Mas, nessa parceria, saiu até um disco deles, que produzi em 1999." Disse ele, com orgulho acrescentando que, mais tarde, chegou até à dar aulas de espanhol na cadeia.
Tony fala sete idiomas e é um grande luthier. Fabricou guitarras personalizadas para Roger do Ultraje a Rigor, e para Marcelo Frommer dos Titãs. Osanah tem uma longa história de amor pelas Gianninis dos anos 70, por isso fazia várias visitas ao prédio da antiga fábrica de instrumentos, na Vila Leopoldina, em São Paulo e assim tornou-se amigo do italiano Giorgio Cohen. O dono da Giannini ficou arrebatado com o entusiasmo de Tony pelas Stratosonics. Daí veio um bom contrato como supervisor de qualidade.
"Comecei aí a idealizar novos modelos de guitarras e criei um projeto audacioso. Hoje, na cadeia juvenil de Wiesbaden, cerca de 700 jovens alemães e outros 300 adultos fabricam boas guitarras com os ensinamentos de Osanah. Os alunos têm uma marcenaria para produzir suas guitarras. Muitos desses jovens são de origem russa e considerados violentos. Mas mudaram após o contato com a música, garante o novo professor.
"Certa vez, dois desses jovens russos foram encontrados desolados e o motivo é que haviam recebido o alvará de soltura. Chateados, pediram a Osanah que falasse com o diretor da cadeia. Queriam ficar mais dez dias presos. Eles só queriam sair de lá com as suas guitarras." Disse Tony.
O diretor, um alemão forte de olhos azuis e 70 anos, ficou comovido. Em 35 anos de trabalho naquele presídio, afirmou nunca ter visto uma cena daquelas. E cedeu. O caso mereceu um registro histórico no prontuário do presídio. E eles só saíram de lá com suas guitarras em mãos.
"Tony, não seria você o Cavaleiro de Aruanda?" Indagou Carlos Saraça.
Lembranças do Barbieri
O final do ano de 1970 desferiu um duro golpe nos roqueiros da época. No dia 18 de setembro daquele ano morria Jimi Hendrix e, menos de um mes depois, no dia 4 de outubro morria Janis Joplin. Tragicamente, este dois músicos geniais foram tirados deste mundo ainda bem jovens e, no pique das suas carreiras. Estes dois eventos selaram de forma muito triste o final das aspirações hippies de paz e amor que, já tinham sofrido um desgaste irreversível com o Altamont Festival acontecido menos de 1 ano antes no dia 6 de dezembro de 1969. Este festival foi coroado por muita violência culminando com o esfaqueamento de um jovem bem na frente do palco durante o show da banda Rolling Stones e praticamente colocou uma lápide em cima no movimento hippie mundial.
Quando Jimi Hendrix morreu, a comunidade roqueira de São Paulo ficou em shok e resolveu organizar um show para lembrar e homenagear este grande guitarrista. O lugar escolhido foi o lendário Teatro Aquários que ficava perto do bairro do Bixiga.
Eu estive neste evento. Não recordo-me de quase nada da programação daquela noite. Lembro-me que, no final do show, quatro baterias foram colocadas no palco e quatro bateristas tocaram juntos. Lembro-me de, entre os bateristas, ter participado um baterista que, infelizmente hoje não recordo o nome mas, na época admirava muito, era o baterista da banda Mona. Lembro-me também vagamente da sua bateria azul cheia de pratos mais parecendo um oásis rodeado de coqueirinhos.
Neste evento, o único músico que recordo-me bem, foi o guitarrista Tony Osanah. O homem tocava guitarra muito bem! Tony estava claramente emocionado e até parecia que tinha incorporado a alma do próprio Hendrix. Ele, estava compenetradíssimo, com muita emoção, executando um solo bem a lá Jimi. A plateia atenta seguia cada nota. Tony Osanah estava tocando sua guitarra que era conectada ao seu amplificador por um cabo bem curto. E sei que, a música foi crescendo e levando o povo e o guitarrista ao delírio e, de repente, no momento mais importante do solo quando ele levantou a guitarra ao ar, Tony acidentalmente desplugou a guitarra do seu amplificador.
O som da guitarra morreu e com ele, num ato de desespero Tony jogou a guitarra longe. O chocante foi que, ele se jogou juntamente com sua guitarra. Ainda hoje, tenho na cabeça esta imagem da guitarra voando e Tony seguindo no voo um pouco mais atrás. Tony Osanah e sua guitarra esborracharam-se no chão. Vivíamos o pique da ditadura militar e, um silêncio incômodo e até perigoso tomou conta do teatro e por um tempo Tony ficou lá caído. Parecia desacordado. Algum tempo depois, Tony levantou-se lentamente e, sem uma palavra, retirou-se do palco. Sua guitarra ficou lá caída e, mais tarde, se não me engano, foi recolhida por outra pessoa e levada para atrás do palco.
Este foi um daqueles shows onde você fica com a certeza de ter presenciado algo único e muito especial. Foi como se Jimi Hendrix tivesse morrido ali mesmo, naquele momento. Esta experiência marcou-me para sempre!
Compacto Simples lançado em 1971 (Material retirado da coleção particular do Barbieri)
Nota do Barbieri: Caro Tony, desde já, você está convidado à quando visitar Londres,
fazer-me uma vista para um bate-papo, um almoço ou jantar e assim autografar meu compacto simples. :-)
Compacto Duplo lançado em 1973
Matéria publicada em junho de 1973 na Revista Superpop
Capa do álbum Viaje de Vida