A Praça da República e a Feira Hippie: Um pouco da história de SP!
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Feira Hippie na Praça da república. Foto: Francisco de Almeida Lopes.
A Praça da República e a Feira Hippie: um pouco da história de SP!
A Feira Hippie da Praça da República
Escrito por Luiz Domingues e publicado originalmente no site Orra Meu em julho de 2015.
Segundo consta nos registros históricos, a Praça da República, no centro velho de São Paulo, até chegar nesse formato e ostentar tal denominação, teve outros nomes e seu espaço usado de maneira diferente. No fim do século XIX, por exemplo, aquela área era conhecida como Largo dos Curros, e foi cenário para a promoção de rodeios, e até touradas.
Posteriormente, formatou-se como praça, mas ostentando nomes diferentes, tais como: Largo da Palha, Praça dos Milicianos e Largo 7 de abril até que, pouco tempo após a Proclamação da República, em 1889, estabeleceu-se como Praça da República.
Em 1932, foi palco de um dos momentos mais emblemáticos da Revolução Constitucionalista, quando uma manifestação popular culminou em tragédia, onde quatro jovens estudantes ali foram mortos, e cujas iniciais de cada nome desses jovens, formaram a sigla MMDC, um símbolo da Revolução.
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Cartão postal em homenagem ao M.M.D.C., Cartaz convocando à luta armada, foto de uma manifestação em pró do Movimento Constitucionalista e finalmente uma foto do Obelisco de São Paulo, no Parque Ibirapuera, construído em homenagem aos heróis da Revolução Constitucionalista. |
Feira Hippie na Praça da república. Foto: Francisco de Almeida Lopes.
Consta também nos anais da história, que nos anos 40, tornou-se um costume espontâneo dos munícipes, realizar trocas de objetos em geral, embora isso não fosse um evento propriamente dito, ou algo programado desse nível.
Segundo o jornalista Marcelo Duarte, que mantém o Site Guia dos Curiosos e que, de fato, é um dos maiores pesquisadores de cultura em geral do país, foi a partir de 1956, que a praça começou a se tornar um ponto de encontro de colecionadores, graças à um evento específico desse teor, promovido pelo filatelista J.L. de Barros Pimentel, que reuniu ali sua coleção de selos, atraindo a curiosidade de filatelistas paulistanos. Contudo, apesar disso, a praça só ganharia a fama como cenário de um evento fixo, e com regularidade, no final dos anos sessenta e graças à uma questão excepcional de caráter contracultural, iniciada no exterior, mas que rapidamente encontrou eco em São Paulo.
Com a explosão do movimento hippie nos Estados Unidos e em muitos países europeus, tais ideias e ideais chegaram com relativa simultaneidade no Brasil e, particularmente em São Paulo e, como sinal disso surgiu na Praça da República os vendedores de artesanato e, por volta de 1967, algumas manifestações isoladas de Hippies, tentando vender sua produção artesanal, foram duramente reprimidas pelo poder policial.
Bem, com a ditadura militar apertando o cerco, apoiada pela camada mais conservadora da sociedade, era natural que cabeludos usando roupas coloridas fossem muito malquistos e mesmo que aparentemente fossem pacíficos e apenas interessados em vender seus objetos artesanais, tal reação e preconceito, resultassem em atitudes repressivas.
Feira Hippie na Praça da república. Foto: Francisco de Almeida Lopes.
Pouco tempo antes, por volta de 1965-1966, há registros na imprensa informando que nas imediações da Praça da República, nas Ruas Sete de abril, Barão de Itapetininga e Vinte e Quatro de maio, rapazes com cabelos longos, acima do padrão socialmente aceito como "normal", foram hostilizados com vaias da população e que em alguns casos a violência resultou até em apedrejamentos.
Portanto, , pouco tempo depois, aos olhares da burguesia paulistana os hippies com visual ainda mais “agressivo” que surgiram devem ter chocado ainda mais. E pelo lado social, propriamente dito, o artesanato era a única forma de ser anti-sistema, mas manter-se minimamente dentro dele, a não ser a opção adotada por hippies mais arrojados e radicais, em buscarem rincões remotos do país, para montarem comunidades rurais e autossustentáveis pela agricultura comunitária etc etc.
Feira Hippie na Praça da república. Foto: Francisco de Almeida Lopes.
Mas para quem queria ser hippie urbano, só embrenhando-se na arte, via música, artesanato ou mesmo literatura alternativa (e de fato, a partir dessa mesma época, tornou-se comum a abordagem de poetas e escritores alternativos, vendendo publicações mimeografadas pelas ruas, notadamente em portas de cinemas; teatros e Shows de Rock.
Por sorte, e apesar da ditadura, São Paulo tinha um prefeito muito dinâmico nessa ocasião (Faria Lima), e mais aberto ao mundo moderno, e não à Idade Média, como a maioria de seus pares desta época, baixou um decreto em 1968, autorizando a presença dos artesãos hippies na Praça da República. Dessa forma, começou ali uma nova tradição na cidade, a Feira Hippie dominical.
Feira Hippie na Praça da república. Foto: Francisco de Almeida Lopes.
Rapidamente a feira cresceu e se tornou um ponto turístico da cidade, atraindo o público, e fazendo a Feira se tornar solidificada, economicamente, inclusive. Em princípio, os produtos expostos resumiam-se a poucas opções. Artigos de couro em predominância, no formato de bolsas e cintos. Mas claro que com o tempo, outros artesãos trouxeram uma gama de produtos diferentes, enriquecendo a Feira.
Por volta de 1969, outras cidades brasileiras também já tinham Feiras Hippies significativas. No Rio, a Praça General Osório, em Ipanema, tornou-se a Feira Hippie dos cariocas, escrevendo sua história na cidade maravilhosa; em Belo Horizonte, a Feira Hippie dos mineiros, ganhou proporção mastodôntica, realizada na rua, como Feira Livre de alimentos; e outras cidades também abraçaram a ideia, incluso cidades interioranas, caso de Campinas, no interior de São Paulo.
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Feira Hippie na Praça da república. Fotos: Francisco de Almeida Lopes.
No caso da Praça da República, a Feira manteve sua tradição hippie, até meados dos anos oitenta, quando aos poucos, outros artesãos, não necessariamente comprometidos com a ideologia aquariana, começaram a ser absorvidos.
Nos anos noventa, a Feira ainda era enorme, mas a raiz hippie que a notabilizou desde 1968, já quase não existia mais. Se parecendo mais com uma feira de bugigangas para vender para turistas gringos, seu charme original diluíra-se.
Sai prefeito, entra prefeito, e um desses que passou pela prefeitura e nem merece ser mencionado, resolveu que a Feira deveria ser extinta. Gritos surgiram em protesto e uma ideia mais amena, mas ainda absurda, propôs então uma mudança de local, no afã de não radicalizar. Mas venceu o bom senso, e a Feira voltou rapidamente à Praça da República, seu endereço histórico.
Ainda se vê algum Hippie veterano aqui e ali; alguns Neo-Hippies, mas hoje em dia, aquele comprometimento com o movimento, não existe mais, e a Feira tem mais característica de uma Feira de antiguidades, mesclada ao artesanato, além de artigos para encantar turistas estrangeiros, encantando-os com o exotismo tropical do Brasil, mas mesmo assim, ainda se encontra alguma coisa bacana, mesmo que para achá-las, seja preciso garimpar bem...
Luiz Domingues
Lembranças do Barbieri:
Muito embora esta matéria tenha sido centrada na Feira Hippie da Praça da República, não pude deixar de viajar no tempo e retornar mentalmente à este período tão importante da minha vida. Para muitos jovens da minha idade, se por um lado, no norte do Planeta, o Flower Power desabrochava, infelizmente, os países ao sul da linha do Equador, viviam debaixo de ditaduras patrocinadas pelos Estados Unidos através da CIA. Então, Brasil, Argentina e Chile eram controlados com mão de ferro pelos seus ditadores militares. A censura dos meios de comunicação era rígida e, portanto, foi nada mais do que um milagre o fato de lá pelo começo dos anos 70 o filme Woodstock ter sido liberado. Mais dois filmes escapariam a tesoura da censura e seriam para mim muito influenciais; Um estranho no Ninho e Sem Destino. Enquanto o teatro e o cinema brasileiros eram controlados com "vara curta" o rock nacional comparado com a MPB, parecia que corria solto. Na verdade, apenas parecia que "corria solto" porque muito embora Raul Seixas, tenha sido o único músico de rock diretamente convidado à retirar-se do país, muita gente teve problemas com "os homens". Niguém escapou! De Mutantes à Made in Brazil passando por Som Nosso de Cada Dia, Patrulha do Espaço e muitas outras bandas (até Rita Lee conheceu cadeia), todo mundo teve seus problemas com "a lei". Há! Não esqueçamos da fatídica Tenda do Calvário onde muita gente passou por 24 horas de terror dentro do DEIC (Até o Barbieri aqui!), a coisa estava brava.
Mas, os anos 70, não foram apenas anos de miséria. Mesmo assim, conseguimos ter no nosso mini Woodstock com o Festival de Águas Claras mais conhecido como Festival de Iacanga porque aconteceu nas cercanias da cidade de mesmo nome. Estes anos também foram os anos das minhas descobertas relativas ao sexo oposto, foi no começo dos anos 70 que aconteceu o meu primeiro beijo, e foi a primeira vez que fiz amor. Ninguém esquece estas coisas! Neste período assistir um show de rock era um evento para ser lembrado o ano todo. A feira que acontecia na Praça da República era mais uma parte desta realidade libertaria que coincidia com a descoberta de uma nova consciência tanto espiritual como sexual. A ideia de morar num sítio ou ir nadar nu numa praia deserta, fumar à noite à volta de uma fogueira na beira da praia praticamente desconhecida como a Praia Branca ou mesmo em Maresias que nos anos 70 era apenas residência de pescadores e o seu acesso só podia ser feito por uma estrada de terra estreita e perigosa. Foi neste mesmo período que uma cidade despontou como meca para todos os hippies buscando um lugar onde todos pertencessem à mesma tribo. Embu tornou-se de repente um lugar para visitas de fim de semana. Modismo ou não até hoje Embu guarda uma aura meia hippie. Bom, em termos de rock internacional, foi um tempo muito especial e o número de bandas lendárias que tiveram seus momentos de glória neste período é muito grande para ser enumerado aqui. Perdemos alguns heróis (Hendrix, Janis e Jim Morrison) mas, ganhamos Led Zeppelin, Black Sabbath e Deep Purple (só para citar 3 porque a lista é grande)
Bom, fico pro aqui porque a minha ideia não era aprofundar-me demais e só dar uma pequena pincelada. A verdade é que lendo esta matéria do amigo Luiz Domingues fiquei saudoso… :-)
Antonio Celso Barbieri
Feira Hippie na Praça da república. Foto: Francisco de Almeida Lopes.
Feira Hippie da Praça da República
Escrito por Vera Morattapor e postado por Bruna Pezzini Corrêa no seu blog em outubto de 2012
Por volta do final dos anos 60 e o início dos 70, surgiu o Movimento da Contracultura: uma tentativa de estabelecer novos padrões na arte. Não apenas surgiram novas temáticas, mas também surgiram novas cores, novas misturas, novas harmonias. Como todo movimento artístico, este também influenciou novas tendências ideológicas, como o Movimento Hippie. A juventude, guiada por esta época de clemência por paz e amor, vivia seus tempos de voz ativa e reformulações. Foi por volta deste tempo que, na cidade de São Paulo, se desenvolveu uma Feira Hippie. Esta acontecia na Praça da República, periodicamente, e a cada ensolarada manhã de domingo tinha o poder de conceder à cidade uma nova dose de cor e música. “Era inevitável dar um passeio por ali, sobretudo naqueles domingos de sol. Eram chamadas de feiras hippies que, no começo, provocaram muita indignação dos mais tradicionalistas, capazes de dizer que aquilo não era trabalho, era tudo "coisa de cabeludo" e que a "juventude estava perdida". |
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Feira Hippie na Praça da república. Foto: Francisco de Almeida Lopes.
Felizmente a Praça da República era, de fato, um espaço democrático no meio da ditadura, uma contestação colorida e viva, o espaço da juventude marcar a sua presença através de um trabalho nada convencional, mas criativo, cheio de pulsação, de alegria de viver, abrindo-se espaços para a diversificação dos saberes e de outras tantas numerosas praças de artesanato pelo país.”
Vera Morattapor
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