Kreed (Dredge)
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A história desta banda contém também um pouco da história dos bastidores da indústria fonográfica inglesa como foi vivida pelo Barbieri. Espero que os músicos brasileiros se beneficiem de alguma forma com esta informação.
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Fabio definitivamente era o mais louco do grupo. Tomava “todas” antes e depois do show e deixava os outros três músicos sempre com os cabelos em pé pois eles nunca sabiam o que poderia acontecer durante a apresentação. Para mim, a pessoa mais difícil de trabalhar era o guitarrista Manny. Se eu o congratulasse depois do show ele respondia, de mal humor, que eu estava sendo paternalista e que tinha plena consciência que sua apresentação tinha sido muito ruim.
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Se eu, por outro lado, fizesse um comentário sobre os problemas que ele teve com, por exemplo, o cabo da guitarra, ele acusava-me de racismo. Dizia que eu estava criticando-o só porque ele era negro. Quer dizer, logo passamos a nos ignorar o tempo todo.
A banda muito embora fosse quase um clone do Rage Against the Machine, era muito boa. O som era poderoso e brutal. Certa vez, um crítico inglês publicou numa revista que o Kreed com seu vocalista cantando com forte sotaque Cockney lembrava um Sex Pistols pesadíssimo o que dava uma característica toda inglesa para a banda. |
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Eu convenci o pessoal da banda que o caminho à seguir seria gravar quatro músicas com Paul Johnston no Rhythm Studios (clique aqui) que fica perto da cidade de Bidford no interior da Inglaterra.
Eu tinha conhecido Paul através da banda Dorsal Atlântica que gravou com ele o álbum Straight. Mais tarde, também levei a banda Prime Mover de São Paulo para gravar com ele. Paul tinha muita experiência tendo gravado centenas de bandas incluindo GBH, Cathedral e Napalm Death. Seu equipamento era todo analógico e ele era famoso por gravar capturando o som de uma forma bem natural que soava quase ao vivo e com uma qualidade muito boa. Passamos um fim de semana hospedados num hotel próximo ao estúdio e voltamos para Londres com um “single” contendo quatro faixas poderosas. |
O vocalista mandou imprimir 50 CDRs e bem ao estilo do Rage Against the Machine, escolheram uma foto branco e preta antiga, de um garotinho segurando uma granada, Na época eu trabalhava com correspondente internacional para a revista Dynamite. Eu tinha sido incumbido de cobrir o MIDEM que é um encontro mundial de gravadoras que acontece todo ano em Canes na França. A data estava aproximando-se e eu preparei um pacote para tentar vender o Kreed para alguma gravadora. Geralmente, no primeiro dia da feira, é um corre-corre para marcar hora para os encontros de negócios. Fique feliz se conseguir uns 10 minutos com um A & R (Artist & Repertoire) de uma gravadora grande. |
Kreed Single (verso) |
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Aliás, muitas gravadoras grandes não estão interessadas nos produtos (artistas) de ninguém, elas só querem vender ou licenciar seus produtos. Algumas gravadoras até colocam placas nos seus estandes dizendo “Não Compramos”.
Um estande enorme de uma gravadora Japonesa colocou uma placa dizendo “Compramos” e, sempre havia uma fila enorme de gente com seus materiais na mão. Eu também entrei na fila. Mais de 10 japoneses jovens usando camisa branca, terno e gravata azul-marinho alinhavam-se no balcão. Cada um munido de um simples CD player e um fonezinho de ouvido normal. Eu entreguei o CD do Kreed na mão de um rapaz que, rapidamente colocou o CD para tocar. A faixa não tocou nem 10 segundos e ele já tinha ido para a outra e assim por diante. Quando terminou, o funcionário curvando-se solenemente retornou-me o CD dizendo com forte sotaque japonês: -Sorry! No! |
Bom, não desisti da busca e fiquei de olho nas gravadoras e distribuidoras inglesas. Estava muito interessado na gravadora Music For Nations e na distribuidora Pinacle. Infelizmente só pelo clima no estande deles logo percebi que não teria a menor chance pois haviam muitas gravadoras pequenas, mas bem estruturadas, que tinham muito mais experiência e poder de negociação do que eu. O estande destas empresas vivia lotado e nunca sobrava um espaço para aproximação.
Barbieri consegue uma gravadora
Todas as noites, muitos shows aconteciam pela cidade toda e, já no segundo dia podia-se ver, nos estandes, os atendentes cansados e com caras de mal dormidos. Então, no último dia da feira, todo mundo estava muito cansado e toda a formalidade já tinha sido jogada pela janela. Encontravam-se CDs abandonados por todos os lados, ninguém queria mais carregar peso. Alguns estandes já estavam até vazios…
-Oi será que dá para achar um tempinho para ouvir o que eu tenho aqui para lhe mostrar?
-É melhor do que o que eu estou ouvindo agora? Falou com certa ironia na voz. No sistema de som rolava Manowar (eu particularmente não gosto do Manowar prefiro Judas Priest).
-Estou percebendo que você gosta desta banda e seria rude para mim dizer que a minha banda aqui é melhor. De qualquer forma, o som dela pertence à outro estilo, mais na linha do Rage Against the Machine. Foi minha resposta respeitosa.
-Porque você acha que eu devo ouvir? Perguntou sem olhar para mim.
-Por que a banda é INGLESA. O baixista é inglês mas os outros integrantes são de outras nacionalidades incluindo Brasil. O som é poderoso! Ele não mostrou nenhuma reação. Atravessou o corredor em frente ao estande cruzando entre as muitas pessoas que passavam e ficou numa parede do outro lado encostado. Eu fiquei ali sozinho como um bobo. Pensei comigo: “Hoje não saio daqui enquanto ele não ouvir o CD”. De repente, lá do outro lado ele deu um sinal para que eu pusesse o meu CD para tocar. Eu abri o CD player, tirei o CD do Manowar, aumentei o volume e coloquei o do Kreed que imediatamente acordou aquela moçada sentada no sofá. Balançavam a cabeça ali sentados e olhavam para mim perguntando o nome da banda. Um deles, sem ficar em pé, levantou o braço mandando um positivo para o dono que veio na minha direção. Escutou as outras faixas, me pegou pelo braço e saímos juntos longe do povo dele. No meio do caminho abaixou e pegou do chão um pedaço de cartão cinza que possivelmente tinha sido parte de uma caixa de carregar CDs. No cartão foi escrevendo: “Para o primeiro CD dou um adiantamento de 2.000 libras, para o segundo 2.500, para o terceiro 3000 e depois disto, o valor fica em aberto para futuras negociações.” Assinou aquele pedaço de papelão, juntou com um cartão da empresa e me deu pedindo que eu contata-se a gravadora quando voltasse à Londres. Procurei mostrar profissionalismo e respeito sem mostrar nenhuma emoção. Mal ele sabia que dentro de mim eu estava dando cambalhotas de alegria.
Na volta, assim que cheguei em Londres, contei para a banda. Como era de se esperar, os músicos ficaram super excitados. A negociação, apenas tinha começado e eu precisava mais informação de como proceder no próximo estágio. Fui na biblioteca procurar saber mais à respeito de assinaturas de contratos com gravadoras. A banda queria que eu viajasse imediatamente para perto de Oxford para fechar o negócio. Eu por outro lado não queria mostrar que estávamos desesperados.
Barbieri negociando com a Plastic Head
Eu sei que, uma semana mais tarde, depois de muita leitura e preparação, um dia de manhã bem cedinho, tomei o trem e fui visitar a Plastic Head Distribution. Quando cheguei lá, a recepcionista, como era esperado, pediu para eu sentar e esperar. Nada como dar “um chá de cadeira” para fazer a pessoa esfriar. É uma técnica ótima para criar um clima de dependência e subordinação. Tomei o cafezinho oferecido e fiquei tentando relaxar. A próxima etapa seria com o advogado. Batata! Depois de quase uma hora, a porta abriu e um senhor, sério e de terno e gravata me convidou para entrar. Eu tinha no bolso de cima da minha jaqueta um pequeno gravador, que usava para fazer entrevistas. Imediatamente, discretamente, apertei as duas teclas juntas e coloquei-o para gravar. Queria ter algo para mostrar para a banda e também, uma forma de avaliar a minha performance. Passamos por algumas salas onde pude reconhecer alguns dos cabeludos que vi em Canes. Entramos na sala do diretor com o advogado fechando a porta por trás de mim. A sala era pequena. Lá, atrás de uma mesona estava o dono. Na frente da mesa, encontravam-se duas cadeiras, uma para mim e outra para o advogado. Assim que nos sentamos o advogado olhou para mim e disse:
-E então?
Contei rapidamente do meu encontro com o dono da gravadora em Canes e que ele tinha feito uma proposta. Entreguei para ele o pedaço de cartão recebido em Canes. O advogado leu e rapidamente enfiou-o no seu bolso. Devia ter tirado uma fotocópia pois perdi aquele “documento” naquele instante. O dono perguntou-lhe se já tinha ouvido a banda. O advogado balançou a cabeça negativamente. Então o dono enfiou o CD que eu tinha deixado com ele em Canes, no computador. Um som baixo, rachado e sem qualidade invadiu a sala. Odeio mostrar som para pessoas no computador. Acho que a intenção era proposital para colocar-me para baixo e desvalorizar o som da banda. Eu ignorei o que estava acontecendo e disse que, como representante dos músicos, tinha algumas perguntas à fazer. Pedi que não me achassem arrogante e nem pretensioso mas tinha que voltar para casa com algumas respostas.
-Quanto a banda vai receber pela venda de cada CD. Perguntei. Uma libra foi a resposta. Fiquei satisfeito pois o George Michael tinha acabado de brigar com a Sony. Ele recebia 40 pences (0,40 Libras). Estava começando a próxima pergunta quando o Advogado me interrompeu:
-Só que nós controlamos todo o merchandise. Absurdo! Todo mundo sabe que hoje em dia as bandas internacionais sobrevivem mesmo é de shows e da venda de camisetas, posters e CDs nos espetáculos. Se controlar a vendagem dos CDs já é difícil, imaginem então o “mercandise” (camisetas, posters, lembranças, etc.). Eu fiquei quieto e preferi saber se eles tinham planos para vídeo e exposição na MTV. Perguntei também se ele consideravam vídeo adiantamento (advance).
-Sim vídeo é adiantamento. Nós temos o programa Headbanger Ball da MTV na mão, tocamos o que quiser quando quisermos! Temos uma verba de 2.500 libras para vídeo! Na minha cabeça estava insatisfeito pois sabia que aqui gasta-se em média de 50.000 à 100.000 libras para se fazer um vídeo de qualidade básica.
-Eu vi recentemente um vídeo branco e preto destes quatro cabeludos de jaqueta preta entrando numa floresta, indo até uma clareira onde numa pedra pintada com um enorme pentagrama estava amarrada uma virgem que eles matam e bebem o sangue… Estava dando o exemplo do que eu não queria quando fui interrompido pelo dono da gravadora:
-Há você viu o nosso vídeo! Era por isso que o orçamento deles era tão baixo, só faziam merda! Eu estava mais interessado num vídeo do tipo do feito para a música Smell like ten spirits da banda Nirvana. Na Inglaterra existem “pubs” (bares) fantásticos. Seria possível gravar um vídeo muito bom mostrando a banda tocando ao vivo.
-Veja bem, nós não estamos interessados em ser os empresários da banda! Falou o dono da coisa. Eu respondi:
-Não desejamos que vocês sejam os “managers”. Estamos muito mais interessados no suporte do que no dinheiro. Sabemos que, para uma banda ficar conhecida, precisa fazer um tour inicial, abrindo para uma banda grande. O dedo da gravadora geralmente está por trás destes eventos é aí que contamos com sua ajuda. “ O dono da gravadora e o advogado se olharam e quase juntos disseram com um tom de final de conversa:
-Mais alguma pergunta
-Não, obrigado, estou satisfeito. Tendo dito isto soltei a bomba:-Seria possível receber uma cópia do contrato para que eu leve para meu advogado avaliar os termos? Eu não tinha advogado mas, arrumaria um. Iria no Sindicato dos Músicos pegar a indicação de um bom advogado. Toda a literatura que tinha lido sobre este assunto insistia neste procedimento… eu não tinha escolha. Parece que joguei um balde de água na cabeça deles. Claramente, por isto eles não esperavam. O advogado perguntou se eu tinha fax. Eu confirmei e ele comprometeu-se de mandar-me a cópia do contrato em dois dias, na quarta-feira. Na quarta-feira, fiquei na expectativa mas o contrato não chegou. A quinta-feira passou também e nada. Os músicos me ligavam à cada 10 minutos querendo que eu ligasse para a gravadora. A sexta-feira chegou e à tarde o líder da banda intimou-me dizendo que se eu não ligasse eles ligariam. Forçado, liguei para a gravadora. Expliquei a situação para a recepcionista, dizendo que os músicos estavam muito ansiosos por uma resposta e não queriam passar o fim de semana na dúvida. Lá pelas 5 da tarde o advogado me ligou e disse:
-Fizemos uma nova reunião e decidimos que nossa gravadora não tem condições de dar o suporte que a banda merece. A banda é muito boa e tenho certeza que não terá dificuldades para encontrar outra gravadora. Na verdade, o que ele disse é frase feita usada frequentemente por muitas gravadoras para dizer não.
Meia hora depois recebi a porcaria do fax. Liguei para o líder da banda que veio até minha casa. Mostrei-lhe a gravação do encontro com a gravadora e dei-lhe a fax. Ele ficou muito insatisfeito e deu-me à entender que achava que eu tinha pisado na bola. Informei-lhe que mesmo que o contrato tivesse vindo eu ia aconselhá-los à não assina-lo.
Bom, no final deixei claro que, como nós não tínhamos um contrato escrito, a banda não estava de forma nenhuma presa comigo e podia buscar outra pessoa quando quisesse. |
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Fabio Farinha
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Terminamos ali nossa colaboração. Não passou muito tempo e Kreed assinou com a gravadora Street Culture Records. A gravadora fez uma pesquisa e descobriu que o nome Kreed já existia nos Estados Unidos onde uma banda chamada Creed estava crescendo em popularidade. O nome Kreed então foi trocado para Dredge e o álbum Years of Violation foi lançado contendo 10 músicas. |