Alberto Marsicano: Morre um dos introdutores da cítara indiana no Brasil
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Alberto Marsicano. Foto: Marcello Fim.
Morre Alberto Marsicano um dos introdutores da cítara indiana no Brasil
Conforme foi noticiado na Folha do site UOL, faleceu na manhã deste domingo, 18 de agosto de 2013, o músico paulistano Alberto Marsicano, na unidade Morumbi do Hospital São Luiz, em São Paulo.
Aprendiz de Ravi Shankar, Marsicano foi um dos introdutores da cítara indiana no Brasil. "Shankar incumbiu-me de levar a tradição da cítara indiana ao Brasil", disse Marsicano na ocasião da morte de Shankar, em 2012. De acordo com um amigo da família, o músico teria sido vítima de um forte ataque de asma e estava internado desde a segunda-feira (12). Marsicano nasceu em São Paulo e tinha 51 anos.
Alberto Marsicano foi Graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, introdutor do sitar clássico no Brasil, é discípulo de Ravi Shankar. Gravou 7 CDs no Brasil e exterior sendo o último pela Sonic Wave indicado ao 49Th Grammy (USA). Recebeu o Independence Day Award do governo indiano em reconhecimento ao trabalho de divulgação da música e da cultura indiana no Brasil. Escreveu o livro A Música Clássica da Índia Ed. Perspectiva Col. Signos.
Abaixo segue artigo aqui publicado quando soubemos da morte de Ravi Shankar. Assim como na época, em respeito à Shankar tocamos o Concerto para Bangladesh, também aqui, achamos que esta gravação seja um tributo justo para o querido Alberto Marsicano, um músico de extrema competência que merecia ser mais conhecido!
Antonio Celso Barbieri
MARSICANO TRIO AO VIVO INTERPRETANDO KASHMIR (LED ZEPPELIN)
MARSICANO TRIO INTERPRETA IRON MAN (BLACK SABBATH)
Alberto Marsicano
Abaixo segue um texto escrito por Alberto Marsicano para a FOLHA DE SÃO PAULO (Ilustrada)
Londres década de setenta. O vento de outono farfalhava as folhas das árvores. Em circulo, sentados em lótus no chão, seguíamos atentos a preleção de Pandit Ravi Shankar. A certo momento, o mestre levou-nos até a janela e exclamou: "Ouçam o vento!" Voltamos à sala de aula e Shankar em sua voz pausada e mântrica pontuou: "Agora toquem o vento!" Ravi Shankar com quem tive o privilégio de compartilhar inesquecíveis momentos, foi o bodhidharma, o portador da lanterna, trazendo a tradição milenar da música clássica indiana ao ocidente. Sua influencia não limitou-se a um pequeno círculo de iniciados, mas atingiu os mass-media através de seus discípulos como o beatle George Harrison. O sistema milenar da musica hindusthani, não escrito e centrado na improvisação, exerceu forte influncia no jazz. John Coltrane,jamais negou que criara seu jazz livre modal e dissonante inspirado em Shankar. O grande músico chegou até a colocar o nom Ravi em seu filho. No campo da música erudita seu trabalho com o violinista Yehudi Menuhin uniu os dois hemisférios em discos antológico com o o Oriente encontra o Ocidente. Shankar incumbiu-me de levar a tradição da cítara indiana (sitar) ao Brasil e posteriormente voltei a encontrar-me com ele em sua cidade natal Varanasi, onde fundara o RIMPA (Centro de Pesquisas Artísticas) cujo projeto consistia em criar um núcleo avançado de estudos da arte indiana. Shankar não apenas mudou minha vida mas a música contemporânea. George Harisson que também frequentava suas preleções, certa vez declarou que Shankar apontara-lhe a dimensão espiritual da música, transfomando e elevando o padrão vibracional de sua música. Shankar não apenas passou-nos as escalas e ciclo ritmicos sagrados, mas além disso impregnou-nos de sua força e poder espiritual. Experimentalista e não ortodoxo, abençoou minhas transcrições da música brasileira e autores clássicos como Debussy, Satie e Ravel para a cítara indiana. Jamais esquecerei sua expressão de interesse quando mostrei-lhe minhas versões de Asa Branca e Estrada do Sol de Antonio Carlos Jobim na cítara. Os clarões dilacerados da aurora reverberavam sobre os templos de Varanasi, a cidade sagrada do rio Ganges. Imerso no profundo silêncio,pontuado apenas pelos pássaros e mantras distantes, Ravi Shankar começa a dedilhar sua cítara encantada. O termo raga (peças clássicas) provém do sânscrito ranja que significa côr. Segundo a tradição, as notas possuem cores; dó rubro da pétala do lótus;ré, verde da pna do papagaio; mi, dourado do sol; fa, branco da flor do jarmim; sol, negro da ágata; lá,amarelo brilhante; e si, multicor. O sol ergue-se sobre o Ganges e Shankar inicia o solene raga Bhairavi. vislumbra-se no céu o amarelo, o o laranja e uns púrpuras fazendo backing vocal. Reverberando a aurora, a música das esferas estremece os templos milenares. |
Ravi Shankar: Foto: David Bebber.
Ravi Shankar
O mundo despede-se do grande músico responsável
pela popularização, nos anos 60, da música indiana.
Faleceu nesta terça-feira passada (11/12/2012), na Califórnia, depois de uma cirurgia, o grande músico Ravi Shankar. Ele tinha 92 anos. Shankar foi um músico revolucionário cuja virtuosidade tocando a cítara indiana levou-o ao estrelato e inspirou culturas através do globo, influenciando músicos em todas as áreas.
Seu falecimento foi sentido no mundo todo. Peter Gabriel disse que Shankar “inspirou músicos fazendo-os olharem mais além da sua própria cultura” enquanto que Sir George Martin, o produtor dos Beatles, disse que Shankar foi um inspirado professor dos “complexos ritmos e tonalidades da música indiana”.
Na Índia, sua terra natal, o parlamento ficou em silêncio. O Primeiro Ministro Manmohan Singh disse que o seu país perdeu um dos seus filhos mais famosos enquanto que o mundo da cítara perdeu um dos seus maiores expoentes. Na Inglaterra, ele será para sempre lembrado por ter introduzido a cítara para as bandas pop dos anos 60.
George Harrison estudando com Ravi Shankar.
Foi um álbum de Ravi Shankar que Roger McGuin, músico da banda Byrds levou durante a sua primeira maior tournée em 1965 que, no final, acabou inspirando o clima de improvisação meio raga indiano do seu primeiro compacto Eight Miles High. “Nos tocávamos este álbum constantemente” confirma McGuin. “Quando voltamos para Los Angeles, Eight Miles High estava quase sendo lançado.
George Harrison com Ravi Shankar.
Foi o mesmo McGuin que, em 1965, uma noite em Los Angeles enquanto dividia uma banheira com George Harrison, John Lennon e David Crosby, apresentou Shankar para os Beatles. Este começo, levou George Harrison à comprar uma cítara e aprender o suficiente para tocar a melodia da música Norwegian Wood (This Bird Has Flown) para depois, em 1966, ir passar seis semanas em Srinagar em Kashimir estudando com o próprio Shankar.
George Harrison com Ravi Shankar.
“Todos os 4 vieram!” Falou Shankar à respeito da viagem dos Beatles à Índia. “Todos foram muito doces mas George era muito especial. Ele me cercava e perguntava à respeito da relação entre espiritualidade e música assim como, religião e música. Ele encontrou-se comigo algumas vezes e, então eu comecei ensina-lo e esta noticia acabou espalhando-se pelo mundo todo.”
Este encontro, resultou em Shankar apresentando-se em 1967, no hoje lendário Monterey Pop Festival , um evento que ele recorda-se com carinho apesar de, na época, ele ter se recusado à tocar depois de ver o guitarrista Pete Toushand da banda The Who destruir sua guitarra e Jimi Hendrix por fogo na sua Fender. Em 1969, ele não ficou muito impressionado com Woodstock. “Neste período foi somente drogas e loucura selvagem”. Foi seu comentário à respeito do movimento hippie que o abraçou como símbolo da espiritualidade indiana e alto nível de consciência. Shankar também não gostava da fama que estas apresentações lhe trouxeram. “Tornei-me um tipo de pop star! Todo lugar que eu ia era reconhecido! Eu não gostava nada disto!
Na Índia, onde a forma clássica toma uma significância sagrada, a associação de Shankar com os Beatles em princípio não foi bem-vinda. “Muitos na Índia ficaram sentidos porque achavam que minha música estava ficando pop. Tinha gente pensando que eu transformei-me no quinto Beatle. Mas eu mantive minha música como ela era!” Desabafou Shankar em uma entrevista para um jornal o ano passado.
Enquanto a música clássica ocidental é escrita, a música clássica indiana é improvisada dentro de sequencias chamadas “ragas”.
O que fez sua música única foi que “ele tocava rigidamente dentro da tradição clássica mas experimentou dentro de outros parâmetros. Esta foi sua genialidade, nunca comprometer a forma mas sendo inovador. Ele se expressava dentro das nuances das escalas”. Fala Sanjay Guha, um importante músico de cítara que estudou com Shankar.
Shankar nasceu em Varanasi, a mais sagrada cidade da Índia e um centro de aprendizagem do Hinduísmo. Ele passou sua infância com o grupo de dança do seu irmão mais velho Uday Shankar em tournée pela Europa e Índia e, foi bem jovem, com 18 anos que ele abandou a dança para estudar cítara com o músico Alluaddin Khan.
Ele acabou escrevendo música para os filmes do diretor Bengali chamado Satyajit Ray, com destaque para o filme Pather Panchali (1955) onde Shankar pegou a melodia de uma música folclórica Rajasthani e aplicou à ela escalas de Begali. O resultado foi uma música diferente, uma peça de música elegante, ao mesmo tempo misteriosa e popular. Esta música colocou Shankar no mapa mundial com consequente tournées pela Europa e América, oferecendo às audiências ocidentais um caminho para uma tradição musical muito diferente do que elas estavam acostumadas.
A capa do álbum The Concert for Bangladesh autografada.
Foi em 1971, no Madison Square Garden em Nova York durante o Concerto para Bangladesh organizado por George Harrison e Ravi Shankar que o músico percebeu como era grande o desconhecimento da música indiana para as plateias ocidentais. “Nós passamos alguns minutos afinando os instrumentos e a plateia começou nos aplaudir!” Ele recorda. “Eu disse: Se vocês gostaram disto então definitivamente gostarão do concerto!”
As filhas: Anouska Shankar e Norah Jones
Shankar trabalhou com Yehudi Menuhin, Zubin Mehta, André Previn e Phillip Glass e seu legado continua hoje através da cítara tocada pela sua filha Anouska Shankar. Além disto, Shakar também é o pai de Norah Jones, nascida no Texas, uma cantora de jazz famosa mundialmente. Aliás, para poder estar presente no funeral, Norah Jones foi obrigada à cancelar a sua apresentação brasileira. “Nos anos 60 e 70 as comunidades da Índia podem ter achado que Ravi Shankar estava errado em tocar fora do país mas, agora, graças à Shankar, os músicos indianos podem tocar no mundo todo. Tudo que ele fez e tudo o que ele conseguiu hoje é aceito!” Conclui Sanjay Guha que foi convidado por Shankar à ensinar cítara no Indian Institute for Art & Culture em Londres com o objetivo de garantir a continuação do ensino deste instrumento ancestral, a cítara. A música oriental e o Brasil No Brasil, três nomes são os grandes responsáveis pela popularização da música indiana: Hans-Joachim Koellreutter, Sergio Dias Baptista e Alberto Marsicano. Hans-Joachim Koellreutter O compositor, maestro e professor Hans-Joachim Koellreutter foi um gênio alemão que chegou no Brasil fugindo do nazismo. Ele é considerado o pai da música moderna no nosso país. Ele enfrentou todo tipo de oposição da escola clássica convencional e ainda hoje divide radicalmente as opiniões no território da música clássica. Seu grande legado foi como professor onde inspirou uma pequena legião de músicos e seguidores. Passou anos na Índia como adido cultural. Koellreuter tinha um amor e respeito muito grande pela música indiana, suas ragas e sua micro tonalidade. |
Hans-Joachim Koellreutter |
Sergio Dias Baptista
Sergio Dias Baptista
O genial guitarrista Sergio Dias Baptista, famoso por ser um dos integrantes da lendária banda Mutantes, possivelmente foi o primeiro músico brasileiro à subir no palco e tocar uma cítara.
É o próprio Sergio quem fala: “Nos anos 60 fui convidado por Ravi Shankar para estudar na sua escola na Índia mas, estava muito ocupado com os Mutantes e acabei não indo. Eu poderia ter me encontrado com George Harrison e todo mundo. Eu primeiramente encontrei-me com Shankar em São Paulo. Ele tinha vindo para dar um concerto. Graças à Deus, minha mãe foi uma grande pianista e ela tinha acesso ao Teatro Municipal, local que ela já tinha tocado. Então eu fui lá atrás do palco e, quando tive a oportunidade, fui direto no assunto: “Escute, eu preciso aprender tocar este instrumento!” Ele olhou para mim e pediu que eu me encontrasse com ele no hotel, no outro dia às duas da tarde. Então, quando cheguei no hotel, lá já estavam um monte de jornalistas. Ele mandou-os todos embora dizendo: “Perdoem-me mas eu tenho que dar uma aula para este rapaz.” Então, ele começou ensinar-me ali mesmo. Eu tinha trazido minha guitarra de 12 cordas e toquei um montão para ele. Depois que ele se foi continuamos nos correspondendo. Depois ele me mandou seu livro e uma cítara.”
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Lembranças do Barbieri Lembro-me vagamente da banda Mutantes apresentando-se no Teatro Bandeirantes que ficava na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio. Recordo-me do momento em que a banda com Sergio na cítara e o baterista na tabla executaram uma raga. Lembro-me do cheiro de incenso e do clima espiritual. Definitivamente Sergio ganharia a sua aura como sendo um músico com um certo misticismo e não foi nenhuma surpresa vê-lo quando já solo, no comando da banda Mutantes caminhar para o território da música progressiva que culminaria com lançamento do álbum Tudo Foi Feito Pelo Sol. Na verdade, a primeira vez que ouvi a música oriental foi atravéz do álbum produzido por Brian Jones, o falecido guitarrista da banda Rolling Stones. Ele era também um músico talentoso, de mente aberta, sempre buscando por novas sonoridades. Brian produziu o álbum Brian Jones Presents the Pipes of Pan at Joujouka. O álbum consistia na gravação de um grupo marroquino chamado Master Musicians of Joujouka numa apresentação ao vivo em 68. Perdi a conta de quantas vezes "viajei" ao som do lado dois deste vinil que, continha apenas uma faixa. Era perfeita para meditação. Só para terminar, gostaria de lembrar este episódio acontecido com Marco Antonio Mallagoli responsável pelo fã clube Revolution. Ele me contou que, teve a rara honra de passar uma tarde com George Harrison em Los Angeles. Conversa vai conversa vem, o telefone tocou e George atendeu. Era Ravi Shankar. No meio da conversa ele disse que estava com um amigo e falou seu nome. Então ele virou-se para Marco e disse: "O Ravi esta mandando um abraço a você". Marco como se fosse um velho amigo e intimo deles, disse: "Mande outro para ele". Durante o telefonema, George combinou de ir ao show que Shankar iria fazer naquela noite em Los Angeles. |