Jorge Ben Jor: Barbieri entrevista o "Rei do Swing" em Cannes (1998)
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Jorge Ben Jor entrevistado em Cannes
por Antonio Celso Barbieri
Em 1998 lá pelo começo ano aconteceu em Cannes, como todo ano, o Midem que é um grande encontro da indústria fonográfica mundial. Neste ano, quem marcou presença como convidado especial foi o lendário Jorge Ben Jor para, na noite reservada ao Brasil, num grande show mostrar porque é que a nossa música brasileira é tão bem conceituada fora do país.
No mesmo dia do show, à tarde, numa das salas de imprensa, no topo do próprio edifício da feira, o mestre do swing compareceu para um papo informal com a imprensa. Como tudo o que ele dizia era traduzido em voz alta para o francês e inglês, a coletiva mais pareceu uma Torre de Babel.
A entrevista
Barbieri: Diga-nos algo sobre sua música?
Jorge Ben Jor: (meio sem jeito) A minha música desde “Mais Que Nada”, “País Tropical”, “Taj Mahal”, Filho Maravilha”, eu faço dentro do meu estilo urbano e suburbano. Eu me considero um poeta urbano e suburbano. E este é meu jeito de compor.
Barbieri: Como você explica este pessoal novo regravando suas músicas (Paralamas do Sucesso, Biquini Cavadão, Skank, Barão Vermelho)?
Ben Jor: Eu queria dizer que a minha geração, a de 1945, do pós guerra, não entendeu muito a minha mensagem. Esta geração de agora, que eu acho linda, de 1970 para cá, entende melhor o meu trabalho, e é por isso que todos eles estão regravando minhas músicas antigas.
Barbieri: Qual foi o ponto alto da sua carreira?
Ben Jor: Hoje está sendo um bom momento. Ontem no show de Paris foi um bom momento. Eu tenho grandes momentos musicais e grandes momentos de shows como, por exemplo, o Hollywood Rock com 150 mil pessoas no Sambódromo do Rio. Tenho também um show que eu fiz no Rio onde compareceram 1 milhão e 500 mil pessoas, todas vestidas de branco. Eu espero que hoje à noite aqui também seja um bom momento para mim e meus músicos.
Barbieri: A crítica brasileira considera “Tábua de Esmeraldas” seu melhor disco, mas eu gostaria de saber na sua opinião qual é o seu melhor trabalho.
Ben Jor: Pela primeira vez eu concordo com a crítica (risos). A “Tábua..” foi um trabalho muito bom onde eu falei de um tema muito desconhecido, muito hermético. Eu acho que eu fui um dos primeiros a falar e cantar sobre os alquimistas no Brasil.
Barbieri: Você está sempre ocupado. Você nunca pensou em parar um pouco por alguns anos e ir joga bola.
Ben Jor: Eu continuo fazendo tudo. Eu jogo bola, danço, canto e faço música. Quanto eu estou no palco cantando e tocando é a mesma coisa como que se eu tivesse jogando futebol na praia ou nos campos com meus amigos. Eu ainda quero fazer muito mais… Eu tenho um contrato, que diz que eu e a banda Zé Pretinho tocaremos até o ano 2035. (risos)
Jorge Ben Jor em Cannes. Foto: A. C. Barbieri
Barbieri: O que você pode falar sobre o seu último disco?
Ben Jor: O meu álbum mais recente chama-se “Músicas Para Tocar Em Elevador”, onde participa esta geração nova de músicos. Cada banda escolheu uma música antiga minha, fizeram seu próprio arranjo e eu canto junto com eles.
Barbieri: Você não acha que o público está mais preocupado com o ritmo em si do que com a sua mensagem, porque apesar da sua música ser altamente dançante, nas letras o conteúdo é bem cru e potente, tocando nos problemas da realidade?
Ben Jor: Eu me considero um poeta urbano e suburbano. As minhas canções refletem o dia-a-dia que eu vivo. Eu trabalho muito com as notícias dos jornais e com o que vejo na TV. Eu gosto muito de mexer com isto. Mas, realmente o forte da minha música é o ritmo. Eu faço músicas alegres que é para as pessoas ouvirem e ficarem felizes mas, todas as minhas músicas têm uma mensagem, simples mas forte. Eu acho que as pessoas entendem minha mensagem justamente por isso.
Barbieri: Nos últimos anos a música brasileira, mais precisamente nossos ritmos, tem sido mais reconhecidos mundialmente. Paul Simon, Michael Jackson, Pet Shop Boys, David Byrne todos usaram nossos músicos e ritmos. David Byrne inclusive até lançou em Londres uma coletânea só de bandas brasileiras, incluindo música sua. Você acha que nós estamos conseguindo espalhar a nossa mensagem musical?
Ben Jor: Eu acho que este povo todo está aprendendo com a música brasileira porque a nossa música é forte, ela é grande. Eu acho também que música não tem fronteira desde que sejam respeitados os direitos autorais. O Beck ligou para mim e disse que gostaria de fazer um trabalho comigo. Eu disse para ele que eu estou aberto para qualquer coisa e que gostaria muito também de trabalhar com ele…
Barbieri: Como você define a sua música?
Ben Jor: A minha música é uma mistura de ritmos. Tem Samba. Maracatu, Baião, um pouco de Funk.. é uma mistura.
Barbieri: Afinal porque você mudou de nome?
Ben Jor: Houve dois probleminhas. Primeiro foi porque eu troquei de gravadora. Eu era da Polygram e quando eu fui para a Warner, o presidente da gravadora José Midani achou que eu deveria fazer algo como que se eu estivesse recomeçando. Então, propus usar meu nome de família que é Benzabel. O sobrenome da minha mãe é de origem etíope. Inclusive, no começo da minha carreira, a Polygram não achou Benzabel um nome artístico e por isso ficou só Ben. Bom, no fim acrescentamos somente o Jor porque em casa todo mundo me chama de Jor. O outro problema era que aqui na Europa o povo pensava que a música “Mais Que Nada” não era do Jorge Ben e sim do George Benson. Coincidência ou não, eu conquistei uma geração nova com minhas músicas e de fato tripliquei a minha audiência.
Barbieri: Você fica surpreso com as interpretações que fazem das suas músicas?
Ben Jor: Eu gosto de ouvir e para mim é muito bom que todo mundo cante as minhas canções, da maneira que gostem. Às vezes eu fico surpreso quando ouço uma música minha cantada em francês, inglês e até em japonês. “Mais Que Nada” cantando em japonês é totalmente.. (ele faz um careta engraçada e não completa a frase).. Para mim é muito positivo.
Jorge Ben Jor em Cannes. Foto: A. C. Barbieri
Terminada a entrevista fui cumprimentá-lo:
Barbieri: A última vez que apertei a sua mão fazem uns 15 anos!
Ben Jor: Onde? (curioso)
Barbieri: Foi num festival de rock lá no Estádio do Cruzeiro em Belo Horizonte. Além de você tocou um monte de gente boa: Raul Seixas, Made Brazil, Zé Ramalho, Roupa Nova, Diana Pequeno, etc..
Ben Jor: Não me diga! Eu lembro o nome.. deixa ver.. ha! Rock Horizonte!
Barbieri: É mesmo! Eu nem lembrava mais.. Que você vai fazer agora?
Ben Jor: Vou direto passar o som.
Barbieri: Boa sorte hoje à noite.
Ben Jor: Obrigado!
Esta matéria é de autoria do Barbieri e foi originalmente escrita para a Revista Dynamite, tendo sido publicada na sua edição de fevereiro/março 1999. |
Barbieri Comenta: À meu ver, na história do Rock Brasileiro Jorge Ben Jor assim com Tim Maia sempre foram esquecidos. Acredito que geralmente este dois músicos são sempre erroneamente classificados com sendo músicos da MPB. Se Roberto Carlos recebeu indevidamente o título de "Rei do Rock" que sempre achei que caberia à Erasmo Carlos por ele ter sido sempre um músico underground, humilde e verdadeiramente rock, Tim Maia, por sua vez deveria ter recebido o título de "Rei do Funk" (não me refiro à este lixo musical do momento) e Jorge Ben Jor o de "Rei do Swing". É curioso que uma banda como Os Novos Baianos conseguiu ser aceita por grande parte da comunidade roqueira mas não Jorge Ben Jor e Tim Maia. Obviamente o motivo principal é que no caso de Jorge Ben e Tim Maia, os dois são mais conhecidos por seus sucessos comerciais, quase sempre beirando a MPB, do que pelas suas faixas mais obscuras, mais experimentais e mais funk rock. Acho importante frizar que a história artística destes dois músicos sempre foi consistente e verdadeiramente ligada as suas raízes negras e culturais. Eles sempre foram honestos no seu trabalho, seguindo tendências muito claras e definidas. Apesar do sucesso, eles sempre foram de alguma forma marginais, tanto que em diversos momentos de sua carreira, tiveram vários problemas com a imprensa. Esta entrevista que tomo a liberdade de reproduzir abaixo, é sensacional e, se não esgotou o assunto, chegou bem perto! Espero que este meu esforço em reproduzir tão importante matéria ajude a manter o legado vivo deste grande mestre da música brasileira! |
Jorge Ben Jor, o homem patropi!
Na maior entrevista de sua carreira, o músico fala de família, suingue e alquimia
Publicado online em 10.11.2009 na para a Revista Trip, número 183
Escrito por Pedro Alexandre Sanches
Na maior entrevista de sua carreira, Jorge Ben Jor mostra por que, nos últimos 40 anos, nunca deixou de ser uma das mais completas e transparentes traduções do Brasil. Ele abre o jogo sobre a mãe de família etíope e o pai descendente de austríacos, sobre a fusão do samba com o rock, a ponte aérea Rio-Flórida, o futebol, o golfe e a transmutação de metais em ouro. Nas próximas páginas, relaxe e curta o suingue do maior alquimista da música brasileira Há quase cinco décadas Jorge Ben Jor tem oscilado entre fases de superexposição e outras de relativo sumiço. Mesmo nessas últimas, desde 1963 nunca deixou, nem um minuto sequer, de ser uma das mais completas e transparentes traduções de Brasil.
Idêntico ao Brasil, Jorge é uma usina produtora de sambas. Mas são sambas tortos, impuros, exuberantes, miscigenados, sacudidos por influência norte-americana do funk e da soul music. Iguaizinhos ao Brasil, são sambas mestiços de europeus e indígenas, de quando todo dia era dia de índio, e black music total, música negra brasileira.
Historicamente, é criador de letras de imediato poder comunicativo e contundente simplicidade. Sob linguagem direta, sem rebuscamentos nem medo de derrapar nas normas cultas da língua, conta histórias simples e não raro tortuosas, mas que todo brasileiro (e mesmo um punhado de gringos) entende num piscar de olhos – o trio formado por País tropical, Fio maravilha e Taj Mahal é suficiente para provar e mover a massa, onde e quando for repetido.
Suas musas inspiradoras não são garotas bossa-nova de Ipanema (mas poderiam até ser, que elas o adoram). Estão mais para meninas do subúrbio, negras, louras, morenas e mulatas de nomes Domingas, Jesualda, Aparecida, Bebete, Berenice, Katarina, Ana Tropicana, Xica da Silva. O próprio Jorge sempre esteve menos para Tom Jobim que para, bem... para Jorge Ben (Ben Jor ele só virou em 1989). Quando está aparecido, Jorge é sucesso simultâneo de público e de, digamos, crítica – não há músico suingado dos anos 90 ou 2000 que não goteje influência de sua matriz sonora (e filosófica), dos mangueboys a Seu Jorge, de Fernanda Abreu a Leandro Lehart, de Marisa Monte a Mano Brown.
Jorge andava sumido outra vez e ressurgiu no último dia 19 de setembro, numa das maiores casas paulistanas de shows – abarrotada como se ele fosse tema de abertura da novela das nove. Iniciada a apresentação, ficou imediatamente claro que o homem baile não apenas está de volta, mas que alguma coisa muito nova está acontecendo com ele. Ao longo da noite, mostrou que fez as pazes com o adorado disco A tábua de esmeralda, marco na história da música brasileira ao qual permaneceu reticente por muitos anos.
Concebido em 1974, era todo forrado de referências à alquimia, a arte quimérica de transformar metais diversos em ouro. Naquele ano, por sinal, não era só Jorge que andava a toda. Tim Maia se convertera ao Universo em Desencanto e fazia propaganda religiosa da organização nos maluquíssimos LPs Tim Maia Racional. Raul Seixas cortejava a magia negra e alardeava aos quatro ventos a Sociedade Alternativa. A exemplo do que fez Tim com a fase Racional, Jorge trancou no baú aquele capítulo.
A entrevista a seguir dá mais uma pista de que algo se move em seu peculiar imaginário. Jorge é desafio árduo para qualquer entrevistador. Geralmente muito reservado, gosta de responder com monossílabos e segundo uma lógica interna bem particular. Pois não foi assim desta vez. Atendeu à reportagem de Trip em condições de alta temperatura e pressão, tipicamente “benjorianas”, mas, fato raríssimo, falou pelos cotovelos – sobre alquimia, a vida de seminarista, a também discretíssima família, suas relações com rap e funk carioca.
A primeira etapa do encontro aconteceu no dia do show paulistano. Viajamos ao Rio de Janeiro apenas para encontrá-lo no aeroporto Santos Dumont e embarcar a seu lado para São Paulo. Durante o voo, aconteceu a maior parte da entrevista. Num segundo encontro, a convite dele, Trip conheceu a atual menina dos olhos de Jorge, um sarau chamado Corujão da Poesia, do qual ele é padrinho e mestre de cerimônia. Às terças-feiras, numa livraria 24 horas do Leblon, um Ben Jor assíduo (e notívago, talvez insone) faz vezes de MC e conduz uma jam como fundo musical para declamações madrugada adentro.
Confirmou-se ali a impressão de que o cantor cultiva apaixonadamente o hábito de permanecer eterna criança. O mesmo Jorge galante que no avião apanhou um punhadão de balas toffee do cesto da aeromoça (“Ah, aceito, essas balinhas me deixam maluco!”) reaparece no Corujão, distribuindo presentinhos para poetas: às moças, sacolinhas de São Cosme e Damião; aos rapazes, pipas (ou papagaios, bariletes, pandorgas, como listava em “Olha a pipa”, outra música que depois ficou perdida no tempo).
À maranhense Lília Diniz, que cantou e declamou Patativa do Assaré com voz de trovão, deu uma boneca (“Faz muito tempo que não ganho uma”, ela se espantou). Maravilhou-se quando o jovem poeta e palhaço Lucas Castelo Branco encenou com furor um enorme poema de Fernando Pessoa. Num dia em que o menino chamado Jorge estava a toda, ele ainda cedeu à sugestão da produção para uma suada sessão de fotos e então o inesperado aconteceu: às 3h30 da manhã, Jorge Ben (Jor) tornou-se o que sempre foi, o homem da gravata florida. Tal qual o país em que nasceu e que canta dez de cada dez canções que compõe, parece viver um momento de intenso reencontro consigo mesmo. Se por acaso você estranhar suas palavras sobre alquimia e transmutação, experimente escutá-lo não no sentido literal, mas sim no simbólico, no poético. Afinal é disso, de poesia, que o homem verde-negro-amarelo da gravata florida vive em tempo integral. Voa, Jorge, voa.
(NO SAGUÃO DO AEROPORTO, ELE COMEÇA CONTANDO, EMPOLGADO, SOBRE O CORUJÃO DA POESIA.) VOCÊ LÊ POESIA?
Leio. Mês passado comemoramos lá os 102 anos de Jorge Luis Borges, o poeta argentino. Fizemos uma hora só de Borges. Levei um livro, todo mundo leu Borges, uma coisa maravilhosa. Só pra ficar nos Jorges, já fizemos Jorge de Lima, grande poeta brasileiro, alagoano, médico que se apaixonou pelo Rio de Janeiro.
VOCÊ SEMPRE GOSTOU DE LER? NOS ANOS 70, CITAVA DOSTOIÉVSKI EM MÚSICAS...
Sempre, sempre. Ganhei um livro de sonetos de Shakespeare que é a coisa mais linda, rapaz. O cara era fodaço, genial. Os sonetos são todos amorosos, têm coisas sarcásticas, mas é todo amoroso, ele devia ter uma musa maravilhosa. Leio as biografias dos meus musos, os poetas brasileiros. Oswald de Andrade, puta que pariu!, os versos dele, sonetos, tudo malandreado, ele já era moderno, estava à frente. Na minha adolescência já lia coisas difíceis, lia e decorava textos em latim. Sabia São Tomás de Aquino, a Suma teológica, coisas que aprendi no seminário.
VOCÊ FOI SEMINARISTA?
Fui, fiz dois anos de seminário, aqui no Rio. Aprendi latim por causa de São Tomás de Aquino [pronuncia “Aqüino”, com trema]. Ele tem uns textos lindos, a Suma teológica... Saber que um santo como ele era um alquimista famoso... É demais, pra você ver, São Tomás de Aquino escreveu uma coisa simples, bonita e poderosa [fala em tom recitado]: “O mundo é um suceder de níveis, desde a matéria inanimada até a suprema beatitude do ser eterno, que é Deus”. Ele diz que a primeira lei natural é a conservação da vida – todo mundo quer conservar a vida –, depois a geração, que é ter filhos e educar os filhos, e depois o desejo de verdade. O único país que aproveitou bem a teologia de São Tomás de Aquino foi a Alemanha. A Constituição alemã é toda tomasiana, toda. Outros imitam, mas a Alemanha...
É FÁCIL DE ENCONTRAR? SÃO TOMÁS DE AQUINO NÃO É MUITO POPULAR, É?
Não, não é. Uma vez na Itália, terra dele, perguntei e o livreiro falou: “Não, São Tomás de Aquino é um santo série B” [ri]. Não é um santo série A. Série A é São Pedro, São Paulo...
SÃO JORGE...
São Jorge também é B... Aqui no Brasil que é A. Gozado... [Nos acomodamos nas poltronas do avião]. Na Delta Airlines e na American Airlines tem as aerovelhas [risos], elas são bravas, “Não pode passar aí, não é seu lugar, porra!”.
VOCÊ CHAMA ELAS DE AEROVELHAS??
Não, não, mas são todas velhinhas bonitinhas, arrumadinhas. Os americanos têm isso de bom, deixam as velhinhas trabalharem de aeromoças [um jogador de futebol se senta a seu lado].
ESSE NÃO É DO SEU TIME...
Não. Ele foi do Flamengo.
NÃO ENTENDO NADA DESSE ASSUNTO...
Esporte você não cobre não?
NÃO, MAIS MÚSICA.
Só música? Ah, o relacionamento da música com futebol é bom, pô.
POIS É, A COMEÇAR POR VOCÊ, JORGE. NUNCA ENTENDO ONDE VOCÊ MORA. UM POUCO NOS EUA E UM POUCO NO RIO?
É, moro um pouco lá, um pouco no Rio e um pouco em São Paulo. Antigamente era mais nos Estados Unidos, por causa da escola e da faculdade dos meus filhos, Gabriel e Tomaso. Fiquei nos Estados Unidos, porque lá, enquanto o filho é menor, você tem que estar perto. O tutor tem que aparecer, pra pagar as contas principalmente [ri] e pra saber como estão as notas. Depois, na faculdade melhorou, mas na high school tinha que ficar mais tempo lá que aqui. Morava no interior da Flórida, em uma cidade bem caipira, Bradenton, uma cidade onde você vê ainda aqueles caras que nem em filme, de macacão e chapéu de rancheiro. A cidadezinha tem a maior high school pra estudantes de fora.
VOCÊ ESTRANHAVA? O CARA QUE COMPÔS “PAÍS TROPICAL” MORAR NESSE LUGAR...
Não, porque dali em menos de quatro horas você está em Miami, de carro. Eles eram internos, a escola soltava no fim de semana, e eles iam para Miami. Hoje Gabriel mexe com tecnologia de música e esse negócio de hotelaria. Faz hotelaria e música eletrônica, essa de DJ.
ENGRAÇADO, O FILHO DO JORGE BEN...
É, e o Tomaso se formou em business administration. Trabalha na bolsa, em Wall Street. Pra Gabriel ainda faltam dois anos de faculdade. Agora minha mulher fica lá com eles, só vem pra cá resolver umas coisas.
FAZ MUITOS SHOWS LÁ?
Lá tem muito trabalho. Mas a agenda tá mais aqui. Junior [Airton Valadão Jr., irmão do cantor Nasi] é um grande empresário. Se você falar pra ele: “Ó, eu quero de segunda a sexta”, ele arranja.
VOCÊ GOSTA DE FAZER SHOWS DE SEGUNDA A SEXTA?
Não, não dá. Modéstia à parte, o nosso show é show, e dois pra gente no mesmo dia não é legal, um não ia sair bom.
SEUS FILHOS SÃO DISCRETOS, NUNCA VI FOTOS DELES.
Tem pouca foto. Eles não gostam muito não.
VOCÊ TAMBÉM É MUITO DISCRETO. FALA SOBRE MÚSICA, E MESMO ASSIM É BEM RARO.
É, falo sobre o meu trabalho. Agora eu tô falando sobre livro e poesia porque gosto.
MUITA GENTE TALVEZ SE SURPREENDA COM ESSE LADO, PORQUE SUA MÚSICA É POPULAR, NÃO VAI PRO LADO “INTELECTUAL”.
É, às vezes eu censuro... Pô, não pode ser muito intelectual, tem que misturar. Minha música é urbana e suburbana. Dostoiévski foi o primeiro livro cabeça que li, depois de São Tomás de Aquino. Foi Os irmãos Karamazov. É um poeta quase contemporâneo. Passou por aquela Rússia toda, dos czares. O jogador também é demais...
E A MÚSICA “TAJ MAHAL” (1972), NASCEU DE LEITURAS SUAS?
Leitura minha total. A história do Taj Mahal é linda, na Índia, na cidade de Agra. O príncipe Xá-Jehan era persa, na época em que a Pérsia dominava. E ele casou com Nunts Mahal, devia gostar muito dela, porque tiveram 14 filhos e ele ainda contratou os melhores artesãos turcos e italianos para fazer aquele palácio maravilhoso de pedras preciosas, o Taj Mahal.
VOCÊ JÁ FOI LÁ?
Não. Soube agora que o palácio está moderno, não tinha nem banheiro pra turista, agora tem. Vou ter que ir. Tentei duas vezes, estava em Londres, e a gente ia tocar depois na Tunísia, França, Itália. Aí pensei: vou pra Agra. Mas ia ter que tomar três vacinas e fiquei pensando: pô, vou tomar vacina, pode me dar alguma coisa e tenho o resto da excursão pra fazer. Aí estou esperando.
VOCÊ FALA DOS TUAREGUES EM MÚSICA, FICO IMAGINANDO SE NO SEU SANGUE NÃO CORRE ALGUMA COISA ORIENTAL...
Não, mas eu gosto daquela história. Tem uma espiritualidade, a Índia toda tem. Minha ascendência por parte de mãe é etíope. Agora, por parte de meu pai, é uma mistura de europeus. A família toda dele é branquinha, minha avó era branca, dizem que era austríaca. Meu pai era moreno, nasceu no Brasil já misturado. O resto da família é tudo claro, e eu sou mesclado porque misturou com minha mãe, a África. Nem é muito África lá, Etiópia é outra coisa. Uma coisa incrível que eu estava vendo é que na Etiópia mesmo eles se sentem mais europeus que africanos.
PODE CONTAR SOBRE SUA INFÂNCIA?
Ah, meus pais foram maravilhosos. Meu pai nasceu no Rio. Minha mãe nasceu na divisa de Rio e São Paulo, em zona rural, não sei se é Queluz. Meu avô era agricultor. Contam que veio pra cá sem querer, que estava em um navio que saiu lá do Mediterrâneo e ia pra outro lugar, e aí parou no Brasil. Por isso eu falo “por um descuido geográfico parou no Brasil num dia de Carnaval” [verso de “Crioula”, de 1969].
DE ONDE VINHA O NAVIO?
Da Etiópia. Que estava sendo invadida.
O QUE SEUS PAIS FAZIAM?
De meu pai aprendi a malandragem e o lado filósofo. Meu pai foi um grande estivador. Tinha um Ford bigode, um caminhão, e o orgulho dele era domingo levar o pessoal pro futebol e pra piquenique. Trabalhou de estivador e quando se aposentou fez parte do bon-vivant da zona sul, morava em Copacabana, ia à praia pescar.
SUA FAMÍLIA NUNCA FOI POBRE?
Não, pobre não. Sempre teve roupa pra mim, e colégio. Esses quase três anos que passei no seminário foram uma bolsa de estudo que meu pai arrumou pra mim. Tinha saído do primário, fiz ginásio e aí arrumei a bolsa, foi a melhor coisa.
VOCÊ GOSTAVA? SEMINÁRIO PASSA A IDEIA DE ALGO RIGOROSO.
Era rigoroso total, mas tinha uma aura... Quando você voltava pro povo, você sentia. Mudava tudo, era um distúrbio. Lá era uma calmaria, falava-se baixo, sem palavrão, cumprindo ordens. Você tinha acesso aos livros pra rezar, pra cantar no coro gregoriano, aquelas coisas bonitas. Eu rezava missa em latim. Fui coroinha também.
VOCÊ É RELIGIOSO?
Sou religioso. Sou cristão, católico e carioca. Só não sou romano porque nasci no Rio de Janeiro.
MAS É ECLÉTICO TAMBÉM. OGUM APARECE MUITO NAS MÚSICAS.
Faz parte da filosofia, né? A igreja, sabe, foi uma coisa que os negros africanos tiveram que inventar, em cada orixá eles botavam o nome de um santo, pra poder sobreviver. É a mitologia dos orixás, essa é a mística.
É VERDADE QUE VOCÊ QUERIA SER JOGADOR DE FUTEBOL, E NÃO MÚSICO?
É, joguei no infanto juvenil do Flamengo. O futebol era bom, mas eu tinha que correr pra trabalhar, estudar, pagar as contas. Lá não ganhava nada, não era remunerado. Até que apareceu a música, mas era outra coisa que eu também não queria.
AI, MEU DEUS. O QUE SERIA DE NÓS?
Meu pai e minha mãe não gostavam. Naquele tempo músico era considerado um marginal, aquelas coisas. Não tinha respeito. Eu trabalhei um pouquinho de despachante, das 10h às 16h. E, nesse ínterim todo, eu já estava na alquimia.
ESTUDANDO, FREQUENTANDO GRUPOS?
Estudando. E tinha um grupo, um grupo de adeptos maravilhosos. Eram da América do Sul, e tinha um brasileiro, professor ou reitor de faculdade, de São Paulo. Junto com um grupo de adeptos da alquimia, ele viu uma transmutação, em 1958.
DE METAL EM OURO?
É, é. Eles viram, e falaram pra mim: “É uma arte”. Quando conversei com eles falei de São Tomás de Aquino... A igreja proíbe falar que ele foi alquimista. Proíbe, mas ele foi. O papa Silvestre deixava, isso no século 13, porque São Tomás de Aquino era um cara de família riquíssima. E ele quis ser padre, monge. Seus pais tinham preparado ele pra ser o conde de Assis, maravilhoso, ricaço. Tanto que se internou sozinho. Foram tirá-lo de lá, e ele falou: “Quero ser padre, gosto daqui”. Em pleno século 13 ele escreveu aquilo tudo, já fazia arte com alquimia. E esses caras daqui viram em 1958, deviam ser grandes na alquimia pra ser convidados pra ver. A todo lugar que tinha ourives, eu ia com outro amigo estudante ver como se fazia ouro. E a gente ficava indignado, eu conto isso numa música do disco Solta o pavão [de 1975, na faixa “Luz polarizada”]: “Coloque o seu grisol sobre a luz polarizada...”.
NUNCA ENTENDI ESSA LETRA, “COLOQUE O SEU...”?
O seu grisol sobre a luz polarizada. Grisol é um frasco de vidro inquebrável. E aquele que forja a falsa prata e o falso ouro não merece a simpatia de ninguém. A gente ficava indignado, todas essas lojas de ourives, pô, aquele ouro todo... era mais metal que ouro. Os alquimistas falavam que é preciso um ouro que não se pode falsificar, é o ouro de dentista, aquele ouro 14, ouro malhado.
AINDA EXISTEM ALQUIMISTAS?
Eu conheço, na França. Na Europa ainda tem. No Brasil não, não tem.
E VOCÊ JÁ FOI UM ALQUIMISTA?
Não, eu nunca cheguei a fazer transmutação.
NICOLAS FLAMEL E PARACELSO (PERSONAGENS DAS CANÇÕES DE A TÁBUA DE ESMERALDA) ERAM ALQUIMISTAS?
Eram, Nicolas Flamel, ele é que é meu muso. Ele e a mulher dele. Ele é “O namorado da viúva”. Ninguém queria ela – não, eles queriam, mas tinham medo, porque ela era rica e já era viúva três vezes. Flamel é do século 15. É o meu muso [cantarola], “namo-mora-rado da viúva”...
E PARACELSO É “O HOMEM DA GRAVATA FLORIDA”?
É! A história dele é maravilhosa também. Tem até hoje a casa dele na Suíça alemã. Levei o Gilberto Gil na casa do Nicolas Flamel. E, por incrível que pareça, o Gil viu uma coisa lá que eu vi, só nós dois vimos, na casa de Nicolas Flamel. Depois eu perguntei: “Gil, você viu uma coisa que eu vi?”. Ele falou: “Eu vi, você viu?”. Foi incrível.
MAS O QUE FOI?
Vi uma coisa lá, na casa de Nicolas Flamel.
NÃO VAI CONTAR O QUÊ?
Não, não. Mas vimos.
E NÃO ERA SOB O EFEITO DE ALGUMA SUBSTÂNCIA?
Não, não. Vimos uma coisa lá. Nós vimos alguma coisa, mas bonita, não feia. Uma coisa bonita.
ENTÃO, VOLTANDO À HISTÓRIA DE PARACELSO...
O pai dele era famoso, médico, aquele médico que mexe com as plantas. Ele herdou do pai isso, todo o conhecimento dessa medicina, que se chama agricultura celeste.
QUE É O NOME MAIS LINDO DO MUNDO.
Agricultura celeste. A planta é plantada e colhida de acordo com o Sol, com a Lua e as estrelas, na época tal. Com essas plantas Paracelso curava as pessoas. E, naquela época, imagina ele, um médico, curava tanta gente que os médicos que estudaram nas grandes faculdades ficavam com bronca. Era tachado de feiticeiro, tinha que fugir de cidade em cidade. Uma vez um cônego, prefeito de uma cidade, estava morrendo, nas últimas. Ninguém dava jeito, e chamaram Paracelso. Em três dias voltou a cor, o sangue correndo, o cara começou a andar. Como? Foi aquele alvoroço. Queriam botar ele na fogueira por isso. E ele era reconhecido porque usava uma echarpe colorida.
QUE ERA A GRAVATA FLORIDA?
Era a gravata florida. A história dele é demais.
TEM GENTE QUE FICA CABREIRA COM VOCÊ, TIPO, “O QUE ESSE CARA TÁ FALANDO?”?
Tem, tem sim. Mas existem muitos alquimistas. Não falam muito, mas Mozart era adepto da alquimia, tinha um dom incrível desde os 5 anos. Tocava para reis, condes, princesas. Viajava de Londres pra Paris, não sei como chegava de carruagem. De Paris ia pra Itália, dava os concertos nos dias certos, não falhava um.
VOCÊ OUVE MÚSICA CLÁSSICA?
Ouço. De Mozart gosto muito, também já estive na casa dele. Ouço pra acalmar. Fiquei fã de Puccini desde que vi a ópera Turandot. Quando posso eu frequento, ópera é demais: é teatro, música, drama, o cenário. Vi Aída na Itália, Termas de Caracala, é uma coisa assombrosa, tem até elefante.
ISSO ME LEMBRA O CIRCO, VOCÊ TEM UMA GRANDE MÚSICA SOBRE ISSO (“O CIRCO”, DE 1972)...
Circo, circo! Foi sempre presente na minha vida. Era minha maior diversão, sempre gostei, principalmente dos palhaços. E daquela magia toda. Fui a todos os circos no Rio de Janeiro, de Orlando Orfei até Beto Carrero. Estava em Los Angeles quando vi o Cirque du Soleil pela primeira vez, faz 20 anos. É um circo sem aninais, mas os caras te encantam com malabarista, palhaço, orquestra. Lembro bem, há 20 anos eram só três tecladistas e dois cantantes, faziam a música toda do circo. Quando estou em Orlando vou sempre ver.
AS COISAS DA LETRA DE “O CIRCO” NÃO EXISTEM, COMO A CABRA CICLISTA... DE ONDE SURGEM ESSAS IMAGENS?
Aquilo é imaginação. Até existem. O anão gigante. A mulher barbada. O homem-avestruz, que engole faca, colher, tudo. O homem-foguete...
ESSES EXISTEM.
Homem-foguete que vira elefante e sai voando.
AÍ JÁ É MAIS DIFÍCIL.
Orquestra de sapo. A cabra ciclista. A girafa seresteira. Porque girafa não fala, não emite nenhum som, sabia? O pior e o melhor de tudo é o homem, o marido da Deise. Ele que come raio laser, e ela que recebe todo o aplauso...
E VOCÊ NÃO FALA “LASER”, SENÃO NÃO RIMARIA COM “DEISE”.
Não, eu falo “leise” [ri, e cantarola], “e agora com vocês a grande cartomante, a internacional Deise/ a mulher do homem que come raio leise”.
TEM UMA MÚSICA ANTERIOR QUE SE CHAMA “DEIXA O MENINO BRINCAR” (DE 1965). NESSAS CANÇÕES É VOCÊ O MENINO?
É, deixa o menino brincar. Vejo os meninos, a garotada, acho que criança tem que brincar mesmo.
ÀS VEZES ADULTO TAMBÉM. FAZENDO ESSAS MÚSICAS, MESMO AS DOS ALQUIMISTAS, VOCÊ ERA UM ADULTO BRINCANDO?
Era, um adulto brincando. De criança tem outra que eu fiz, “A história de Jorge”. “Jorge voa/ voa, Jorge, Jorge, Jorge, voa”... Eu estava assim na janela do meu prédio, na rua Paula Freitas, vi aquela rua vazia, de madrugada, começando a amanhecer. E parece que imaginei ali um garoto que saía correndo e voava que nem um avião. Aí fiquei com aquilo, poxa. Tinha conhecido Jorginho, que sempre foi fã meu, amigo, jogava futebol também. E aí saiu ali, porque Jorginho falava: “Jorge, sou seu amigo”, “Jorge é meu amigo” [“essa é a história de um menino que tinha um amigo que voava e Jorge se chamava”, ele declama na letra de 1976].
VOCÊ DISSE ANTES QUE NÃO QUERIA SER MÚSICO. QUANDO SE CONVENCEU?
Eu já fazia música desde a escola, escrevia letras, sem melodia. Porque meu pai foi compositor, teve gravadas três músicas de Carnaval, com parceiros. Meu pai tinha amigos da estiva que também faziam parte do Salgueiro. Sempre teve música em casa, meu pai e minha mãe se conheceram na Gafieira Elite, dançaram muito na Estudantina.
SAMBA?
Samba, só samba. Meu pai era amigo de Ataulfo Alves, tinha grandes amizades musicais.
VOCÊ É UM SAMBISTA, JORGE?
Eu faço samba muito bom. Não sou um sambista, mas eu faço, sei fazer muito bem.
MAS ADICIONOU ALGO MAIS AO SAMBA.
Eu misturo. “Mas que nada” (1963) já foi uma mistura, né? Misturei um pouquinho de samba que é misto de maracatu.
MAS NO INÍCIO FOI TIDO COMO BOSSA NOVA, NÃO?
Não, não bossa nova. Eles nem sabiam botar nome. Samba esquema novo. Eu tocava no Beco das Garrafas, mas nunca fiz bossa nova. Meu samba é outra coisa, totalmente diferente, por isso Meirelles e Os Copa 5 quiseram tocar comigo. Eu tocava entre eles, todo mundo lendo música, tocando bem, e eu não sabia o que tava tocando, não sabia ler música. As minhas harmonia [troca o plural pelo singular, como a descrever o que está dizendo] era errada, mas era certinha.
DEPOIS APRENDEU A LER MÚSICA?
Depois aprendi pra falar com eles como eu quero. Hoje posso falar “quero assim”. Eu frequentava o Beco desde quando mudei para Copacabana, era adolescente, tinha 16 anos. Antes morava na Tijuca. Mudar pra Copacabana foi um sonho. Mudei pra um bairro meio tradicional e de uma modernidade incrível, as mulheres passando de biquíni, os homens de short na praia. Morar ali, a duas ruas do Copacabana Palace [ri], tomei um choque. As coisas melhores estavam em Copacabana, o açougue, a carne, tudo era melhor. Tinha outro cheiro, outro perfume. E aí eu frequentava o Beco aos domingos, tinha jam session com os músicos famosos. A gente ia, começava às cinco da tarde e ia até meia-noite, mas às oito, como a gente era menor, diziam: “Sai todo mundo”.
VOCÊ CONVIVEU COM JOÃO GILBERTO?
Não, João Gilberto nunca foi lá. Tocavam lá Meirelles, o maestro Cipó, só gente boa de jazz. João já tinha gravado e estava famoso, tocava só em apartamento, com o grupo dele, Nara Leão, um grupo mais sofisticado.
VOCÊ NUNCA FOI DESSA TURMA?
Não, eu ainda não estava na música.
SUA TURMA ERA TIM MAIA, ROBERTO, ERASMO CARLOS?
Eu também não era da turma deles... A turma deles, o primeiro conjunto, era Tim Maia, Erasmo e Roberto. Chamava Sputniks. Aí houve uma confusão, Roberto se separou e o Tim depois sumiu, foi pros Estados Unidos. Tim tocava desde garoto, foi o primeiro que vi cantando “bop-a-lena, bop-a-lena”, tocando guitarra. Ficamos mais amigos depois, quando voltou e veio pra jovem guarda. Fizemos uma excursão uma vez com a fábrica francesa de tecidos Rhodia. Eu, Rita Lee e Tim Maia. Eram as manequins, e a gente tocava no meio dos desfiles. Uma coisa chiquérrima.
NÃO FICOU NADA GRAVADO DISSO?
Ah, não, não sobrou gravação nem do tempo nosso da tropicália, de Divino, maravilhoso. Dizem que gravavam novela em cima. Mas, falando do Tim Maia... O som dele revolucionou. Ele teve umas fases lúdicas, lindas, específicas... Por exemplo, aquela do livro. Ele seguia e descobriu que não era nada daquilo. Essa foi uma decepção dele. O cara botou a fé dele toda ali e depois descobriu.
DEVE TER SIDO RUIM PRA ELE, MAS RENDEU MÚSICAS MARAVILHOSAS...
Ô, só música maravilhosa. Ele aderiu, cantava com o livro na mão. O síndico, o grande síndico, Deus o tenha. Não vou falar pra você nem pra ninguém, mas eu guardava coisas dele, os amigos sempre guardavam. A qualquer hora você tinha que atender, ele ligava três, quatro horas da manhã. Uma coisa que posso contar pra você: quando gravou o disco com Os Cariocas [em 1997], ele chegou contente, feliz da vida, isso eram quatro da manhã. Aí acordei, já sabiam lá em casa que telefone para mim era dele.
ELE DEVIA SABER QUE VOCÊ TAMBÉM ESTARIA ACORDADO...
[Ri.] Do outro lado ele feliz, “Porra, estou chegando do estúdio agora, gravei com Os Cariocas!”. Mostrava faixa por faixa, ouvi e tinha que dar nota!
NOTA? DE ZERO A DEZ?
[Ri muito.] “O que você acha, porra!?” “Do cacete.” Era demais.
E ROBERTO E ERASMO?
Com eles foi muito pouco, só vivi aquela época da jovem guarda.
MAS VOCÊ FEZ DUAS MÚSICAS COM ERASMO E MOROU COM ELE, NÃO?
Fiquei um pouco com Erasmo no Brooklin, quando fui pra São Paulo me apresentar no Jovem Guarda. Foi a época em que a gente fez “Menina gata Augusta” [1967], que foi legal, [cantarola], “menina gata Augusta, menina Augusta gata”. Ali já fizemos um [hesita] samba rock...
VOCÊS BATIZARAM DE “JOVEM SAMBA”.
É, jovem samba [cantarola], “eu sou da jovem samba/ a minha linha é de bamba” [de “A jovem samba”, 1967].
E A TURMA DA MPB FICOU BRAVA...
Puta que pariu! Neguinho quebrava disco, quebraram meus discos todos, na TV, naquele programa de televisão...
FLÁVIO CAVALCANTI?
Quebrou. Quebrou A tábua de esmeralda.
QUEBROU A TÁBUA DE ESMERALDA?
Quebrou, quebrou.
SE ELE SOUBESSE... MAS NÃO ERA SÓ ELE, ELIS REGINA TAMBÉM FICOU BRAVA QUANDO VOCÊ FOI AO JOVEM GUARDA, NÃO?
Todo mundo. Um cara de hoje que eu queria ser quando garoto é o Max de Castro, que inventa tudo, não quer saber, bota drum’n’bass, guitarra... eu já fazia isso, mas sofria uma censura.
VOCÊ GOSTA DO FUNK CARIOCA?
Do que eu faço.
E ESSE DE AGORA?
Não, esse novo não é funk...
DIGAMOS QUE O NOME É UMA LIBERDADE POÉTICA...
É, uma liberdade poética. Esse não é um funk. Eles falam funk, mas não é. Não sei nem se é ritmo e poesia, mas é um... Pode ser um r’n’d, ritmo & dança. Mas não é o funkão.
FUNK CARIOCA É VOCÊ?
Não só eu, outras pessoas fazem. É que nem aqui em São Paulo [o avião já pousou], o pessoal fala de samba-rock. Mas não é um samba rock, é um samba diferente, que o pessoal dança tipo rock.
É UM SAMBA MISCIGENADO, O PAULISTA, TEM ATÉ JAPONÊS FAZENDO.
É, faz, e eles dançam estilo rock. [Saímos pelos corredores do aeroporto, uma comissária de solo puxa conversa: “Bom show, eu daria tudo pra ir, mas não vou estar aqui”. Ele faz meia-volta e diz, todo galante. “Ah, você não vai estar?” Ela responde: “A gente vai pra Recife”. “Ah... seria um prazer... Boa viagem então, tá?”]
VOCÊ FALOU DE TIM, ROBERTO E ERASMO. E SIMONAL?
Simonal, pô, foi o primeiro a gravar todos os meus sucessos. Foi importante. Pedia, perguntava: “Tem alguma coisa?”. “País tropical”, “Zazueira”.
O TERMO “PATROPI” FOI ELE QUE INVENTOU?
Não, o patropi já tinha. Patropi cantei num show em São Paulo, eu e Toquinho. Era eu, Toquinho e Paulinho da Viola, lindo, mas não foi ninguém. Depois todo mundo estourou. Olha só a produção, Fernando Faro e Antonio Abujamra.
NÃO ERA ESSE QUE TINHA ARACY DE ALMEIDA?
Isso, é. Não ia ninguém. Aracy era daquele jeito dela... Ela é uma escola de música, gravou Noel Rosa. Trabalhou com Noel, acho que foi até namorada dele. Mas era um show assim [ri], que não ia ninguém. Cada um cantava suas coisas, só eu e Toquinho cantávamos “Que maravilha”.
UMA MÚSICA SENSACIONAL POUQUÍSSIMO CONHECIDA É “QUEREMOS GUERRA” (1968). POR QUE NÃO FICOU FAMOSA? ERAM VOCÊ, CAETANO E GIL NUMA MESMA GRAVAÇÃO.
Orra, aquela do festival [cantarola]: “Mas só se não fizer sol amanhã/ se chover também eu não vou sair de casa/ eu não estou aqui pra pegar uma gripe danada/ e no fim da semana não poder ver a minha namorada/ guerra, queremos guerra”. Na Phono 73 [um festival com todo o elenco da gravadora Philips] não deixaram eu cantar. Censuraram, Chico Buarque foi censurado. A minha censuravam porque eu falava “guerra, queremos guerra”. Por causa da palavra guerra. Deixamos de lado, porque acho que ela perturbava aqueles arapongas...
(NO SAGUÃO DO AEROPORTO, CONVERSA COM JOGADORES DO BOTAFOGO, DÁ AUTÓGRAFOS. ENTRAMOS NA VAN RUMO À CASA DE SHOWS.) VOCÊ TEM AMIZADE COM ESSA GAROTADA DO FUTEBOL, RONALDO...?
Não, essa geração do futebol conheço muito pouco. Porra, bicho, o Rio tá uma vergonha. Dois times grandes quase caindo novamente [o Campeonato Brasileiro ainda não tinha acabado]. São Paulo tem seis ou oito times no campeonato. O Rio só tem uns dois. [O fotógrafo pergunta pra quem ele torce] Só torço pro Flamengo. E pro Brasil.
VOCÊ AINDA VAI A ESTÁDIOS?
Vou sempre. Eu morava ali perto, dali todo mundo vai a pé pro Maracanã. Bons tempos, eu era garoto, meu pai me dava um troco, a gente ia de geral, bonitinho, de sapatinho e calça curta. Aí, da geral a gente pulava pras cadeiras [ri], aí, como tava bonitinho, ninguém falava nada. Era do lado da escola onde eu fiz o primário, na Tijuca. Uma fase legal. O Maracanã é um show, você pega o elevador, sobe, quando abre a porta, rapaz, é sempre show, aquela coisa “aaaaah” [simula o ruído de multidão]. E quando o céu tá azul-clarinho, domingo à tarde... Tudo nasceu lá, domingo à tarde. “Fio maravilha”, “País tropical”, “Camisa 10 da Gávea”... Compunha, tinha a ideia lá, vendo aquilo tudo.
VOCÊ FAZ UM MONTE DE MÚSICAS COM NOME DE MULHER, A DOMINGAS (SUA COMPANHEIRA DESDE O FIM DOS ANOS 60) NÃO CHIA?
Não, ela já sabe que é o meu estilo de música, que eu tenho que fazer. Ela é companheira nisso.
ESSAS PERSONAGENS, JESUALDA, KATARINA, VOCÊ IMAGINA?
Não, não são imaginadas. São musas mesmo. Existem de verdade. Todas. “Jesualda” é uma história mesmo, lá de Copacabana. Jesualda é da minha geração, aconteceu mesmo com ela isso [a personagem é uma cozinheira da zona sul que conhece um estrangeiro num ponto de ônibus rumo ao Maracanã e “agora espera baby do exterior”]. Eu conto história, sou um repórter. E um pouco de ficção é bom, misturo os dois.
JORGE, VOCÊ TEM MÚSICAS INÉDITAS, ESTÁ GRAVANDO?
Não, não tô gravando não. Tô só fazendo. Quando dá tempo. Eu perguntei ao meu filho, e ele disse: “Pai, nenhum amigo meu compra CD, ninguém mais compra”. Neguinho vai lá e baixa...
O QUE ACHA DISSO?
É terrível. Agora tem que ver quem errou... A tecnologia tá tão avançada, quando eu estive no Japão, 12 anos atrás, já comprei um chip duma banda japonesa. Era um chip, uma moedinha. Eles vendiam uma máquina, tipo um chaveirinho, você botava o fone ali, porra, era um sonzão! Depois os Estados Unidos brecaram. Saiu pra criança, quatro faixas da Britney Spears... Puta que pariu, um chipzinho, o CD vai pro cacete então, né?
VOCÊ É RATO DE COMPUTADOR?
Não sou. Porque não tenho saco. Tenho um pouquinho de preguiça de ficar no computador, porque tenho que ler. Ler no computador? O livro, porra, é mais apaixonante. Você lê a hora que quer, não tem aquela tela te perturbando a vista. Aí eu tenho que ler, tem que tocar, tenho que sair pra passear com meus cachorros – tenho uma cachorrada. Tem que dar atenção um por um, senão ficam com ciúme e me mordem. Tenho três cachorros, a começar com a lhasa apso, que se chama Spring. Tem a Kati, que é minimaltês, a mais brava de todas. É míni, míni, do tamanho do meu tênis. E tem o Joaquim, um poodle lindo, branquinho. Moram todos no Rio. Fizemos um abaixo-assinado, não podia ter cachorro no apartamento. Pô, todo mundo tem. Aí ficou normal, legalizaram a cachorrada no prédio.
MUITA COISA NO SEU SHOW ACONTECE DE IMPROVISO TAMBÉM, SEM ROTEIRO...
Não tem roteiro. Depende do público, da reação. A gente toca assim, e tá bem... É pra banda ficar ligada. Porque senão fica tocando sempre a mesma música. Por exemplo, estão esperando a hora de entrar “Santa Clara clareou”, aí entra outra música...
OS MÚSICOS TÊM QUE SAIR CORRENDO ATRÁS DE VOCÊ.
[Ri, divertido.] Saem correndo.
UMA VEZ FUI ENTREVISTAR VOCÊ NO CONDOMÍNIO ONDE MORA NA BARRA, E VOCÊ CHEGOU COM TACOS DE GOLFE. VOCÊ JOGA MESMO?
Foi, mas não tenho tempo, por incrível que pareça. Todos os campeonatos que me chamam são às sete da manhã! Às vezes participo, mas sete da manhã não dá pra mim. Chego em casa às cinco! Jogo sozinho, às vezes vou pro clube Itanhangá, sou sócio lá. Jogo umas peladinhas de vez em quando, mas as peladinhas também são todas cedo, não dá.
QUAL É SUA OPINIÃO SOBRE A SITUAÇÃO ATUAL DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA?
Não vende mais CD, por isso eu perguntei pra você, quem foi o culpado disso tudo?
NÃO SEI, TEM ALGUM PALPITE?
Ah, fico pensando. A começar pelo tal de jabá. O grupo de cantores, autores, nunca pôde ter uma rádio própria pra tocar seus trabalhos. Nunca ninguém foi premiado. Hoje é um lobby pra ter rádio...
AQUELA HISTÓRIA DO PLÁGIO DE ROD STEWART (O CANTOR USOU A MELODIA DE “TAJ MAHAL” EM SUA “DA YA THINK I’M SEXY?”, DE 1978)? VOCÊ PROCESSOU ELE?
Não, foi a editora que foi atrás. A editora, sem eu estar acionado nem nada, fez uma aposta com ele. Uma aposta, não, fizeram um acordo.
(CHEGAMOS AO LOCAL DO SHOW. ACOMPANHAMOS A PASSAGEM DE SOM, MAS A CONVERSA SE INTERROMPE AQUI. DEZ DIAS DEPOIS, JORGE JÁ NÃO ESTÁ TÃO FALANTE, E O PAPO CONTINUA AO FIM DO CORUJÃO DA POESIA, ÀS 3h30 DA MANHÃ, ENQUANTO A POETA NATÁLIA PARREIRAS AJEITA A GRAVATA FLORIDA PARA A SESSÃO DE FOTOS. O REPÓRTER PÕE UMA MÚSICA NO CELULAR PARA JORGE OUVIR.) VOCÊ CONHECE ESSA?
[Depois de uns segundos.] Black Eyed Peas.
É, ELES SAMPLEARAM UM PEDAÇÃO DE “CINCO MINUTOS” (1974), EM “POSITIVITY” (1998), E NÃO TE DERAM CRÉDITO.
[Ele sorri, não fala nada. Penteia os cabelos.] Estão sem camisinha, estou sem meu boné. [As fotos são feitas lá fora, embaixo de chuva.]
VOCÊ JÁ VINHA FAZENDO AS MÚSICAS DE A TÁBUA DE ESMERALDA NO SHOW?
Não, aquilo foi em São Paulo. A gente tocou um mês antes em Campinas, e lá tinha um pessoal com uma placa do disco A tábua de esmeralda, e outra placa pedindo “Hermes Trismegisto”. Nesse dia não fiz, não estava ensaiado. A banda que está comigo agora está mais ligada nas músicas recentes. Tem que ensaiar tudo com eles, senão...
VOCÊ SABE DAR NÓ EM GRAVATA?
Eu? Não. Até hoje não sei. Tenho duas gravatas floridas, consegui duas, mas não como eu queria, com as flores todas. Uma delas só tem rosa.
ESSA AÍ É BOA?
É. [Terminada a sessão, Jorge se despede, mas convida a reportagem para a próxima escala, uma padaria do Leblon. Uma comitiva o acompanha embaixo de chuva: músicos, o jovem palhaço Lucas, duas jovens jornalistas cariocas. Jorge pede água com gás, café com leite e pão com manteiga, e se diverte com Mama Giulia, de 71 anos, sotaque italiano, figura carimbada nos saraus.] Mama Giulia, una ova, ou due? [Pede um ovo estrelado.]
VOCÊ NÃO TEM COLESTEROL ALTO?
Não.
DEPOIS DOS SHOWS COSTUMA BATER UM RANGO TAMBÉM?
Não, depois de show, não. No camarim tem muita fruta, queijo e refrigerante, de todo tipo [Jorge não fuma nem bebe, e não permite bebidas alcoólicas para ninguém nos camarins].
O QUE SENTIU AO SABER QUE MANO BROWN, DOS RACIONAIS, BATIZOU OS FILHOS DE JORGE E DOMÊNICA? (DOMÊNICA É UMA DAS VARIAÇÕES QUE ELE USA EM MÚSICAS PARA FALAR DA MUSA DOMINGAS; A PARTIR DE UMA DELAS MANO BROWN FEZ SUA “FIM DE SEMANA NO PARQUE”, DE 1994.)
Pô, demais, né? Eu conheci Jorginho e Domênica num show [em 2004, em Itaquera, zona leste de São Paulo]. Fui saber disso lá, naquele show. Antes a gente tinha ido ver B.B. King em São Paulo. B.B. King esteve aqui, e a consulesa americana era amiga da minha mulher, e falou: “Olha, quero convidar os artistas brasileiros que estão aqui, o B.B. King vai se apresentar no consulado”. Aí nós fomos, eu, Jair Rodrigues, todos os artistas que estavam disponíveis em São Paulo. E Brown era pra ir, mas... ele não sai, não dá entrevista. Falei: “Não, nós vamos ver B.B. King no teatro, você vai comigo”. E ele foi. E o B.B. King aquele dia tava inspirado, tocou tudo, embora tivesse que tocar sentado um tempo. Mas ele tocou, rapaz... É um dos guitarristas que não têm nada ensaiado, não ensaia o solo dele, vai procurando a nota, você sente isso.
IGUAL ALGUÉM QUE A GENTE CONHECE...
[Ri, satisfeito.] Ele vai procurando, vai achando, vai achando, vai embora, aquela coisa maravilhosa.
E O QUE BROWN FALOU DO SHOW?
Ah, adorou. Ele é fã do Marvin Gaye, tem toda a coleção. Criou-se aquele mito de que o rap tinha que ser bandido, agora começou a mudar. No rap americano, hoje em dia, tá todo mundo chique, vestindo Giorgio Armani, todo mundo na estica... A poesia já está mais doce...
ACHA ISSO RUIM?
Não, muito bom, porque estava aquela poesia gângster que eles têm muito lá. É poesia doce no sentido de o cara não botar que vai matar o outro, o gangsta.
AQUI NÃO TEM TANTO A PARTE DA RIQUEZA, MAS OS RAPPERS TAMBÉM TÊM FALADO MENOS DE VIOLÊNCIA.
É, tem que sair. [A comilança acaba, Ben Jor se despede de sua corte improvável e mergulha na madrugada. Num dos bolsos, leva a gravata florida presenteada pela Trip.
Jorge Ben Jor nas estrêlas. Foto e arte: A. C. Barbieri