Barbieri Music
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Barbieri toca piano dentro do Abbey Road Studios!
Caros leitores, esta história certamente representa um dos momentos mais importantes da minha vida. É daquelas situações em que você precisa se beliscar para ter certeza de que está acordado, daquelas cenas dignas de livro ou filme!
Barbieri na Sala de Controle do Studio II
BARBIERI, DEEP PURPLE, BEATLES E KATHY BRYAN
Já tinha visitado o Abbey Road Studios anteriormente, mais precisamente em 19 de agosto de 2002, quando fui cobrir o lançamento do DVD “Concerto para Grupo e Orquestra” do Deep Purple, referente ao show de 1969 que, só então, seria lançado para o grande público. Na ocasião, tive a honra de trocar umas poucas palavras com o grande — em todos os sentidos — Jon Lord, o tecladista e compositor responsável por este lançamento.
Depois de cumprir minha tarefa, fiquei vagando, emocionado, pelos corredores do Abbey Road, admirando as capas dos álbuns gravados ali, todas emolduradas e penduradas nas paredes do corredor central. Dois desses álbuns, em especial, me deixaram completamente sem fala: Imagine, do John Lennon, e Dark Side of the Moon, do Pink Floyd.
Fiquei parado diante daquelas capas, imaginando aqueles músicos circulando por ali e, ao mesmo tempo, revivendo mentalmente minha própria história — história que, de certa forma, teve estes álbuns como trilha sonora. Depois de alguns minutos nesse transe, fui trazido de volta à Terra por uma mulher que vinha em minha direção. Inicialmente, pensei que ela fosse outra jornalista.
Kathy: “Desculpe-me, mas de que revista você é?” Barbieri: “Trabalho para a Revista Dynamite, de São Paulo, Brasil. E você, quem é?” Kathy: “Meu nome é Kathy Bryan, sou engenheira de som aqui no estúdio. Hoje estou destacada para auxiliar os repórteres, esclarecer dúvidas que vocês possam ter.” Confesso que fiquei surpreso com o fato de ela ser engenheira de som, o que ainda não era algo tão comum — especialmente naquela época —, e perguntei como ela conseguiu essa proeza. Kathy: “Não acho sua pergunta incomum. Sou da Nova Zelândia e, inclusive, sou a única engenheira de som mulher do meu país. Música sempre fez parte da minha vida e amo operar mesas de som. Vai parecer mentira, mas quando vim para Londres, atravessei a rua em frente ao Abbey Road, entrei na recepção e disse que queria trabalhar aqui. Chamaram o chefe dos engenheiros, ele me levou para um estúdio, pediu que eu passasse um sinal e aplicasse alguns efeitos. Fiz o que ele pediu e, logo depois, ele disse que eu poderia começar imediatamente.” |
![]() Kathy Bryan |
Ela contava essa história com um sorriso no rosto, daquele jeito calmo que só a experiência de anos pode dar.
O Studio II e a fascinação pelos Beatles
Empolgado, perguntei sobre os Beatles:
Barbieri: “Vamos esquecer o Deep Purple por um instante... Onde eles gravavam?”
Kathy: “Ah, então você quer conhecer o Studio II?”
Nem precisei responder! Ela já sabia o que eu diria. Fomos andando pelo corredor e ela avisou que, apesar de vazio, o estúdio estava sendo usado, com equipamentos montados, por isso só poderia abrir a porta para eu dar uma espiada rápida.
Ela abriu a porta; lá dentro estava escuro e não deu para ver quase nada — um verdadeiro anticlímax. Ainda assim, tanta atenção da Kathy merecia, claro, uma atenção recíproca da minha parte:
Barbieri: “Fale um pouco de você. O que faz aqui? Mostre-me onde trabalha!”
Kathy: “Faço remasterização e DVD Encoding. Recupero material sonoro de vários formatos. Na minha sala, há todo tipo de gravador antigo e moderno, toca-discos, toca-cartucho etc.”
Seguimos para a sala dela, onde vi uma infinidade de gravadores de rolo, de diferentes tamanhos e larguras de fita. No centro, havia um Mac com o software Peak aberto — editor de áudio que eu já conhecia como a palma da minha mão. Senti-me em casa.
The Living Clocks
No final de 2001, lancei um CD do meu projeto The Living Clocks, intitulado Flowers of Evil (As Flores do Mal), baseado nos poemas de Charles Baudelaire (1821-1867). É poesia e música, uma releitura desses poemas pesados e obscuros, considerados por alguns até meio góticos. Nesse CD, toquei todos os instrumentos, usei samples, e as poesias foram interpretadas em inglês pelo brasileiro Zadoque Lopes.
Tirei da bolsa um CD e dei de presente para a Kathy, explicando que se tratava de algo gravado humildemente na sala da minha casa. Para minha surpresa, ela tirou o plástico do CD na mesma hora e já colocou para tocar.
Kathy: “Que mesa de som você usou?”
Barbieri: “Uma Studio Master. Fiz questão de comprar uma mesa inglesa e que fosse multi-voltagem, para poder levar ao Brasil.”
Quando o som começou a sair daquelas caixas de altíssima qualidade, percebi que minha gravação não devia nada a ninguém. Kathy falou, cheia de entusiasmo:
Kathy: “Ah, aquela preta em que os botões para cancelar o equalizador são invertidos? Você tem que apertar o botão para desligar, né? Tenho uma dessas. Adoro o som quente dela.”
Naquele momento, parecia que a gente falava a mesma língua — quase de igual para igual! Foi como receber um elogio pessoal. Ela não estava necessariamente prestando atenção ao conteúdo musical, mas sim à equalização, compressão, limpeza, às frequências altas e baixas… O veredicto:
Kathy: “Está muito bom!”
Foi uma emoção indescritível. Eu, que dediquei grande parte da vida a divulgar o trabalho musical dos outros, finalmente ouvia meu próprio CD tocado e elogiado dentro do Abbey Road Studios. Tive que enxugar discretamente uma lágrima…
A entrada do Abbey Road Studios numa colagem do Barbieri.
BARBIERI, MARCO ANTONIO MALLAGOLI E O REVOLUTION FAN CLUB
Conheço o Marco Antonio desde a segunda metade dos anos 1970. Fui eu quem fez a primeira camiseta do fã-clube dele, o Revolution, assim como a do Beatles Cavern Club do Luiz Antonio da Silva. Cheguei a vender milhares de camisetas de rock no Revolution. Também na época, era o webmaster responsável pelo seu website.
Recentemente, Marco Antonio voltou a Londres (uma das dezenas de vezes em que ele já esteve por aqui). Fomos conversando sobre um Mac que ele comprou e, no meio do papo, ele disse que no dia 3 de agosto, das 10h às 22h, gravaria no Studio II, a sala de gravação mais lendária do Abbey Road, onde cerca de 90% do material dos Beatles foi registrado.
Ele me convidou para dar uma passada lá. Porém, ironicamente, naquela quarta-feira, 3 de agosto, eu deveria me internar no Royal London Hospital para uma Tomografia Computadorizada.
Barbieri, no hospital, depois da visita ao Abbey Road Studios, ainda em espírito de festa! Heavy Metal!!!
BARBIERI DESCOBRE QUE TEM TRÊS ANEURISMAS
Durante uma internação por infecção estomacal, descobri — através de um ultrassom — um aneurisma na artéria aorta. Um aneurisma ocorre quando a veia incha como um balão e pode romper dependendo do diâmetro. No meu caso, 4,8 cm. Além disso, a tomografia revelou outros dois aneurisma, dessa vez nas artérias ilíacas esqquerda e direita, sendo que a da direita estava com 3,7 cm de largura. Lembrando que, um paciente com mais de 3 cm já é indicado para cirurgia.
Mas, voltemos ao Abbey Road. Ser convidado para visitar aquele estúdio tão seminal e, ao mesmo tempo, precisar ficar internado… É sacanagem do destino! Fiquei arrasado.
Na manhã do dia 3, liguei para o hospital. Em Londres, no dia da internação, você liga de manhã para saber se há vaga. Só me deram uma resposta lá pela 1 da tarde, dizendo que minha cama ficaria pronta por volta das 18h.
Então, junto com minha esposa e levando minha câmera, corremos para o Abbey Road. Não dava para perder essa chance!
Barbieri a ponto de realizar um garnde sonho!
DE TURISTA A MÚSICO (nem que tenha sido só por três minutos!)
Do lado de fora do Abbey Road Studios, havia turistas, imitando a capa do Abbey Road dos Beatles, apenas se conformando em tirar fotos na faixa de pedestres enquanto nós de fato, estavamos entrado no estúdio. Na recepção, a atendente nos levou direto até a porta do Studio II. A luz vermelha estava acesa — gravação em andamento. Ela pediu que entrássemos com cuidado e voltou para a recepção. Ao abrir a porta, já demos de cara com a Control Room, onde estavam Sam Okell e seu assistente Peter, engenheiros de som. Eles trabalhavam no Pro Tools na música “Blow Away”, do George Harrison, que Marco estava gravando. Ele tentava colocar um pequeno solo de guitarra, e, depois de várias tentativas, finalmente acertou. Mas Sam, com aquela paciência de Jó típica dos grandes engenheiros, soltou: “Está bom, mas sei que você pode fazer melhor. Vamos de novo!” O estúdio imenso estava sendo usado apenas pelo Marco Antonio, seu amigo Elihu e seu filho, Gabriel, um baterista de apenas 16 anos. Um privilégio raro gravar nesse espaço lendário, ainda mais com um profissional do calibre de Sam Okell nos controles. |
![]() Sam Okell |
O piano que eu tive a honra de tocar!
Quando Marco terminou o trecho da guitarra e decidiu gravar o baixo, os técnicos desceram para o estúdio para ajustar o amplificador. Então, aproveitei para perguntar ao Marco, já empolgado:
Barbieri: “Marco, posso ‘sentir’ este piano?”
Marco: “Manda bala! Aquele piano ali, modelo vertical, foi o que o Paul usou em ‘Lady Madonna’.”
Barbieri: “Desculpe, mas prefiro sentar neste de cauda preto, que o John Lennon tocou…” - ..é muito luxo...né? :-)
E assim eu fiz. Sentei no banquinho daquele pianão e tive meus sagrados três minutos de prazer ininterrupto! Sim, havia barulho de técnicos arrastando coisas, gente conversando, a câmera tremeu, a iluminação era ruim… mas não me importei! Agora posso morrer em paz!
Percebi então que o tempo corria. Estava um calor de 32 graus lá fora, eu pingava de suor e não podia chegar todo suado no hospital.
Voltei correndo para casa, tomei um banho e depois segui para o Royal London Hospital, em White Chapel.
ENTRE O SONHO E OS TUBOS
No metrô, indo para casa, as lágrimas correram várias vezes. E, à noite, já no hospital, sozinho, recebendo soro na veia, pensando em como tudo parecia um roteiro de filme: minutos antes, eu estava dentro do Abbey Road Studios tocando piano, e agora estava ali, naquela cama, vendo o soro pingar.
Surpreendentemente, minha semana fantástica ainda não tinha acabado! Saí do hospital na quinta e, na sexta, fui assistir ao show do Iron Maiden no O2 Arena — um grande presente de outro amigo!
Dá até um certo medo… Será que toda essa alegria foi apenas a calmaria antes da tempestade?
... e seria mesmo! Pois passaria por uma cirugia aberta conhecida aqui como Abdominal Aortic Aneurysm (AAA). Não desejo isto nem para os meus inimigos! A recuperação levou uns seis meses e os efeitos emocionais, para mim, perduram até hoje e me sugerem que fiquei com algum tipo de Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT).
De qualquer forma, voltando ao Abbey Road, com o coração transbordando de emoção, só posso agradecer por esses momentos únicos que a vida me proporcionou.
Antonio Celso Barbieri
Barbieri, dando uma de turista, seguindo os mesmos passos dos garotos de Liverpool!
The Beatles no Abbey Road Studios em 1967
(incrível! Os pianos, hoje, ainda são os mesmos!)
Olha lá no fundo, o piano que eu toquei!
Paul tocando o Hammond que aparece no vídeo
O Studio II não mudou nada!