Lanny Gordin: Uma lenda da guitarra no Brasil!
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Lanny Gordin: Uma lenda da guitarra no Brasil!
Lanny Gordin: Sr. Musicalidade!
Escrito por Henrique Inglez de Souza
Chinês de nascença (Xangai), brasileiro de uma vida inteira e músico desde sempre. Talvez esse seja o melhor ponto de partida para se falar de Lanny Gordin. O sujeito de figura simples e doçura no olhar costuma surpreender até mesmo quem o conhece há décadas. A razão está no jeito como toca sua guitarra. São fraseados saídos de uma nítida manifestação do capricho dos anjos.
Distante da vaidade e de todos os apetrechos fúteis normalmente incorporados por artistas consagrados, este cara esbanja apenas musicalidade – e da boa! Carrega um vasto mundo de melodias, harmonias, notas improváveis e soluções cativantes. Suas performances são uma reverência ao bom gosto e à paz de espírito.
Na estrada desde a segunda metade dos anos 1960, Lanny é um de nossos melhores e mais importantes guitarristas. Trabalhou com diversos dos chamados monstros da MPB, entre eles Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Hermeto Pascoal, Elis Regina e Jards Macalé. Sua marca está impressa nos primórdios dessa turma toda, em discos clássicos.
Misturando o rock ácido de Jimi Hendrix ao jazz norte-americano e ritmos brasileiros, ele construiu uma trilha genuinamente sua. Qualquer um que se diz amante de música deveria ouvi-lo com atenção e vê-lo tocar ao vivo, pelo menos, uma vez. É fazer com que corpo e alma testemunhem inspiração em estado bruto.
Nos anos 2000, depois de trabalhos com outros artistas e cerca de duas décadas enfrentando os altos e baixos da vida, Lanny foi resgatado pelo lendário produtor Luiz Calanca (Baratos Afins). O resultado veio na forma de seu primeiro álbum solo, homônimo de 2001. Desde então, o guitarrista passou a explorar uma sonoridade de cores mais tranquilas e sotaque jazzy.
Sua obra ganhou novos registros: Projeto Alfa (2004, volumes 1 e 2), o excelente Lanny Duos (2007, com participações especiais de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Edgard Scandurra, entre outros) e Auto-Hipnose (2010, junto com a banda Kaoll).
Lanny Gordin é um patrimônio do povo brasileiro. Uma lenda à disposição do prestígio que devemos a ele. Num país em que a memória cultural costuma agonizar com o tempo, saber que ainda podemos assistir a um mestre genial de perto é mais que um alívio prazeroso. É um privilégio. Experimente você!
Henrique Inglez de Souza
Lanny Gordin no finalzinho dos anos 60 ou princípio dos anos 70.
Vivendo de Guitarra
escrito por Kleber K. Shima para a revista Guitar Class
Kleber: "Lanny, conte-nos como foi a sua infância."
Lanny: "Eu cheguei ao Brasil com 6 anos de idade. Nasci na China, mas também vivi em Telaviv, Israel, até chegar em São Paulo. Quando eu tinha 13 anos de idade, meu pai, que também é músico, me deu um violão, e comecei a estudar. Eu ouvia todos os guitarristas do jazz antigo. Mas a minha maior escola mesmo foi o Stardust, que era a boate do meu pai, onde eu toquei durante 15 anos."
Kleber: "Qual foi o seu primeiro grande show?"
Lanny: "Foi pra acompanhar a cantora Vanderléia, que estava começando a fazer sucesso. Eu me lembro de ter ligado o amplificador no volume 10, pois queria aparecer. Eu sei que toquei mais alto que todo mundo. O dono do lugar chegou e disse: "Pelo amor de Deus, manda o garoto da guitarra abaixar o volume!" :-) No dia seguinte, recebi meu cachê e o tecladista disse que eu estava fora da banda por causa do barulho. Voltei pro Stardust, mas lá meu pai não deixava eu tocar alto, e tinha que obedecer."
Kleber: "Fale mais sobre o Stardust."
Lanny: "Hermeto Pascoal, Heraldo do Monte, Jair Rodrigues, já tocaram lá. Hermeto tocou no Stardust durante 10 anos. Ele veio lá de Canoa da Lagoa, em Alagoas, e o Stardust foi a primeira casa a dar emprego a ele. Era uma boate de elite, aonde só iam personalidades. Bob Kennedy, quando vinha para o Brasil, freqüentava o Stardust durante os períodos de lazer."
Kleber: "Como você entrou no movimento da Tropicália?"
Lanny: "Foi em 1966. Eu tinha uns amigos roqueiros, que me falaram que havia um guitarrista que morava na Pompéia (bairro paulista), e que tinha uma técnica impressionante. Um dia eu fui assistir a um show dele. Era Sergio Dias, que tocava na banda Six Sided Rockers, com Rita Lee nos vocais e Arnaldo Baptista (irmão de Sergio Dias) no baixo. Me apresentaram Serginho, e ele disse pra eu ir à casa dele. Quando ele me viu tocar, ficou impressionado com os meus acordes. Eu era forte na harmonia, e ele era forte no solo. Depois Serginho me apresentou Beat Boys, que era a banda que acompanhava o pessoal da Tropicália, como Caetano, Gal, Gil, etc. O percussionista deles falou: "Lanny, vamos pra casa do Gilberto Gil, que ele quer te conhecer." Naquela época eu já estava mais "manero", menos barulhento. :-) Ele morava na Av. São Luís (centro de São Paulo) e tinha um apartamento lindo, cabelo black power e tudo mais. Ele disse que já tinha ouvido falar de mim e adorou o meu estilo. Começamos a fazer arranjos juntos e, na hora de gravar, Gil falava: "Entra no estúdio, se vira lá que o playback já vai estar rolando." Gravei também com Caetano, mas o Disco Branco foi gravado na Bahia e o playback veio pra São Paulo, onde eu coloquei as guitarras."
Kleber: "Com quem mais você gravou?"
Lanny: "Com Rita Lee, Tim Maia, Jair Rodrigues, Hermeto Pascoal, Brazilian Octopus, Erasmo Carlos, Eduardo Ara-újo, Gal Costa e Elis Regina - que me chamava de "Lanny Ray-O-Vac". Na época eu ganhava uma tabela especial, que era mais do que os outros músicos. Eu era muito requisitado por causa do meu jeito de tocar, que era muito original. Para os leigos, o Lanny Gordin era o melhor guitarrista do Brasil, mas para os músicos acima do meu nível, nem tanto."
Kleber: "Quem você considerava acima do seu nível?"
Lanny: "Na época, quem me criticou foi o João Gilberto, num programa de televisão, em que ele dizia: “Esse rapazinho não ouve os outros instrumentos, fica só tocando um monte de acordes, tem de aprender muito...". Eu abaixei a cabeça e não disse nada, pois no fundo eu sabia que era a pura verdade, e pensei: "O João Gilberto fala a minha língua."
Kleber: "Teve uma fase na sua vida em que você ficou sumido, e pouca gente ficou sabendo o que aconteceu. Você poderia nos contar como foi esse período?"
Lanny: "Em 1970, estava numa temporada com Gal Gosta, era o “Gal a todo vapor”, no Rio de Janeiro, e o empresário do Jair Rodrigues me chamou pra tocar na Europa, em Paris, junto com os Originais do Samba. Aí liguei pro Pepeu Gomes e ele terminou a temporada para mim. Fomos para Estocolmo, Amsterdã, Lisboa e Paris. Depois disso, Jair e sua trupe voltaram pro Brasil, e eu e minha namorada fomos pra Londres. Nós fomos para um apartamento do tio dela. Como eu tinha 20 anos e não conhecia nada da vida, perguntei o que era aquela barra branca. Era ácido lisérgico, ou LSD. Eu fiquei curioso, pois nunca tinha experimentado. Quando tomei e bateu o efeito, ficou tudo colorido, que nem esses filmes da Branca de Neve. Eu pensei: “Pô, eu morri e estou no paraíso, no nirvana.” Aí eu vi meu violão, e me falaram: “Toca Lanny”. Peguei o violão e com muita força consegui tocar, e me lembro perfeitamente do acorde que toquei (Lanny pega um violão e toca um acorde Am7). O som que saiu foi incrível, um som de amor mesmo pela música, um som purinho. Depois de quatro ou cinco horas, quando estava passando o efeito, me deram marijuana para acalmar e ter uma viagem perfeita. Aí eu pensei. “Pô, amanhã, quando eu acordar, eu vou ver o sol do nirvana. Eu vou dormir então, e seja o que Deus quiser". No dia seguinte, quando acordei, vi que tinha voltado pro mundo real, esse mundo ingrato, coisas de adolescente... Hoje eu penso o contrário, você é que faz a sua própria realidade, que é o universo de cada um."
Kleber: "Quantas vezes você tomou essa droga?"
Lanny: "Eu tomei sete ácidos, só que um era falsificado, então na verdade foram seis, todos eles num intervalo de seis meses, mas nenhum tinha a mesma qualidade do ácido europeu. Mas as viagens eram diferentes da primeira. Há livros especializados nesse assunto, como As Portas da Percepção, Admirável Mundo Novo (ambos escritos por Albert Huxley), etc. A minha última viagem foi quando eu tomei um ácido preto, que teve um efeito contrário dos primeiros, e foi completamente apavorante.
Kleber: "Você poderia descrever como foi essa experiência?"
Lanny: "Teve um aspecto de inferno do ácido, pois você tem o aspecto de céu e o de inferno. As visões que eu tive foram distorcidas, foi muito ruim, horrível mesmo. Eu estava apavorado. Queria entrar no mundo do primeiro ácido, mas em vão. Eu tinha uma guitarra que era de estimação, uma Giannini Super Sonic 61, e eu queria pegá-la, mas não conseguia. Um amigo que estava comigo chorava e fumava um beck, até que eu desmaiei. Essa foi a última e pior experiência que eu tive. Mas depois de um tempo fiquei pensando: “Será que esse mundo existe? Eu quero voltar pra esse mundo, mas será que é só através do ácido? Mas o ácido é uma droga...” Aí eu pensei que de acordo com o conhecimento divino, tudo tem uma explicação verdadeira, clara e simples. Mas esse conhecimento eu não tenho. Existem livros orientais especializados, de filosofia oriental, indiana e budista, que explicam isso. Eles conseguem, através de 30, 40 anos de meditação, o efeito do ácido, mas sem a droga. Esse estado nirvânico os budistas e yogas conseguem a hora que eles quiserem. Eu entrei em um profundo processo espiritual e psicológico, e depois em um estado de piração. Andava na rua como se fosse Jesus Cristo, todo mundo me chamava de louco. Eu queimava minhas mãos e os pés com o cigarro, numa espécie de autoflagelação."
Kleber: "Então, na sua concepção, você acha que existe uma linha tênue que separa o efeito da droga e o estado de espírito alcançado pelas meditações?"
Lanny: "Sim, mas o ácido é um alucinógeno que aflora outras tendências que podem estar escondidas dentro de você, e que podem te prejudicar. Desde criança eu tinha uma tendência a desenvolver a esquizofrenia, e a droga colocou tudo pra fora. Fui internado quatro vezes no sanatório Bela Vista, tomei choque elétrico, insulina e coquetéis de remédios. O efeito colateral das drogas colocou meus desejos, anseios e traumas pra fora, e eu dei muita bandeira, fiquei completamente débil mental, não falava nada, só queria tocar. Quando meu pai me visitava lá, ele tirava sarro da minha cara, dizendo: "Há! Olha o Lanny amarrado lá. Tá vendo o que você fez? Agora agüenta!" :-) Hoje meu médico me proíbe de usar drogas, e a esquizofrenia está sob controle."
Kleber: "Mas como você foi parar lá?"
Lanny: "Meu próprio pai me internou. Eu tinha uns 25 anos, e morava com ele."
Kleber: "E você parou de tocar?"
Lanny: "Depois que voltei pro Brasil, no meio da loucura, gravei o disco Expresso 2222, do Gilberto Gil, toquei com Jards Macalé e com o Eduardo Araújo, mas eu não era mais o mesmo. Alguma coisa tinha mudado em mim. Era a minha alma, que estava em processo de ativação, de transcendentalismo. Depois de um tempo fiquei tocando só no Stardust, onde trabalhei até o último dia. O bar fechou há 10 anos, por problemas financeiros, mas meu pai achou que já tinha cumprido a sua missão."
Kleber: "Quando você passou por essas dificuldades, teve apoio dos artistas?"
Lanny: "Eles ficaram preocupados. Uma vez roubaram a minha guitarra, uma Gibson Les Paul preta. Lulu Santos ficou sabendo e me deu uma guitarra de presente, que acabei dando para o meu irmão, que mora nos EUA e é fã de Lulu. Chico Cesar fez uma música em minha homenagem. Eu também ganhei uma guitarra dele, que uso até hoje."
Kleber: "Atualmente, o que você está fazendo?"
Lanny: "Depois que o Stardust fechou, fiquei na obscuridade por alguns anos, até que um dia um dos meus empresários disse: "Lanny, você tem de voltar! Não dá mais pra continuar desse jeito!" Eu também queria cumprir a missão com o meu público, que deve ser em torno de 10 mil pessoas ou mais. Aí Luís Calanca, da Baratos Afins, falou que eu se não gravasse um CD ele quebrava a minha cara :-) Nesse meu primeiro trabalho, toquei todos os instrumentos. Ele financiou tudo, e gravamos no próprio estúdio do Calanca. Estou tocando na noite em barzinhos, onde tem todos os tipos de músicos, bons, ruins, e músicos que começaram na época em que eu estava no auge. Eu também toco no projeto Alpha e dou aulas particulares em domicílio, pelas quais cobro R$ 30,00 por aula."
Kleber: "Depois de tudo o que você passou, qual é a sua opinião em relação às drogas?"
Lanny: "Na verdade, eu não me arrependo de nada do que fiz, mas para a geração de hoje - afinal, os tempos são outros -, acho que os filhos têm de conversar com seus pais, perguntar a eles, pois eles sabem de tudo. Para quem é independente, que cada um assuma suas próprias responsabilidades. No meu caso, apesar de tudo, acho que é uma história diferente, e bem original, você não acha? :-)
Kleber K. Shima
Barbieri Recorda:
À quase 30 anos atrás, minha amiga Enny Parejo, convidou-me para acompanha-la à um show de um amigo dela chamado George que, iria apresentar-se em numa boate, para mim, até então desconhecida, chamada Stardust que ficava situada dentro do Shopping Center Eldorado, na época, um dos shopping centers mais luxuosos de São Paulo.
George era um tipo físico, alto, másculo, de muito boa aparência. Ele era um bailarino e como consequência tinha um corpo perfeito, de dar inveja. Como nada é perfeito, infelizmente ele possuia um ego tão exacerbado que ofuscava até a sua própria capacidade de julgar à si mesmo. Volta e meia, ele fazia papéis ridículos que envergonhavam até os amigos que estavam à seu lado. George tinha um talento incrível tanto na dança como na voz mas, seu ego avassalador destruia qualquer possibilidade séria dele seguir uma carreira artistica. George era uma boa pessoa mas, como acontece em muitos casos, seu homosexualismo somado à sua rebeldia e eventual uso de drogas tornava a sua personalidade dificil de tolerar. Ele não era nada discreto, era barulhento em público e, de vez enquando até muito chato.
Apesar de tudo, percebia-se que George era um ser humano, sensível e rebelde, travando uma luta constante com ele mesmo e, seu talento e força de vontade eram inegáveis. Tanto é que perdi a conta de quantas aulas gratuitas de canto minha amiga Enny Parejo lhe deu. Sempre que George marcava algum show, lá vinha ele correndo na casa dela pedir ajuda!
Já no Stardust, quando chegou a vez de George apresentar-se, já era tarde da noite e haviam talvez apenas uma três mesas ocupadas por casais pouco interessados no que estava acontecendo no palco. Se me recordo bem, George fez um tipo de cabaré onde ele cantava, recitava algumas poesias e dançava. Foi alguma coisa mais ou menos na linha da Liza Mennelli, com música gravada tocando em playback :-) Tudo muito gay para o meu gosto!
Durante seu show, um homem magro, meio tímido e inseguro, educadamente aproximou-se e pediu-nos que ficassemos até o fim para, depois do show do George assistir também o show dele. Esta pessoa era Lanny Gordin.
Bom, a verdade é que, George com seu show conseguiu diminuir ainda mais a platéia. Quando chegou a vez do Lanny tocar, a casa estava quase vazia, eram quase uma da manhã e, seu show acompanhado no palco apenas pela sua guitarra e um amplicador, fazendo solos e improvisações, para mim, não representou nada muito excitante. Tudo pareceu muito decadente, precário e improvisado… Foi tudo muito surreal! Lanny estava no lugar errado tocando para o público errado! Como acontece sempre, mais uma das tantas injustiças do destino! É por isso, que fico feliz em saber que Lanny está por aí, na ativa, tocando e fazendo o que gosta!
Antonio Celso Barbieri
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