Barbieri - A voz da cena pesada do Brasil na Europa. Entrevista feita por Alexandre Quadros para o site Toca do Shark
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Antonio Celso Barbieri
A voz da cena pesada do Brasil na Europa!
Entrevista feita por Alexandre Quadros para o site Toca do Shark
Talvez a nova geração não saiba associar seu nome à pessoa, mas Celso Barbieri é um nome que ficou gravado no subconsciente de duas gerações de bangers brasileiros, a geração dos anos 80 porque o conheceram in-loco e frequentaram inúmeros shows organizados por ele e a geração dos anos 90 porque leram muito do que ele escreveu na cultuada revista Dynamite. Agora na segunda década do século XXI ele ressurge para a cena brasileira. Mesmo vivendo na Europa há quase 3 décadas, através da Internet e seu programa de rádio semanal "Barbieri Indica" na Rádio Rock Nation (que durou por dois anos) e de seu livro "Livro Negro do Rock" lançado em 2015. Nas linhas abaixo você ficará sabendo de muitas histórias, que nem imaginava, sobre ele e suas bandas prediletas dos anos 80, que passaram pelas suas mãos, além de conhecer mais a fundo suas façanhas, aqui e além-mar. Com vocês, a voz do Brasil na Europa, Antonio Celso Barbieri:
Toca do Shark: Como foi sua entrada no mundo do Rock?
Barbieri: Na minha adolescência, porque meu pai era ferroviário, morei em SP, dentro da estação de trem antiga Sorocabana no bairro da Barra Funda. Meu pai, na época, emprestou dinheiro para um companheiro de trabalho e como ele não pode pagar entregou uma vitrola como forma de pagamento. A vitrola, era uma enorme peça de mobília tipo armário com duas portas que quando abertas já continham dezenas e dezenas de compactos (vinil). Quase tudo era música para os “mais velhos” mas, no meio de todos estes compactos havia um da banda Credence Clearwater Revival contendo a música Suzie Q. Ouvi muito esta música. Logo fui na loja Museu do Disco e comprei, desta mesma banda, o álbum Bayou Country. Cabe lembrar que já conhecia os Beatles e a Jovem Guarda já estava acontecendo mas, nunca tinha ouvido algo assim “tão pesado”. Na sequência voltei na loja Museu do Disco e perguntei se tinham mais bandas assim pesadas e, então fui descobrindo Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath, Uriah Heep, etc… Logo descobri que o Brasil também tinha suas bandas como Os Mutantes, Som Nosso de Cada Dia, O Terço, O Peso, Made in Brazil, Terreno Baldio, Casa das Máquinas e por aí vai… Assisti muitos shows destas bandas e mais para frente pude trabalhar com a Patrulha do Espaço e com o Made in Brazil.
Este foi, vamos dizer, o meu ponto de partida, onde começou o meu envolvimento com o Rock.
Toca do Shark: Como e porque você resolveu se envolver mais no lado organizacional e estrutural da formação de uma cena?
Barbieri: Envolvi-me mais no lado organizacional e estrutural do Rock principalmente porque eu não sabia tocar um instrumento. Por incrível que pareça eu achava que as pessoas já nasciam com um dom musical. Eu não sabia que “música” era apenas mais uma linguagem como por exemplo “inglês” ou “francês”. Que, com dedicação e estudo, podemos aprender e dominar a coisa. É lógico que geneticamente podemos nascer com certas predisposições e qualidades fantásticas mas, a verdade é que todo mundo pode fazer arte, qualquer tipo de arte!
Por outro lado, trabalhei 13 anos num banco. Lá progredi e cheguei a Chefe de Divisão controlando uns 30 funcionários. Aprendi a lidar com a burocracia, escrever cartas e memorandos, usar terno e gravata se necessário e portanto, estava habilitado para lidar com a prefeitura, Secretarias de Cultura, organizações de cunho cultural e imprensa. Quando comecei trabalhar com bandas logo percebi que muitos músicos não tinham habilidades nem para vender a sua própria banda quanto mais para organizar shows. Bandas, geralmente eram competitivas e sem capacidade de organização.
Quando organizava um show, me sentia como um músico, parte da banda, tanto que sempre dividia a renda do show por igual com todo mundo.
Logotipo idealizado por Barbieri à partir de uma foto de Rob Halford.
Barbieri com dois dos seus lançamentos o álbum São Power e O Livro Negro do Rock. Foto: Claudio Alexandre Magalhães.
Toca do Shark: E a Devil Discos? Como surgiu sua parceria com o Chicão?
Barbieri: Não é muita gente que sabe mas, fui eu que lançou as primeiras camisetas de Rock no mercado. Logo várias lojas revendiam minhas camisetas! A Woodstock, a Punk Rock Discos e a Devil Discos, entre muitas outras lojas, eram meus revendedores. Portanto mantinha uma relação profissional e de amizade com todo mundo. Quando comecei produzir shows as lojas, principalmente as lojas das Grandes Galerias, hoje mais conhecida com Galeria do Rock, eram o meu ponto de encontro onde fazia os acordos de show com as bandas.
Chicão, o dono da Devil Discos era muito compreensivo e sempre permitia que eu usasse o telefone da loja para receber recados e mesmo para fazer ligações pois eu era um Produtor Cultural, sem escritório e sem dinheiro.
Uma publicidade feita pela Devil Discos.
Toca do Shark: Fale um pouco sobre os principais lançamentos, “Korzus ao Vivo” e “São Power”.
Barbieri: Logo percebi que que havia uma certa competição entre as lojas. A Baratos Afins era a loja de mais sucesso e agora também tinha virado gravadora. O Chicão da Devil Discos obviamente não escondia as suas ambições. Quando produzi o Projeto SP Metal no Teatro Lira Paulistana, sempre que possível gravei em fita K7, direto da mesa, os shows das bandas. No mesmo período produzi no SESC Pompéia um festival de muito sucesso chamado Metal, Rock & Cia com a participação de 19 bandas. Gravei tudo também direto da mesa. Meses haviam se passado e várias destas bandas já tinham terminado. Achei que seria muito legal lançar um álbum tipo histórico, documentando estas bandas que não tinham resistido a dura vida “on the road”. Dei o nome “São Power” para esta coletânea. Hoje este álbum é raro e está esgotado mas na época sua venda estava muito lenta e o Chicão comentou que se eu tivesse incluído uma música da banda Korzus, já teríamos vendido tudo. Expliquei para ele que as bandas do São Power já tinham acabado e o Korzus estava muito vivo! Propus então lançarmos um álbum ao vivo só do Korzus incluindo gravações do Teatro Lira Paulistana e SESC Pompéia. O álbum foi lançado e vendeu umas 6.000 cópias em poucos meses.
Toca do Shark: O quê te levou ao Reino Unido?
Barbieri: Na verdade eu não imaginava que iria parar em Londres. Um dia, em SP, um amigo que trabalhava num agência de viagens comentou que o Redson da banda punk Cólera tinha ido na sua agência comprar passagens para sua banda tocar na Europa. Os álbuns do Cólera tinham uma qualidade tão pobre quanto a dos álbuns que tinha produzido com o Chicão da Devil Discos. Pensei comigo, se o Redson pode então eu também! Fui no Chicão e perguntei para ele se ele poderia fazer um adiantamento da minha parte nas nossas produções. Chicão foi no caixa, tirou um cheque pré-datado emitido pelo Walcyr da Woodstock e disse: “...Walcyr acaba de comprar de uma vez, 1.000 cópias do álbum ‘Korzus ao Vivo’, vai lá na Woodstock e conversa com ele. Se o Walcyr pagar adiantado, o dinheiro é todo seu!” Fui no Walcyr e ele disse que tinha uma grana para receber na sexta-feira de manhã. Pediu para que eu voltasse na sexta à tarde. Eu fui e por sorte recebi! Minha gratidão para com Walcyr Chalas não tem limites!!!
Barbieri em Londres. Foto: Andrea Falcão.
Cheguei em Madrid em Abril de 1987. Como na época o Korzus cantava apenas em português, minha ideia era produzir shows na Espanha ou Portugal. Bom, todo roqueiro que encontrei em Madrid e Barcelona me disse que eu estava no lugar errado! Uma garota chegou a dizer que Londres estava escrito na minha testa! Então usei quase todo dinheiro que tinha (não era muito) e cheguei em Londres só com 40 libras no bolso. Acreditem foi duro. Vivi em casas invadidas (Squatters) e comi o pão que o Diabo amassou!!! Levou 5 anos para conseguir dominar a língua, estar no lugar certo e na hora certa para realizar um sonho que foi produzir em 1992 um show da banda Korzus no lendário The Marquee Club.
Toca do Shark: É verdade que, já estabelecido na Inglaterra várias bandas brasileiras continuaram a te procurar como se você representasse “uma porta de entrada na Europa”?
Barbieri: É verdade. Logo que me estabeleci em Londres, passei a ser UK Correspondente da Revista Dynamite. Através da revista o povo tomou conhecimento da minha presença em Londres e muita gente acabou batendo na minha porta. Sempre que pude, dentro das minhas possibilidades, ajudei todo mundo. Hospedei incontáveis números de bandas brasileiras vindas de várias partes do nosso país.
Toca do Shark: Chegou a trabalhar profissionalmente em algum selo na Europa?
Barbieri: Como UK Correspondente, tive muito contato com gravadoras. Na época, meus conatos mais importantes foram principalmente, com a Virgin, EMI e Sony. Como estas gravadoras, tinham muitas coligações com outras gravadoras e selos, recebi muitos convites para cobrir concertos. Vocês podem imaginar, receber mais de 10 CD’s pelo correio toda semana era maravilhoso. Entrevistei de Metallica a Blur passando por Radiohead e muitos outros. Cobri shows importantes como o primeiro concerto em Londres do Foo Fighters e a volta do Sex Pistols além de ter presenciado o lendário James Brown ao vivo. Ainda fui privilegiado em poder ter assistido aqui em Londres os shows de Judas Priest, Iggy Pop e a inesquecível Tina Turner, assim como Geroge Clinton (Parliament e Funkadelic) e Jorge Benjor em Cannes. É claro que também estive presente nos concertos memoráveis do nosso João Gordo e Ratos de Porão e do mundialmente famoso Sepultura. Mandei material de bandas para muitas gravadoras mas, nunca consegui realmente emplacar uma banda. As vezes por culpa da própria banda, outras por culpa das gravadoras e, as vezes porque, infelizmente, não era para ser.
Toca do Shark: Cite 5 bandas em que você apostaria todas as fichas naqueles anos 80 no Brasil se pudesse.
Barbieri: Korzus, Cérbero, Viper, Patrulha do Espaço e a Chave do Sol.
Toca do Shark: Atualmente você tem um livro no mercado, “O Livro Negro do Rock” e um programa no ar na web-radio Radio Rock Nation, o “Barbieri Indica”, fale mais sobre esses projetos.
Barbieri monstrando a capa do O Llivro Negro do Rock
Barbieri: Como tudo na vida, certas coisas acontecem no tempo certo. Acreditem, não planejo nada. Temos que aprender e “ver” e “aproveitar” o que nos é oferecido pelo destino. "O Livro Negro do Rock”, surgiu como resultado de uma pesquisa sobre a cidade de Santos e seu porto que foi um dos caminhos por onde o Rock entrou no Brasil. As boates no porto de Santos só tocavam Rock catando em inglês que era para atrair a clientela de marujos que chegavam nos navios. Quando entrevistei para esta pesquisa o Zhema líder da banda santista VULCANO descobri que ele era uma pessoa ligada ao oculto e que seguia os pensamento de um mago controverso chamado Aleister Crowley.
Barbieri com Zhema Rodero, lider da banda Vulcano, no dia do lançamento do Livro Negro do Rock.
Por outro lado, ao mesmo tempo queria escrever minhas memórias sobre os encontros esporádicos que tive com RAUL SEIXAS. Pesquisando sobre a sua Sociedade Alternativa descobri que ela era baseada também nas ideia de Aleister Crowley. Então naturalmente fui pesquisar Aleister Crowley e este mago me levou para BLACK SABBATH e LED ZEPPELIN… Bom uma coisa me levou a outra e quando vi estava escrevendo um livro sobre o oculto! Quando estive em São Paulo para lançamento do livro, de repente descobri que estava mais conhecido do que imaginava. Foi quando conheci Marcelo Santos que convidou-me para fazer um programa na rádio. A bem da verdade eu já tinha sido convidado para fazer um programa numa outra rádio mas a Radio Rock Nation tinha uma proposta diferente, sem comerciais, eu teria total autonomia para tocar o que quiser e falar o que quiser. Meu programa não teria interrupções e, principalmente a rádio tem como prioridade o Rock Nacional. (depois de dois anos nesta rádio, fazendo uma programa semanal, resolvi pedi um tempo para dedicar-me à outros projetos.)
A banda Korzus assim como muitas outras bndas brasileiras são citadas neste livro.
Nota da Toca do Shark: O programa Barbieri Indica não existe mais. Ele ia ao ar pela Radio Rock Nation toda quarta-feira das 19hs às 21hs.. O Livro Negro do Rock pode ser adiquirido pelo site 2bStar ou na Loja Woodstock Rock Store do lendário Walcyr Chalas no centro de São Paulo.
Toca do Shark: Com o lançamento dos projetos “Super Peso Brasil” e mais recentemente “Brasil Heavy Metal” (que, apesar de ter sido lançado mês passado, levou 8 anos pra ser concluído e permaneceu chamando atenção todo esse tempo), surgiu uma nova geração de olho nas bandas de 3 décadas atrás, as chamadas pioneiras, inclusive outros documentários saíram nesses moldes na última década, como o “Ruído das Minas” (sobre a cena de MG), “Botinada” mais voltado ao punk e “Woodstock – Mais que uma loja!”. Você acha saudável esse revival ou acha que essa nova leva de fãs deveriam se ater mais às novidades?
Barbieri: Um país sem história, não tem cultura! Não se pode construir um futuro melhor sem aprendermos as lições, com os erros e acertos cometido no passado. Lamentavelmente o Brasil deixa muito a desejar neste aspecto! Somos um país sem memória! A grande imprensa é surda, cega e muda. Existe uma diferença muito grande com relação a produção cultural (se é que podemos chamar de cultura o que vemos nas TV’s). A grande mídia não está preocupada em fazer uma pauta resultante de uma pesquisa mostrando o que realmente rola na cidade. A grande mídia geralmente inventa a pauta baseada em interesses econômicos próprios! Todos estes documentários e shows que você citou acima são o resultado de uma reação digna e corajosa de indivíduos que ouviram o clamor dos verdadeiros roqueiros brasileiros. Espero, de coração, que esta pressão contra o sistema continue porque é só assim que será possível mudar a consciência terceiro-mundista do roqueiro brasileiro que prefere pagar de R$400 a R$800 pelo ingresso de um show internacional do que uns meros R$20 para assistir o show de uma banda de Rock nacional. Esta atitude do roqueiro brasileiro é realmente vergonhosa!!!
Toca do Shark: Encerrando, indique 5 bandas novas brasileiras em que você apostaria todas suas fichas.
Barbieri: Desculpe-me mas recentemente ouvi tanta banda boa que seria desleal citar nomes! Só posso lhes dizer que o nível técnico das bandas novas está fenomenal. Percebo que, tem gente criando muita coisa inteligente, tomando riscos, copiando menos e realmente buscando por uma identidade própria. Estou realmente muito feliz e até surpreso com o nível do Rock brasileiro. Por outro lado, com raras exceções vejo que as bandas chamadas pioneiras, muito embora competentes, não conseguiram revitalizar o seu som e parecem viver nostalgicamente no passado.
Toca do Shark: Considerações finais.
Barbieri: Nos anos 80, as bandas conseguiram um certo sucesso porque fizeram parte de um “movimento”. Na parte que me toca, sempre fui contra “panelas” e sempre forcei as bandas que produzi a aceitarem bandas novas para abrirem o seus shows. No momento, acho que falta ainda muito para chegarmos naquele ponto de união novamente! Juro que fiquei estou muito feliz com o seu interesse no meu trabalho! Gostaria de lembrar que aqui em Londres eu fiz 4 coisas realmente importantes que poucos brasileiros (ou nenhum) fez:
1) Em 1992 produzi um show da banda Korzus no lendário The Marquee Club.
2) Cedi uma música de minha autoria para ser usada em um programa de TV chamado Panorama da BBC.
3) Gravei no Abbey Road Studios, no Studio II onde os Beatles gravaram quase todos os seus álbuns. Lá gravei um improviso tocando no mesmo piano de cauda que John Lennon tocou.
Barbieri gravando no Abbey Road Studios. Foto: Marcelo Alcantara.
4) Recentemente participei da gravação de um programa na Rádio BBC4.
Barbieri na BBC em 2016.
Outros lançamentos autorais de Barbieri:
Barbieri Agradece: Quero deixar aqui meus mais profundos agradecimentos ao caro Alexandre Quadros pelo respeito e amizade e solicitar que vocês leitores achem um tempo para checar o blog a Toca do Shark pois encontrarão lá muita coisa interessante! É só clicarem no link abaixo! Many Thanks!