Rock & Política: Capítulo IV - Rock na Sé (1986)
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Importante:
2) As gravações são apresentadas na rádio na ordem cronológica do evento.
3) Banda nenhuma deve ser julgada pela qualidade destas gravações. Estas gravações foram feitas à mais de vinte e cinco nos atrás, em 1986. Assim como todas as gravações fornecidas neste site, estas gravações devem ser interpretadas apenas pelo seu valor histórico e nada mais! Lembrem-se que a maior parte dos músicos das bandas de rock brasileiras de hoje, ou não tinham nem nascido ou ainda estava chupando chupeta.
4) Infelizmente a fita que continha de um lado o show do Viper e do outro o show do Korzus sumiu. Estou certo que emprestei a fita para um dos músicos de uma destas duas bandas que, nunca mais me devolveu.
5) A fita que continha o show da banda Pozzeidon infelizmente desapareceu.
6) A banda Sacerdote apesar de ter se comprometido, não compareceu. Na verdade, foi ótimo porque possivelmente se esta banda tivesse tocado teria sido apenas uma música.
O local preferido foi a Praça da Sé no coração da capital de São Paulo e, todos os partidos queriam uma data de fim de semana.
O PCB que, tinha metido os pés pelas mãos, na sua decisão de apoiar o empresário Antônio Ermírio de Morais para governador, nem um comício de fim de campanha tinha sido capaz de organizar. Quer dizer, na campanha do Barbieri, que eu chamava "a campanha do eu sozinho”, se quisesse que alguma coisa acontecesse teria que mover os meus próprios pauzinhos.
Produzir um concerto de rock na Praça da Sé tinha sido um sonho que perseguira à muitos anos. Se a possibilidade de ser eleito era remota, a de realizar este ideal parecia bem possível.
Cabe lembrar que, apesar do PCB estar agora legalizado não significava que os comunistas tinham o apoio geral. Muito pelo contrário. Apesar das dificuldades, entretanto, uma coisa nós tínhamos à nosso favor, a lei. Se o PDS, o PMDB e o PT poderiam fazer um comício na Sé, então, o PCB tinha que ter também o mesmo direito.
Para conseguir realizar o show na Sé eu precisava de cinco coisas:
Uma autorização oficial, as bandas, a aparelhagem de som , um palco e muita divulgação.
Autorização da Prefeitura de São Paulo
A autorização
Eu fui à Prefeitura, chequei as datas vagas e fiz um pedido em nome do PCB solicitando ao então Prefeito Jânio Quadros a autorização para um "Show Comício" na Praça da Sé.
Jânio Quadros sempre foi um tipo folclórico, explosivo e cheio de contradições. Portanto, não foi nenhuma surpresa ver sua autorização tipicamente “janiota” publicada no Diário Oficial onde ele declarava que “defiro mas, sob protestos”.
As bandas
As bandas Viper, Korzus, Vega, Pozzeidon, Minotauro, Profecia, Anarca, Spectrus, Horus, Sacerdote, Vírus, Ozone, Excalibur aceitaram meu convite para tocar gratuitamente. Sou eternamente grato à todas elas! Muito obrigado!
O Som
Sem dinheiro nenhum, não tive jeito, tive que fazer uma coligação política e aliar-me a quem tinha os recursos, Alberto Goldman.
Para ser franco, Goldman tinha desde o princípio comportado-se de forma muito franca e honesta comigo e, sem sua ajuda, eu não teria conseguido fazer o pouco que fiz. Portanto, fui falar com Rômulo que era seu chefe de campanha.
Goldman em princípio gostou do projeto só que ele não tinha idéia das minhas necessidades em termos de som. Para ele, um caminhão com umas caixinhas em cima e um microfone estava ótimo.
Tivemos que ter uma reunião com a empresa de som onde bati o pé para que a aparelhagem fosse melhor. Assim mesmo, considerando-se o tamanho da Praça da Sé e a verba para aluguel do equipamento, a aparelhagem conseguida foi, infelizmente, bem inferior ao necessário e o pessoal do som teve que fazer mágica.
O palco
Fiquei chocado com os preços que as empresas estavam cobrando para alugar um palco. Era mais caro do que o aluguel de uma aparelhagem de som.
Como o PT faria seu comício um sábado depois do meu, liguei para os organizadores da campanha para ver se conseguia usar o palco deles gratuitamente. Imediatamente, o pessoal do PT sugeriu alugarmos um palco em conjunto e assim racharmos as despesas.
Eu não disse nem sim nem não e fui dando corda para a conversa até que saiu o convite para comparecer no próximo dia de manhã na Praça da Sé para conversar pessoalmente com os organizadores do comício que estariam lá juntamente com o candidato Eduardo Suplicí que estaria dando uma entrevista coletiva para a imprensa.
No outro dia, em frente da Catedral da Sé, encontrei um tumulto armado. Por um lado, lá estava o Suplici todo galante rodeado de repórteres femininas, todas com aquelas caras hipnotizadas tipo “ai como ele é lindo”, e do outro lado os organizadores do PT putos soltando fogos pelas ventas porque, diante deles, como um bando de formigas, uma multidão de trabalhadores, com três semanas de antecedência, já estavam construindo o imenso palco do comício do PMDB. O palco do PMDB estava sendo construído exatamente no lugar onde o PT planejava construir o deles. O PT já estava mobilizando seus advogados e ameaçavam embargar a obra. O PMDB dizia que o palco deles era muito grande e necessitavam de três semanas para ser construído e que, como compensação, deixariam o PT usar seu palco gratuitamente. O PT, por sua vez, rejeitava a oferta alegando que aquele palco seria um “castelo faraônico” e que o palanque ficaria muito distante do povo. O PT certamente tinha condição de dar muita dor de cabeça ao PMDB.
Eu, ali observando a disputa, tive uma idéia luminosa. Aproximei-me deste senhor usando um terno elegante que comportava-se como o porta-voz do PMDB e falei em voz baixa:
“-Desculpe-me, posso ter uma palavrinha rápida?”
O homem olhou para mim, consentiu com a cabeça e afastou-se do grupo.
“-Meu nome é Celso Barbieri sou candidato à Deputado Estadual pelo PCB. Ao contrário do nosso partido, juntamente com o Alberto Goldman, continuamos apoiando o Quércia. Eu tenho a solução para o seu problema. Dirija-se à este povo do PT e diga-lhes que este palco está sendo construído para o meu comício que acontecerá no sábado anterior ao deles.”
Os olhos do responsável pelo PMDB ganharam vida. Ele imediatamente pôs o braço nas minhas costas e perguntou:
“-Trocamos papeis?”
“-Mas é claro! Respondi
Então, como antigos amigos, nos dirigimos ao pessoal do PT e, soltamos a bomba. Depois do anunciado não havia mais o que discutir. O argumento foi esvaziado e o PT teve que engolir o sapo desaparecendo rapidamente.
Já mais tranqüilo, o representante do PMDB chamou os engenheiros. Não daria tempo para colocar a cobertura do palco mas eu agora tinha um palco gigantesco!
O Panfleto
A divulgação
O departamento de publicidade da campanha do Goldman fez a arte do panfleto. Rodei 15.000 cópias que foram deixados em todas as lojas de discos e lugares onde a moçada roqueira costumava freqüentar. Distribuí milhares de panfletos de mão em mão.
A imprensa não estava dando muita cobertura na minha campanha mas mesmo assim mandei o release para todo mundo. Se foi noticiado, não sei por que, na campanha do “eu sozinho” não sobrava tempo para nada. (Aliás depois que escrevi esta matéria, recebi os recortes de jornais colocados no fim destá pagina!
Entrei em contato com o repórter da TV Cultura (Canal 2 ) que sempre cobria os meus eventos e ele prometeu comparecer.
08/11/1986 – Rock na Sé - O show
Sábado de manhã chego na Praça da Sé e cadê o caminhão com a aparelhagem de som? Pior ainda, neste momento, passa um carro com alto-falante anunciando o comício do Paulo Maluf no mesmo lugar. Liguei imediatamente para o Rômulo chefe da campanha do Goldman e responsável pelo som.
Fui informado que Maluf tinha conseguido autorização federal para fazer um comício no mesmo dia e lugar que o meu. Rômulo informou-me também que Goldman estáva receoso de que um conflito pudesse prejudicar sua campanha.
Para mim a “bola de neve” já estava em andamento e não tinha como parar. Perguntei ao Rômulo onde estava o caminhão e ele informou-me que o mesmo estava estacionado na Praça João Mendes atrás da Praça da Sé. Disse para o Rômulo que não se preocupasse pois se saísse pancadaria, quem poderia acabar sendo preso seria eu e não o Goldman. Sugeri que o Goldman viesse e se o clima estivesse bom, que ele subisse no palco. Na verdade, não dei muita chance para o Rômulo mudar de idéia. Eu só queria mesmo era saber onde estava o caminhão do som.
Fui correndo para a Praça João Mendes, encontrei o caminhão e intimei seus ocupantes:
“-Vocês querem ganhar por este serviço ou não?”
“-Claro que queremos!” Responderam.
“-Então, vamos instalar este equipamento rápido pois já estamos atrasados.”
Rapidamente o palco começou tomar forma, as bandas começaram chegar e a multidão formar-se.
A cada 10 minutos passava um carro anunciando naquele mesmo lugar a presença de músicos bregas e bandas sertanejas para o comício do Maluf.
Uma perua da polícia chegou, estacionou e ficou lá parada em evidência. Daqui a pouco já tinham duas, três, quatro e a presença militar foi aumentando.
A garotada do Viper subiu no palco. Usamos o próprio baterista para acertar o som da bateria e fizemos o mesmo com os outros instrumentos. O Viper começou seu show.
Viper
A seqüência das apresentações das bandas tinha sido resultado de um sorteio onde todos participaram. Cada banda teria o direito a tocar 45 minutos. Com um intervalo de 15 minutos para troca de banda. Enquanto as bandas eram trocadas eu usaria o microfone para o meu discurso eleitoral. Quer dizer nenhuma banda foi interrompida para falas políticas.
Havia uma certa tensão no ar. Tinha um monte de gente no meio do público que não parecia roqueiro.
A próxima banda a detonar foi o Korzus. Ainda hoje lembro-me do Korzus interpretando “Anjo do Mal” em frente da Catedral da Sé. Foi digno de uma excomunhão Papal. :-)
Depois do show do Korzus seguiram-se as bandas Vega e Vírus. Antes do Minotauro entrar, chamei meu pai, Demetrio Barbieri, para dar umas palavrinhas. O velho estava, visivelmente emocionado e cheio de orgulho. Sua fala foi perfeita e direta no ponto.O Sr. Demetrio vendeu a candidatuta do seu filho com perfeição :-) A banda Minotauro teve uns problemas com o som e não ficou muito satisfeita.
No intervalo para troca de bandas, antes do show da banda Profecia chamei o Alberto Goldman para o palco. Goldman chegou durante o show da banda Vírus. Quando fui recebê-lo ele abraçou-me ao mesmo tempo que, num tom imponente de político com muitos anos de experiência, disse:
“-Barbieri, eu subestimei você! Parabéns!"
“-Eu não tenho nada a dizer, é o seu comício.” Disse politicamente, sabendo de antemão que ele iria discursar...
Eu ignorei o que ele disse e rápidamente fiz um resumo dos problemas enfrentados pelos músicos de rock. Falei da falta de espaços, gravadoras e boicote da imprensa em geral.
O Goldman prestou atenção, subiu lá e como bom aluno repetiu tudo certinho.
Goldman nem tinha abandonado o palco direito quando do outro lado do praça, um caminhão puxando uma carreta enorme toda branca foi tomando lugar. A carreta era realmente longa e o lado lateral que era voltado para as costas do meu público abriu-se, para revelar um palco já pronto com aparelhagem de som de primeira qualidade.
Ozone
Primeiro foi um bêbado que, não sei como, conseguiu subir no palco. Depois foi um tipo com cabelo curto modelo escovinha que apareceu para perguntar de forma arrogante" "Quando que este barulho vai acabar?".
Tive que rapidamente arregimentar um grupo de roqueiros fortes para a segurança.
Um policial subiu para avisar que o capitão queria falar comigo lá na viatura.
Quem garantia a minha segurança? Se fosse lá estaria arriscado a ser levado para a delegacia. Pedi ajuda ao repórter da TV Cultura. Pedi para ele “grudar” em mim com sua equipe e ele prontamente aceitou.
Desci para falar com o capitão que, basicamente, disse que eu deveria parar com o show imediatamente pois o Maluf tinha autorização Federal e eu só tinha Estadual. Eu mostrei-lhe minha autorização e informei-lhe que quem decidia nestas circunstâncias era o Juiz Eleitoral. O capitão alegou que seria impossível encontrar o Juiz eleitoral no sábado. Eu então respondí que o problema não era meu e sim dele. Que eu estava dentro da lei.
A última banda, Excalibur, tocou apenas uma música e terminou o show, para minha surpresa e emoção, com um apelo em meu favor. Foi um gesto muito amigo!
Eu sei que, acreditem-me, foi uma luta. O show foi feito com trabalhadores do PMDB no palco martelando, com outro sistema de som em frente ao nosso, com a polícia pressionando e um monte de gente trabalhando contra. Escutando estas gravações que disponibilizadas aqui nesta página, certamente o caro leitor terá uma boa idéia do que foi o Rock na Sé.
Viper | Viper |
Viper | Ozone |
Ozone | Ozone |
Ozone | Barbieri e a Policia |
Se o leitor quiser ficar sabendo um pouco da história do PCB, leia esta matéria sobre Luís Carlos Prestes escrita por Alzira Alves de Abreu/Alan Carneiro (clique aqui)
Não deixem de ler os outros capítulos desta história!
Rock & Política: Capítulo I - Luiz Gushikin, Tita e os Bailes na PUC
Rock & Política: Capítulo II - Dalam, Jornal do Cambucí e a Praça do Rock
Rock & Política: Capítulo III - Barbieri e o PCB