Em 1984, ‘bate-boca’ entre roqueiros e o crítico Pepe Escobar agitou o Jornal Folha de São Paulo
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Em 1984, ‘bate-boca’ entre roqueiros e o crítico Pepe Escobar
agitou o Jornal Folha de São Paulo
Por Luiz Carlos Ferreira
Era 28 de outubro de 1984, o Brasil vivia seu último ano sob o regime militar, que perdurava havia duas décadas no país. O maior festival de música da América Latina, o Rock in Rio, seria realizado 4 meses depois, em janeiro de 1985, sem bandas paulistas na programação. Na Folha, o crítico cultural Pepe Escobar (na foto acima, à esq., de preto e encostado à parede) causava polêmica em crítica antológica onde enfatizava o amadorismo dos roqueiros paulistanos, afirmando que apenas três bandas da capital tinham “boas possibilidades” de ascensão naqueles anos.
Intitulado ”Desventuras do rock paulistano“, o artigo de Escobar poupava apenas as bandas RPM, Voluntários da Pátria e Zero. Às demais, o crítico seguia com a afirmativa de que o rock de São Paulo era debate para “guetos”, e que neles deveriam permanecer.
“O RPM deveria ser contratado imediatamente por uma grande gravadora.” “Os Voluntários lançaram seu primeiro LP independente, e se passarem por cima de suas letras PT, vão longe.” “O Zero está com uma ótima fita gravada em estúdio.” “O resto é de lascar”, avaliava o crítico.
Escobar destacava ainda uma carta enviada à Folha pelo vocalista do grupo Zero, Guilherme Isnard, onde o músico e compositor carioca expressava sua indignação com o rumo que o rock vinha tomando na capital, e classificou um dos principais redutos do circuito, o Val Improviso, no centro de São Paulo – onde muitas bandas se apresentavam– de “pulgueiro”. Para o músico, que fez parte da primeira formação dos Voluntários, o local não passava de uma “armação para alimentar algumas bocas”, disse na época.
Seguindo o raciocínio de Isnard, que em sua carta destilava termos como “maçonaria do rock”, “máfia do rock” e “cooperativa musical intergrupos” para adjetivar os roqueiros paulistanos, Escobar não limitou sua opinião: “Aqui não adianta algum grupinho tentar monopolizar a vanguarda. Não existe uma vanguarda. Existe uma tendência explorada pelos donos do mercado, que precisa ser revertida”. Sobre o Rock in Rio, o jornalista declarou que seria “no mínimo ridícula” a participação de bandas paulistas no evento. “Imaginem Kid Girimum e suas Lagartixas Amestradas abrindo um show para as Go-Go’s”, ironizou.
Observado por Caio Túlio Costa (à esq, de óculos), secretário de Redação da Folha à época, Nasi, vocalista do Ira! e do Voluntários
da Pátria gesticula diante de colegas na Redação do jornal (Foto: Avani Stein – 29.out.84/Folhapress)
No dia seguinte à publicação da crítica, integrantes e representantes de 12 bandas, entre elas Ira!, Inocentes, Garotas do Centro e Mercenárias, reuniram-se na sede do jornal a fim de manifestar suas queixas contra o texto.
Recebidos por Escobar, o grupo reivindicou ao jornal que fosse agendado um debate amplo sobre a questão. Em um dos momentos mais calorosos da discussão, Marcos Valadão Rodolfo, o Nasi, então vocalista do Ira! e do Voluntários, tentou agredir fisicamente o jornalista, que, antes de abandonar o debate, reafirmou sua opinião ao declarar que a maioria das bandas de São Paulo era sim “muito ruim musicalmente”. Marcus Mocef, responsável pela programação do Val Improviso, e que também acompanhava os músicos naquele dia, foi categórico: “Escobar não se interessa em entrevistar e ver de perto o trabalho das bandas, fica escrevendo de orelhada e incitando fofocas no meio”. “Não estamos contra a Folha, e sim contra um crítico incompetente”, completou.
Duas semanas depois, a Folha atenderia à súplica dos roqueiros quando, na noite de 14 de novembro, com um público de 150 pessoas, mais do que as 120 poltronas disponíveis em seu auditório, promoveu um grande debate sobre o rock de São Paulo e o papel da crítica na mídia impressa. Entre os presentes estavam profissionais e amantes de várias vertentes do gênero.
Críticos, músicos e amantes do rock participam de debate no auditório da Folha (Foto: Mario Leite - 11.nov.1984/Folhapress)
Mediado pelo jornalista Matinas Suzuki Jr., então diretor da sucursal da Folha no Rio, o evento, pacífico, contou com a participação –dentre outros– do produtor Peninha Schmidt (Titãs, Ultraje e Ira!), Luiz Carlos Calanca, distribuidor independente e proprietário da loja de discos Baratos Afins, e José Augusto Lemos, crítico da extinta revista “Som Três”.
Momentos do debate foram publicados na Folha em 18 de novembro, na reportagem “Queixas e papos no debate sobre rock”, na primeira página da Ilustrada.
Frases:
“Temos que discutir aqui como surge uma nova geração de músicos, como interferem no sistema estabelecido. Como esses grupos podem se unir e participar, juntos, para acabar com essa divisão em guetos em que se encontram hoje”.
Pepe Escobar – crítico cultural da Folha
“A gente estar aqui é muito importante. Me envolvi com rock and roll desde o começo e nunca vi uma plateia tão séria de debatedores”
Pena Schmidt – produtor musical
“Se a Folha tivesse interesse em fazer um trabalho sério, não manteria em seus quadros repórteres que não pesquisam e não conhecem os trabalhos dos grupos de rock”
Thomas Pappon – baterista do grupo Smack
“O rock paulista é difícil e sofrido, as condições são precárias e o espaço conseguido depende do esforço isolado de cada banda”
Miguel Barella – guitarrista do grupo Voluntários da Pátria
“O rock paulista realmente ainda deixa muito a desejar. Não existe divulgação no rádio, entre outras coisas porque a execução ainda é muito precária…”
Paulo Leite – radialista da Excelsior
“Crítica e informação são coisas diferentes. A Ilustrada tem muita crítica e pouca cobertura. Mesmo assim é o único canal aberto para o público do rock”
José Augusto Lemos – crítico da revista “Som Três”
“O problema do rádio é simples: jabaculê. Paga-se e pronto.”
Paulo Ricardo Medeiros – crítico da revista “Som Três”.
Público de cerca de 150 pessoas participa de debate promovido pela Folha (Foto: Mario Leite - 11.nov.1984/Folhapress)
(leia o original desta matéria clicando aqui)
Barbieri Comenta
Muito embora, o uso do termo “roqueiro” nesta matéria esteja correto, ele está sendo usado de forma muito genérica porque, pode até dar a impressão errônea de que todos os estilos de rock participaram deste debate.
Infelizmente apenas um grupo que eu chamo de “poposos” ou que outros preferem chamar de a turma do “rock de bermudas” esteve envolvida nesta discussão.
Na verdade, o “crítico” Pepe Escobar que possivelmente era apenas reconhecido como crítico pelo jornal onde trabalhava não foi na boate Val Improviso checar a temporada de shows de “pop” rock que lá estava acontecendo. Ele simplesmente perguntou para um amigo que foi, o que ele tinha achado. Então irresponsavelmente detonou o evento e meteu o pau nas bandas.
Cabe esclarecer que o Val Improviso era uma boate gay de baixa categoria que ficava na Rua Frederico Steidel próximo ao Largo do Arouche, não muito longe das boates gays mais badalas todas próximas da Rua Major Sertório. Aliás não foi muito longe dali que existiu um clube de rock muito legal chamado Napalm e depois um outro chamado Espaço Retro.
Como tive uma namorada que morou na Rua Frederico Steidel, muitas vezes vi o escandalo que os travestis faziam lá pelas 8 da manhã, pois este clube era provavelmente o último que fechava.
Logo notei que Val Improviso era o último clube noturno a ser visitado pelos “vampiros” da noite, pelo povo mais bizarro. A casa só começava a receber clientes depois das duas da manhã!
Nesta época já era empresário da banda Avenger, uma das primeiras bandas de Heavy Metal de São Paulo. Um dia, lá pelo começo da tarde, passando em frente do Val Improviso, vi que a porta estava aberta e um funcionário fazia a limpeza. Pedi para ele se podia dar uma olhada no interior do clube e, logo que entrei, notei que o lugar até que era bem legal por dentro. Tinha um palco, um sistema de som muito bom para tocar fita cassete e até uma pista de dança com o chão iluminado. Imaginei que os roqueiros iriam gostar de dançar naquela pista ao som do Metal.
Aparentemente o dono do clube dormia lá mesmo e não foi difícil contata-lo. Fizemos rapidamente um acordo e acertei um show do Avenger para um sábado à tarde. Coloquei cartazes por todo lugar e o show foi um sucesso. O curioso, foi descobrir que apenas umas semanas depois os “poposos” organizariam seus primeiros projetos de shows neste mesmo lugar. Será que eles viram meus cartazes? :-)
Mas, voltando ao Pepe Escobar, sua atitude foi muito pobre e ele se indispôs com a nata das bandas que tinham muitos contatos e algum poder naquela época. Convém lembrar que este período, em termos de mídia foi muito difícil para o Rock Pesado e Heavy Metal em particular. Havia uma panela de bandas pop rock com músicos trabalhando em vários veículos de imprensa como a revista Veja, Jornal da Tarde e Folha de São Paulo. Estes "músicos reporteres" bajulavam a si mesmos e seus amiguinhos das outras bandas e até tinham uma atitude de tolerância, meio paternalista, com o movimento punk. Então, não é de se surpreender que a imprensa ignorava o Metal.
Gravadoras como a Baratos Afins imediatamente preferiram investir nestas bandas de pop rock que descaradamente copiavam bandas como Talking Heads e outras, mas, portavam-se como se fossem os grupos mais avançados do planeta. A verdade é que fora os seus visuais pós punk de boutique e seus sons pop rock estas bandas não eram diferentes da bandas pesadas e sofriam os mesmos problemas e limitações do mercado. Portanto quando Pepe Escobar recebeu uma "chapuleta" bem merecida do Nazi, a Folha resolveu organizar um encontro para discutir os problemas encontrados pelas bandas de rock de SP. Lamentavelmente ninguém importante e representativo do Rock Pesado, do Heavy Metal e mesmo do Punk foi convidado.
Pepe Escobar era o típico crítico que construia seu nome e fama falando de bandas internacionais underground totalmente desconhecidas do grande público. Normalmente sempre que a banda assinava contrato com alguma grande gravadora e ficava famosa ele passava a meter o pau e falar de outra banda desconhecida. Para ele, em geral, banda brasileira era sempre “grossa”.
Neste encontro, chamei-o de Pepe “Escovão”, acusando-o de sempre varrer debaixo do carpete as nossas bandas brasileiras. Nem preciso dizer que este pobre episódio acontecido na redação do jornal enterrou sua carreira como crítico.
Mais tarde, Escobar, como jornalista, se reinventaria e passaria a ser correspondente político, discutindo temas mundiais de relevância. Confesso que li algumas coisas que ele escreveu e achei que o homem melhorou muito e, com certeza, parece que encontrou seu destino como reporter.
Antonio Celso Barbieri