Roberto Piva: Brasil perde grande poeta!
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Roberto Piva
Nascido em São Paulo no dia 25 de setembro de 1937, Roberto Piva foi um poeta ligado aos marginais dos anos 60, tendo sido influenciado pelos autores da geração beat norte americana. Ele foi revelado na coletâneas "Antologia dos Novíssimos", de Massao Ohno, publicado em 1961, e "26 poetas hoje", de Heloisa Buarque de Holanda.
Piva foi professor na rede de ensino público, produtor de shows de rock e é um dos três únicos poetas brasileiros a ser citado no Dicionário Geral do Surrealismo publicado na França.
Veja trecho de programa com Roberto Piva, exibido na TV Cultura
Praça da República dos meus sonhos
Roberto Piva
Poeta em pele de tigre!
Roberto Piva entrevistado por Ricardo Lima
Ricardo Lima: Você nasceu em 25 de setembro de 1937 em São Paulo. Onde passou a infância? O que queria ser na vida?
Roberto Piva: Acho que não queria ser nada. Passei a infância em São Paulo e no interior, na fazenda do meu pai em Analândia, região de Rio Claro. Eu era muito avesso à escola regular, fiquei muitos anos sem estudar e depois fiz duas faculdades para poder sobreviver, para poder dar aulas.lt;/p> t;div style="text-align: justify;">
RL: Na sua juventude (início dos anos 50) a novidade literária era o concretismo. Como você via esse movimento?
RP: Eu não me interessava por ele. Era um pequeno grupo que nunca me despertou interesse, eu não tomava conhecimento disso. Não me interessava, como não me interesso hoje. Esse negócio me parecia linha de montagem e, em 1936, o genial Charles Chaplin, já tinha "desmontado" essas estruturas com o filme Tempos Modernos. Portanto, não entrei nessa.
RL: No final dos anos 50 (com pouco mais de vinte anos) você fez um curso de três anos sobre Dante Alighieri, que parece ter sido decisivo na sua formação. Quais outros autores estavam presentes nesse momento?
RP: Nietzsche, Kierkegaard, os existencialistas, Heidegger, filosofia e literatura, tudo misturado, Artaud, beat generation...
RL: Sempre que escrevem sobre sua vida, recordam sua passagem pela produção de shows de rock, nos anos 60. Essa experiência — somada à linguagem fragmentada do cinema e às inúmeras referências a pintores (Bosch, De Chirico, Caravaggio) e escritores — mostra um poeta essencialmente urbano, bombardeado pela indústria cultural? Ou se trata de aproximações poéticas?
RP: Não tem nada a ver com indústria cultural. É mais a segunda opção. Eram aproximações poéticas com as obras que me impressionavam, me inspiravam, me impeliam à criação.
RL: Seus primeiros livros (em 1963 e 1964), conforme nos apresenta Alcir Pécora no prefácio da obra reunida, tem um "viés beat, whitmanniano e pessoano". Você ignora o concretismo, não adere à poesia participante, de conteúdo social e, tampouco, segue a secura da tradição cabralina. O verso livre, desprovido de toda e qualquer regra, era também um grito de liberdade naquele momento de sufoco e repressão?
RP: Que sufoco? Isso era muito relativo, os militares não ficavam atrás de você o dia inteiro. Eles ficavam lutando bang-bang com os terroristas e deixavam o resto da população em paz. O verso livre tem a ver, antes de mais nada, com o estilo da minha vida.
RL: Homossexualismo. Alucinógenos. Marginalidade. Como era viver de um modo tão controverso quando as minorias tinham ainda menos espaço, menos expressão na nossa sociedade?
RP: Eu vivia como vivo hoje. Dava aulas para sobreviver e não pensava muito nessas coisas. Foi um período em que não escrevi quase nada.
RL: Pois é, esse período coincide com um hiato na sua produção poética. Depois de uma estréia tão forte, com Paranóia e Piazzas, você ficou 12 anos sem publicar. Por que isso?
RP: Não sei. Eu não pensei nisso. Para falar a verdade eu nunca pensei nisso.
RL: Já nesse primeiro momento, sua poesia vem acrescida dos "manifestos". Como eles foram divulgados e como você os analisa dentro da sua produção? São poemas também, ou tratam de questões que não cabiam nos poemas, por isso, esse outro formato?
RP: Não os considero poemas, era uma outra maneira de me expressar, eram manifestos mesmo. Os manifestos dos anos 60 eram divulgados por mimeógrafo, em plaquetes.
RL: Segundo Alcir Pécora, esse primeiro momento já traz algumas características marcantes da sua "poesia explosiva": o jogo de extremos e a escolha do autor ("condição desta escrita libertina"); a centralidade do sexo e a tangência do sagrado ("ato profanatório ou excesso amoroso e orgiástico"); e, por fim, a recusa ao sentido (a incompreensão como "um tipo de violência exigida pelo verso novo contra o comodismo"). Como a crítica, na época, reagiu a essa novidade poética?
RP: Ela não reagiu. Não saiu nada. O Pasolini, depois de cineasta famoso, publicou um livro que foi ignorado. Ele mesmo teve que fazer uma resenha, com pseudônimo, para chamar atenção da crítica e ter o trabalho reconhecido.
RL: Existia um projeto poético? Em que ele se diferencia de suas experiências pessoais?
RP: Não tinha projeto poético. Tinha a vivência poética. Minha vida e minha poesia são uma coisa só.
RL: A poesia portuguesa do século XX tem muitos autores influenciados pelo surrealismo, bem mais que a brasileira. Que autores portugueses lhe interessam?
RP: Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Mario Cesariny de Vasconcelos, António Maria Lisboa, enfim, vários autores que se aproximaram bem mais do surrealismo que os autores nacionais. Aqui, só o Murilo Mendes tinha uma vertente surrealista muito forte.
RL: De 1975 a 1985 você publicou cinco dos seus oito livros. Nessa fase se acentua o surrealismo e com ele aparece o refúgio na natureza, o batuque, os primeiros xamãs. É fortíssima a defesa ecológica, a crítica aos valores predatórios da civilização capitalista. Esse grito de resistência, muito claro nos manifestos do início dos anos 80, está hoje diluído nos versos curtos dos cantos xamânicos da fase mais recente ou não?
RP: A crítica era contra o provincianismo que acompanha todos esses movimentos, sou totalmente a favor da globalização, não sou brasileiro, sou um cidadão do mundo. Essa poesia xamânica, da fase mais recente, está também presente no Vinte Poemas com Brócoli, de 1981. Esses manifestos estão mais atuais do que nunca, e hoje acredito que estão mais envolvidos com a poesia.
RL: Após uma fase blasfematória (1960), acentuou-se a surreal (1970/80) até chegarmos à mística (1990 até o presente). Novamente, recorro ao prefácio do Alcir, para ressaltar que "os elementos mais relevantes de um período permanecem em todos os outros, havendo aspectos de continuidade e coerência marcantes em todo o conjunto". O culto, o ritual, os tambores são hoje suas ferramentas fundamentais para a realização poética?
RP: Não. Foram nos anos 80 e 90, atualmente estou meio devagar com isso.
RL: Com exceção do Ciclones (1997) e da reedição de Paranóia (2000), seu trabalho não aparecia em livro há 20 anos (a Antologia Poética, editada pela L&PM, é de 1985). Mesmo ausente do mercado editorial, como você conseguiu continuar sendo referência para os jovens poetas?
RP: Isso mostra que não sou poeta marginal, mas marginalizado. E isso significa que a minha poesia tem uma dinamite própria e alcança gerações que eu nunca esperava que fosse alcançar.
RL: Em 40 anos de poesia, não é possível aproximá-lo de nenhum grupo ou corrente literária brasileira. Sua "linhagem poética" remonta a Blake, Rimbaud, os surrealistas, os beats. Você não veio de "escola" alguma. Você acredita estar fazendo "escola", ou seja, existe uma poesia hoje inspirada em Roberto Piva?
RP: Tem vários poetas jovens que escrevem influenciados por mim. Não posso falar sobre o modo de vida deles, muitos não conheço pessoalmente, conheço apenas a poesia, mas vejo influências.
RL: Sei que você evitaria apontar este ou aquele poeta. Mas, você acompanha a produção atual? O que você acha da poesia feita no Brasil pela geração surgida nos últimos 10 ou 15 anos?
RP: Acompanho alguma coisa. Gosto de muita coisa e também não gosto de outras. Os poetas do Rio de Janeiro, por exemplo, sempre deixam uma impressão favorável. Acho que estamos num bom momento de produção poética.
RL: E qual sua avaliação da poesia feita hoje pela sua geração, ou seja, a de poetas com 40 anos de estrada e uma dezena de livros debaixo do braço?
RP: Tem várias pessoas ainda produzindo e vejo qualidade nesses trabalhos, como o Willer, o Franceschi, entre outros.
RL: De poeta marginalizado nos anos 60, ao reconhecimento como uma das mais importantes vozes da poesia brasileira contemporânea. A pequena circulação dos seus livros reflete o horizonte curto do nosso segmento editorial, ou a crítica demorou para reconhecer seu talento? Como tem sido a recepção dessa "obra reunida"?
Roberto Piva nasceu na cidade de São Paulo, em 25 de setembro de 1937. Figura polêmica, estreou nos anos 60, tornando-se conhecido por sua postura de poeta rebelde na linha da geração beat, cujos reflexos se fazem sentir em uma poesia surrealista, de cunho erótico. Leitor apaixonado de Dante, estudioso da fauna e flora brasileiras e iniciado no xamanismo, extrai dessas vertentes sua inspiração. Participou da Antologia dos Novíssimos (São Paulo: Massao Ohno, 1961) e de 26 poetas hoje (Org. Heloísa Buarque de Holanda, Rio: Labor, 1976, 1ª edição / Rio: Aeroplano, 1998, 2ª edição). Obra poética: Paranóia (São Paulo: Massao Ohno, 1963 / São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2000, 2ª edição), Piazzas (São Paulo: Massao Ohno, 1964, 1ª edição / São Paulo: Kairós, 1980, 2ª edição), Abra os olhos e diga ah! (São Paulo: Massao Ohno, 1975), Coxas (São Paulo: Feira de Poesia, 1979), 20 poemas com brócoli (São Paulo: Massao Ohno/ Roswitha Kempf, 1981), Quizumba (São Paulo: Global, 1983), Antologia poética (Porto Alegre: L&PM, 1985), Ciclones (São Paulo: Nankin, 1997) e a trilogia Um estrangeiro na legião, org. de Alcir Pécora (S. Paulo: Editora Globo, 2005). Morreu em São Paulo, na tarde do dia 3 de julho de 2010.
Agradeço à Paulo Ernesto Aranha Rodrigues pelo email cujas informações, acrescidas de outras, serviu como base desta matéria.