Protesto e violência nas ruas, será a teoria do copo d’agua?
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Manifestação em Brasília.
Protesto e violência nas ruas, será a teoria do copo d’agua?
Escrito por Antonio Celso Barbieri
Recentemente a Internet tem sido bombardeada por imagens mostrando manifestações em cidades brasileiras. Imagens lamentáveis de destruição e vandalismo nos deixam perplexos e receosos do futuro. Nos perguntamos: Em que mundo nós estamos?
Na Turquia, neste momento, um protesto contra a derrubada de umas árvores cresceu e transformou-se no pano de fundo para a exteriorização de uma série de reinvindicações que já a algum tempo estavam entaladas na garganta da classe média urbana. O medo do radicalismo religioso que parece estar entrando pelas portas dos fundos, através do força política dos camponeses, parece ter sido a razão principal deste descontentamento.
E no Brasil? Bom, a realidade brasileira, política e social é bem complexa. Para começar, como um político importante, um dos fundadores do PT, confidenciou-me recentemente, "criou-se um grande distanciamento entre a elite política e o povo".
À meu ver, a ideia vendida de que somos um país emergente, esconde a realidade de que o Brasil, talvez pela sua vastidão geográfica, sofre de uma falta de visão "holística", de todo, e seus governantes representam uma geração passada que não tem ideia de como usar a imprensa (ou cego demais pelo poder e incapaz de vêr o que se passa no seu próprio quintal). Nossos governantes, parecem não entender que uma atitude mal pensada à nível federal, onde o dinheiro da nação é mal administrado, desviado, para não dizer roubado, para o povo, refletirá incompativelmente com medidas particulares tomadas pelos Estados na tentativa de administrar seus orçamentos destruídos por inúmeras administrações que buscam apenas usar os Estados como plataforma para alavancar eleitoralmente seus governadores nas suas campanhas para Presidente da República. Fica difícil para o povo entender e aceitar um aumento de 20 centavos nas passagens dos ônibus quando tanto dinheiro é desperdiçado em obras realmente desnecessárias.
No caso particular do Estado de São Paulo nunca um estado foi tão sucateado! Será que o PT não entende que, certo ou errado, se liberar uma verba para as prostitutas quando, os professores do Juazeiro do Norte no Ceará terão seus salários reduzidos em até 40% mostrará uma total falta de visão política do Brasil como um todo.
Vamos filosofar um pouco: Se a função da polícia é policiar, lhes pergunto quem policia a polícia? Da mesma forma, não existe no momento mecanismo eficaz para policiar as ações do Legislativo e do Judiciário.
Está claro que se um jovem de 17 anos mata alguém deve ser punido severamente. Aliás, a criação de uma idade limite para responder por crimes é arbitrária! Em um mundo ideal, não importa a idade, qualquer crime deveria ser julgado de acordo com o nível de premeditação e principalmente a avaliação do grau de possibilidade de reintegração do infrator na sociedade a que pertence. Não me interessa a idade, se um ser humano não pode ser reparado e reintegrado deve ser isolado para não prejudicar a sociedade. À meu ver está claro que necessitamos de uma reforma urgente no judiciário!
Sabemos que existe uma ligação entre a pobreza de uma nação e o seu índice de criminalidade mas, tratar ladrão e assassino com benevolência é absurdo! Não podemos inserir uma visão relativista em alguém que tira uma vida! Um ser humano que mata de forma calculista e à sangue frio, não importa a sua situação econômica, rico ou pobre, deve ser tratado igualmente com todo o rigor da lei!
A violência atual deixa claro que o PCC chegou ao nível da Máfia italiana e está se institucionalizando com direito à lobistas e tudo o mais. A violência que assola o país no momento chegou à níveis impossíveis! Arrastões, roubos e assassinatos crescem em quantidade e violência numa escala alarmante. Acrescente-se à esta violência, os roubos, desvios de verbas e mal uso do dinheiro público e, o sentimento de desespero na população acaba por ser palpável! Vivemos um momento de impunidade para todos, políticos e bandidos comuns onde a classe média é tratada como inimigo do estado. Recentemente, estive no Brasil por dois meses e fiquei absolutamente chocado com o excesso de barulho dos vizinhos e dos carros com seus sistemas de sons. Parece que o Brasil vive uma "idiotocrácia" total! A maldade e o desrespeito humano parecem ser infecciosos e estão penetrando em todos os níveis da sociedade.
A realidade é que não precisávamos da Copa do Mundo e nem das Olimpíadas acontecendo no Brasil quando, nosso país está deficiente nas áreas de segurança, saúde e educação. Como aprendemos com o Sr. Paulo Maluf, é de conhecimento público à muito tempo que não existe melhor meio de criar-se um Caixa Dois efetivo do que quando o governo investe em construções. Está claro que, com a descoberta do fatídico "Mensalão" o PT teria que achar outra forma de arrecadar fundos. Quero deixar claro que não sou contra o PT mas sim contra a impunidade e a falta de ética usada para conseguir seus objetivos. A ideia de que "tudo é válido para manter a direita fora do poder", em última instância levou o PT à comportar-se exatamente igual ao seus inimigos. O que, para mim é realmente incrível é a falta de visão política em pensar que poderá ficar no poder indefinidamente usando ilegalidades, medidas paliativas e comprando a maioria da população com "cestas básicas".
Toda vez que vejo o Presidente do Iran na TV sinto desgosto. Sou contra qualquer extremismo religioso e governo ditatorial. Mas, meu desgosto vai mais além. A verdade é que, realmente não o conheço como pessoa e tudo que sei vem de uma imprensa anti-Iran. O que me causa desgosto é o fato de este homem, apesar do poder que tem ser realmente ignorante em termos de imagem e como lidar com a mídia. Porque estou falando isto? É porque a nossa Presidente (desculpem-me mas usar a palavra Presidenta é muito estúpido!) não tem uma imagem popular e mais parece uma diretora de escola arrogante. Será que ninguém a orienta? Será que ela não percebe que sua presença e oratória cai como um prato cheio na mão da mídia anti-PT?
Manifestação em São Paulo.
Voltando às manifestações nas cidades, em São Paulo o problema inicial foi o aumento de 20 centavos no preço dos transportes. O governo alega que a tarifa dos transportes coletivos vinha sendo subsidiada e estava congelada à 4 anos. Dizia que para continuar subsidiando os transportes coletivos teria que tirar dinheiro da saúde, segurança e educação. Para começar, não vi, nos últimos 4 anos, muito dinheiro sendo aplicado nesta áreas!
Comenta-se, corretamente ou não, que um rapaz, pega uma garrafa de spray, põem três pedras na mochila e vai para a manifestação. Daí, junta-se à uma massa humana de uns 5.000 jovens que, por onde passam deixam o lugar parecendo um campo de batalha, tamanha é a devastação. Agora, pare um jovem e pergunte porque ele está lá e as respostas serão as mais variadas. Não existe verdadeiramente visão política, histórica ou um plano de ação com objetivos precisos. Para completar o quadro, como era de se esperar em todo país capitalista, a polícia não estará lá para defender o cidadão mas sim o capital e, obviamente o pau vai comer solto, gente vai sair ferida e, estes "mártires" então serão usados publicitariamente para por mais lenha na fogueira e criar maior agitação e insegurança. Não precisamos ser uns cientistas políticos para entender “a teoria do copo d’agua”, depois de cheio, bastará apenas uma gota d’agua para transbordar! Quando isto acontecer será tarde demais para negociação!
O duro, é desde já prever que, lá de longe, de Brasília, os governantes ficarão, na segurança de seus palácios, só observando o circo pegar fogo! Portanto, para o bem do Brasil, todas as partes deveriam dialogar e buscarem transformar o Brasil realmente em um país de Primeiro Mundo!
Antonio Celso Barbieri
Os protestos e a tragédia urbana
Escrito por Aldo Fornazieri
A maior parte dos jovens que protestam nas ruas de São Paulo, e de outras cidades, contra o aumento das passagens dos transportes públicos, ao contrário do que muitos pensam, não está sendo movida por sonhos idílicos da construção de uma nova Comuna de Paris, da tomada de uma Bastilha ou do Palácio de Inverno dos Czares. Nem mesmo pensam na tomada do Palácio dos Bandeirantes.
O que os move é algo bem mais prosaico e trágico, mas com certeza, não com menos sentido. O que os move é a tragédia da vida urbana que lhes impõe uma alta dose se sacrifício e lhes rouba parte importante do tempo de suas vidas em meio a milhões de carros, do veneno da poluição e de um transporte público marcado pelo empacotamento das pessoas, pela bolinagem degradante, pelo pisoteamento e sufoco de ônibus, trens e metrôs superlotados.
Os jovens de classe média baixa são movidos pela angústia de dormir pouco, de ter que chegar na hora certa no trabalho, de sair do trabalho e chegar na hora certa na faculdade ou na escola. O trânsito e a tragédia do transporte público fazem com que a conta do tempo não feche. São esses jovens, que precisam trabalhar, estudar, se divertir e dormir, o principal alimento dos protestos. Se se fizer um confronto de contas tendo de um lado a qualidade do transporte público que é oferecido e, do outro, o valor da passagem, o tempo perdido e o quanto é desagradável andar de ônibus, metrô e trem, os protestos são mais do que justificáveis. O espantoso é que não tenham ocorrido há mais tempo.
Ninguém é a favor das depredações e violência em protestos, claro. Mas nos acontecimentos do dia 13, o que se viu foi a violência da polícia de São Paulo, enquanto os jovens gritavam “violência não”. Assim, tratá-los como baderneiros e vândalos é de uma cegueira política sem inqualificável ou um ato deliberadamente interessado de conservadorismo ideológico.
Dizer que eles não “valem 20 centavos”, além de desumanidade, representa interditar qualquer fé na esperança e no futuro. Pois diante da pasmaceira e da mediocridade que a política brasileira vive neste momento histórico, os protestos, mesmo que muitos duvidem de que representem algum sentido, são um sopro renovador e uma advertência de que muitas coisas neste país não vão bem.
O fato é que os palácios governamentais e as Câmaras Legislativas precisam ser acossados pelo rumor das praças e das ruas para que seus ocupantes despertem e percebam que o Brasil ainda é composto de uma sociedade que tem demandas urgentes. Os governantes precisam descobrir que devem dar respostas urgentes e que a degradante acomodação não pode continuar tomando conta do poder público. Os governantes estão lá para solucionar problemas, não para justificar sua perpetuação.
Ser “classe C” no Brasil não é uma benesse. É ter uma vida de dificuldades e sacrifícios. Ninguém pode estar satisfeito ou feliz pelas parcas conquistas que foram alcançadas nos últimos anos em termos de redução da pobreza ou da desigualdade. O Brasil, no fundamental, ainda é um dos países mais desiguais do mundo e, por consequência, um dos países mais injustos do mundo. Ainda é um país onde os direitos e os serviços são negados a parcela importante da população.
O protesto contra o aumento das passagens, ademais, pode ser inscrito como um elemento dos novos movimentos sociais que surgem no século XXI. Dentre outros, trata-se de um movimento ligado às questões urbanas. A natureza essencial deste movimento não pode ser vista nos 20 centavos de aumento, mas na tragédia da vida urbana, no caos da mobilidade e no sacrifício que as grandes metrópoles impõem ao viver humano. Não é por acaso que os grandes protestos da Turquia surgiram a partir do projeto de demolição do Parque Taksim Gezi, envolvendo um problema ambiental urbano. Movimentos ambientais, por moradia, por serviços eficientes, por espaços urbanos de convívio e de lazer, por transparência, serão típicos do presente e do futuro próximo e terão cada vez mais impactos sobre a política e o Estado.
Esses novos movimentos representam também um profundo questionamento às organizações partidárias tradicionais, principalmente as de esquerda, e a estruturas formais de representação como entidades estudantis e sindicatos. O fato é que enquanto muitos militantes estão aboletados nos palácios e em cargos burocráticos, as torrentes das mudanças históricas estão passando como furacões nas ruas e nas praças. Se estamos ainda longe disso no Brasil, que os protestos das passagens, ao menos, representem um distúrbio perturbador da ordem dos negócios partidários.
Nas sociedades complexas de nosso tempo, milhões de pessoas não se sentem representadas nos parlamentos, nos governos, nos sindicatos e em outras entidades. As representações tradicionais se insularam nas suas conquistas e nos seus privilégios, enquanto as novas lutas urbanas fervilham em movimentos mais espontâneos, na internet, nas religiões e em agregações em torno de necessidades pontuais.
Nós, das gerações mais antigas, não podemos olhar esses movimentos e esses jovens com os olhos carcomidos do conservadorismo. Temos que saber interpretá-los à luz dos novos espíritos do tempo. Se na sua espontaneidade eles não fornecem saídas redentoras, o fato é que nós também fracassamos e eles são filhos dos nossos fracassos. O mundo que a eles legamos não lhes é satisfatório e, em várias questões, devemos nos envergonhar. Se há movimentos nas ruas e nas praças, temos que vê-los como sinais de esperança, mesmo que pelos nossos critérios mais antigos, sejam movimentos inconsequentes. Mas quem garante hoje que os critérios de juízo do passado ainda são pertinentes? Que estes protestos não sejam, de fato, por 20 centavos!
*Aldo Fornazieri é Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo