Dorsal Atlântica: Banda grava em Londres e fica hospedada na casa do Barbieri (1996)
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Dorsal Atlântica
Banda, em 1996, grava álbum em Londres e fica hospedada na casa do Barbieri
Primeiro, uma pequena introdução
Para aqueles que ainda não conhecem o trabalho deste trio poderoso convém lembrar que a banda surgiu no Rio de Janeiro há mais de 25 anos atrás, e foi formada inicialmente com Carlos Lopes na guitarra e vocal, seu irmão Cláudio Lopes no baixo e Guga na bateria.
A banda neste tempo todo fez incontáveis shows e acabou dividido o palco com várias bandas internacionais tais como Exciter, Verom, Kreator, Anathema, Testament, Motorhead, Nasty Savage, Exhumer, etc.
Até o momento em que escrevia esta matéria em 1996, sua discografia era a seguinte:
Seu primeiro trabalho chamou-se Ultimatum, um Split-EP lançado em 85. Seguiram Antes do Fim (LP/86), Divide & Conquer (LP/88), Searching for the Light (LP/90) lançado no Brasil e EUA simultaneamente, Musical Guide From Stellium (LP-CD/93) com a revista inglesa Raw dando nota máxima para o trabalho e, Alea Jacta Est (LP/CD) lançado no final de 94 culminado com o álbum Straight (CD/96), álbum este gravado em Londres conforme matéria abaixo.
Guga, Paul Johnston, Angelo e Carlos Lopes no estúdio em Evesham. Foto: A. C. Barbieri
Destino Europa e a gravação do álbum Straight
A tour e a gravação foi armada pelo produtor de shows Hugo Moutinho, um português que usou toda sua experiência para conseguir com que o inglês Paul Jonhston fosse o responsável pela produção e gravação do novo disco cujo nome escolhido foi Straight. Ao mesmo tempo, aproveitando a estada da banda na Europa, Hugo organizou uma tour envolvendo vários países (Holanda, Bélgica, Alemanha, Slovenia, Itália, Espanha e Portugal) onde Dorsal dividiria o palco com os ingleses da banda Reign.
As despesas com o estúdio foram divididas meio a meio entre a gravadora Cogumelo e a banda, enquanto que as despesas com as passagens e tours ficaram por conta de Carlos, o líder da banda.
Lamentavelmente, o baixista Cláudio Lopes não pode vir. Por questões legais, relativas ao seu envolvimento num acidente automobilístico, ele não pode sair do país. No seu lugar foi recrutado o competente Angelo.
A banda desembarcou em Londres e imediatamente pegou um trem para a cidadezinha de Evesham no norte da Inglaterra. De lá, foram levados de carro por vários quilômetros até uma fazenda, onde num estábulo reformado encontrava-se o Rhythm Studios, menina dos olhos do produtor Paul Johnston. Fora do horário de gravação, os músicos ficaram acomodados num confortável chalé, não muito longe do estúdio.
Já faziam uns quatro dias que o pessoal estava gravando, quando receberam a má notícia de que a banda Reign tinha caído fora da tour. Não tiveram outra alternativa à não ser cancelá-la. Apesar da triste notícia, nem tudo estava perdido pois Hugo conseguiu manter as datas dos shows em Portugal.
Depois de alguns dias, quando cheguei em Evesham para visitar a banda as gravações já estavam quase finalizadas, só estavam faltando acrescentar os vocais.
Depois de estarem enclausurados por quase uma semana numa fazenda, no meio da neve e com temperaturas abaixo de zero pude sentir que a moçada ficou feliz com a minha visita. A reclamação quanto ao isolamento era geral. Guga e Angelo, tinham, na noite anterior, andado quilômetros à pé e no maior frio em busca de um Pub e, quando finalmente encontraram um, não foram aceitos com a desculpa de que eles precisavam se associados para freqüentá-lo. Resultado: Tiveram que voltar para a fazenda/estúdio sem tomar aquela cervejinha...
Realmente foi surpreendente saber que bandas como Cathedral, Napalm Death, Benedction, GBH e Terrovision, entre muitas outras, tinham estado naquele fim de mundo gravando. Estava claro que estas bandas não foram até Evesham somente por causa do estúdio que, na minha opinião, não era muito melhor do que muitos estúdios brasileiros. Estas bandas assim como o Dorsal, estavam interessadas em trabalhar com Paul Jonhston.
Guga, Paul Johnston, Angelo e Carlos Lopes no estúdio em Evesham. Foto: A. C. Barbieri
Bom, devo admitir que, enquanto estive ao lado dele, bombardeei-o com uma infinidade de perguntas técnicas, e fiquei surpreso com a sua paciência e eficiência profissional. Se não bastasse, o homem mostrou-se muito simples como pessoa. Paul, foi humilde e até inseguro pois, quando sozinho, no seu carro, enquanto conduzia-me de volta para a estação de trem, na conversa que tivemos, sua única preocupação era saber se a banda estava feliz como o trabalho dele.
Carlos, o guitarrista e vocalista da banda, ligou para Rat vocalista da lendária banda punk Varukers que morava pela área, convidando-o para participar das gravações. De início ele não acreditou pensando que era alguma brincadeira mas, no final, aceitou e acabou colocando backing vocal numa música nova do Dorsal que ele cantou no ato e foi embora. Terminado o trabalho de mixagem, o novo disco contará com 24 ou 25 músicas todas curtas (na velha tradição punk) mas furiosas.
A Banda fica hospedada na casa do Barbieri em Londres e aproveita para conhecer a cidade.
Com o trabalho de gravação terminado e sem show marcado para as próximas duas semanas a banda ficou liberada para descer até Londres. Fui buscá-los na estação de Paddington e acabei hospedando-os por pouco mais de uma semana.
Passamos juntos uma semana muito divertida visitando tudo quanto era lugar interessante; do Big Ben ao Hyde Park passando pelas famosas múmias do Museu Britânico e os dinossauros do Museu de História Natural sem esquecer a tradicional visita de sábado à Camden Town e ao Kensington Market (Nota do Barbieri: Infelizmente este lugar que era uma galeria espremidinha e cheio de lojas undergrounds já não existe mais).
O Pub preferido foi o Intrepid Fox perto de Piccadilly Circus (Nota do Barbieri: Este bar mudou de lugar, à alguns anos atrás) onde Guga e Angelo tomavam sempre uma batida chamada “snake bite” (uma mistura de cerveja, cidra e blackcurrent). Nem preciso dizer que entramos em todas as lojas de discos que encontramos. E, finalizando, como toda banda que se preza, na sua estada em Londres, não pode deixar de levar a banda no clube Slamelight onde puderam ouvir o creme-de-la-creme do som Industrial mundial e ver a mulherada mais louca do planeta.
Apesar do corre-corre diário ainda achamos tempo para gravar uma música juntos no meu estúdio. O Carlos gostou da letra de uma música que eu tinha escrito chamada Walking In Circles. Então, programei a bateria. Para que Guga, o baterista, não se sentisse de fora, convidei-o para botar uns pequenos retoques finais na programação da percussão. Carlos cantou, tocou guitarra e Angelo acrescentou o baixo. No último dia eles saíram sozinhos para passear e eu fiquei mixando. Umas 8 horas diretas de volume ao máximo provaram ser demais para o meu amplificador Yamaha que, literalmente explodiu, com direito à chamas, fumaça e tudo que tinha direito. Quando a banda retornou do passeio, já tinha arrumado um amplificador substituto. Senti a perda do meu “amply” mas, achei que o resultado final da mixagem ficou muito bom pois, consegui um som brutalmente rock/punk/eletrônico, emanando aquela emergência que só um som gravado ao vivo pode ter. Bom, escutem esta a segunda faixa (abaixo) no máximo volume e tirem as suas conclusões.
Walking in Circles
Foto histórica! As bandas Sepultura e Dorsal Atlântica juntas em Londres em 1996
A presença do Dorsal em Londres coincidiu com a vinda da galera do Sepultura. As duas bandas encontraram-se na gigantesca loja Virgin Megastore em Oxford Street onde Sepultura distribuía autógrafos. Clique aqui para saber tudo sobre a noite de autógrafos e o show desta banda em Londres.
Paulo, Guga e Andreas batem um papo relaxado na chegada da banda Sepultura para a noite de autografos na Virgin Megastore.
Segredos revelados
Os sábios dizem que nesta vida, tudo é uma questão de equilíbrio. Como dizem por aí: “Nem muito sal nem muita açúcar”.
Angelo tinha aquela fraqueza por comida. Já Guga, tinha uma relação antiga com a bebida alcoólica do tipo “começou beber não pode parar”. Carlos Lopes, por sua vez, recebeu tantos apelidos de seus companheiros de banda que, daria para encher esta página.
Carlos é sem dúvida o personagem mais complexo que conheci na minha vida inteira. Ele pareceu-me um tipo de monge tibetano buscando o nirvana no meio da cidade grande. Na época que o conheci, ele era vegetariano e seguia os ensinamentos de um guru espiritual. Por opção própria, ele vivia uma vida austera, onde o álcool, fumo, e até sexo eram proibidos. Todos os dias de manhã ele tirava meia hora de meditação lendo a Bíblia. Geralmente, só para sacanear, enquanto Carlos ficava sentado no vaso do banheiro, que era o único lugar da casa que ele podia meditar em paz, eu colocava algum som, o mais brutal possível, para rolar com o volume sempre no máximo. :-)
Nem assim ele ficava nervoso. Sua tranqüilidade era tanta que me incomodava. Profeta foi o apelido que mais usei para referir-me à ele enquanto o resto da banda, usava outros apelidos menos respeitosos que, nem por isso, abalaram sua tranqüilidade infinita.
Mas, deixando as particularidades da personalidade de cada um de lado, a impressão geral que tive foi de ter estado próximo músicos experientes, lutando, como muitas outras bandas brasileiras, por um lugar ao sol.
Fiquem certos de que, quando estes três músicos reúnem-se para tocar, o resultado é demolidor e altamente competente. A banda Dorsal Atlântica realmente merece um lugar de destaque no cenário do rock mundial.
Dorsal Atlântica - Guerrilha (Live)
Barbieri decepciona-se com Carlos Lopes Pouco mais de um ano depois, organizei uma coletânea com o suporte da Revista Dynamite. A coletânea chamou-se Brain Brazil Vol. I – The Roots of Brazilian Metal. Minha vontade era abrir a coletânea com uma faixa da banda Korzus e fechar com uma faixa da banda Dorsal Atlântica. Seriam 15 faixas, todas remasteradas por mim buscando tirar o melhor do som das bandas ao mesmo tempo que acertando os volumes para que todas as bandas aparecessem em termos de igualdade no CD. A Revista Dynamite entrou em contato com muitas prensadoras no Brasil e conseguiu uma que nos deu gratuitamente uma prensagem de 1.000 cópias. Os CDs seriam gratuitamente distribuídos na Europa, na tentativa de conseguir que uma gravadora internacional assinasse contrato com uma banda brasileira. Quer dizer, tratava-se evidentemente de uma causa nobre.
Sinceramente, achava que durante a estada de Carlos Lopes e sua banda Dorsal Atlântica em minha residência, tínhamos ficados amigos. Afinal tinha aberto as minhas portas para ele e sua banda gratuitamente e perdido uma semana levando a banda para lugares que já estava "careca" de tanto visitar. Para vocês terem uma idéia da minha preocupação em não prejudicar a banda, dias depois da estada da banda em Londres, liguei para a banda em Portugal e, por telefone, li a matéria que está transcrita aqui acima para que Carlos aprovasse. Como disse, era minha intenção finalizar a minha coletânea com uma música da banda Dorsal Atlântica. A faixa escolhida seria tirada do álbum Alea Jacta Est chamada Summary Condemnation. Esta música com somente 2.24 minutos de duração, para mim é uma pérola e um veículo para demonstrar as fantásticas habilidades vocais do vocalista. Carlos utilizou-se de duas técnicas fazendo a interpretação como se fossem dois vocalistas totalmente diferentes, um gutural e outro meio rock glitter. Eu realmente gosto muito desta música que acho ser um clássico do rock nacional. Bom, escutem abaixo e tirem as suas conclusões. Summary Condemnation Cabe lembrar que, nesta época, a Internet ainda era um sonho. Comunicação profissional com o Brasil só mesmo via fax. Então, eu mandei vários faxes para Carlos no Rio de Janeiro mas, nunca consegui obter uma resposta. Então, liguei para Minas e conversei com o dono da gravadora dele, a Cogumelos Discos. O responsável pela gravadora, foi surpreendentemente muito cordial e amigo e, para minha surpresa disse que poderia ceder qualquer artista do seu catálogo menos o Dorsal porque, segundo ele, Carlos o tinha instruído a não ceder nenhuma música para minha coletânea. No final, acabei recebendo da Cogumelo, aqui em Londres, mais de 10 CDs. Infelizmente, muito embora a qualidade do material seja muito boa, a minha idéia era justamente mostrar para o mundo que no Brasil não existia apenas uma banda chamada Sepultura. Queria mostrar que tínhamos muitas outras variações e estilos de rock, indo do Metal tradicional, Hard Rock, Grunge, Doom, Ghotico, etc. Sinceramente até hoje não sei porque ele fez isto, porque não quis participar desta coletânea ou porque ele não quis simplesmente falar comigo e explicar o porque. Eu achei que depois de minha atenção e ajuda em Londres eu mereceria pelo menos o respeito de uma explicação. Cá entre nós, pareceu mais uma típica apunhalada nas costas. Infelizmente, estou certo de que não será a última! Bom, conformei-me em colocar 14 bandas na coletânea. Acontece que, sentia-me injustiçado, enquanto preparava o máster do CD recordei-me, como já disse, que tinha gravado uma música com Dorsal. A letra da música Walking In Circles era minha, eu tinha programado a bateria e tocado teclados e, tinha também sido o técnico de som responsável pela gravação e mixagem. Obviamente todos os direitos deste material eram meus. Naquela época, já tinha meu projeto Rock/Eletrônico/Industrial chamado TheBrainSexyDiet cuja sigla é TBSD. Então tive a idéia de, assim como fez banda Motorhead gravando junto com a banda Girlschool, acrescentei esta música no final da coletânea como sendo de autoria do Projeto TBSD VS DORSAL. À princípio, não me sentia bem com a idéia de incluir em uma coletânea que eu mesmo estava organizando, uma música de minha autoria, parecia anti-ético. Foi Andre “Pomba” Cagni editor chefe da Revista Dynamite que, incentivou-me, dando-me todo o apoio. Obrigado Pomba! Então, o álbum Brain Brazil Vol. I – The Roots of Brazilian Metal foi lançado. 500 cópias vieram para Londres e 500 ficaram com a revista. Das 500 que ficaram com a revista, cada banda recebeu 5, uns 200 foram dados para a imprensa e o restante ficou com a revista para ser distribuído como brinde aos novos assinantes. Dos meus 500 CDs que recebi acho que ainda tenho uns 100 que dou sempre que recebo alguma visita importante (nacional ou internacional). Perdi a conta de quantos mandei para gravadoras do mundo todo. As últimas pessoas que receberam uma cópia cada, foram os músicos da banda Vulcano quando estiveram por aqui e, se não me falha a memória, para o pessoal da Wiki Metal no Brasil, quando fui entrevistado. Bom, algum tempo depois do lançamento do álbum, Carlos fez uma crítica pública na Revista Rock Brigade reclamando que não tinha autorizado a inclusão daquela faixa na coletânea e que, basicamente, a mesma não obedecia os seus padrões de qualidade... É verdade! Mas, ele poderia ter sido mais amigo, comunicado-se comigo e colocado suas ansiedades e medos de, sei lá, talvez ser prejudicado ou coisa parecida. Não vá me dizer que, só porque eu sou de São Paulo iria prejudicar a banda dele que é do Rio de Janeiro. Sei lá, aqui fica mais um assunto não resolvido! Tempos atrás, vi esta entrevista com um homem já muito velho e doente que tinha passado sua vida questionando tudo, ele tinha sido um rebelde que sempre lutou pela verdade, pelo que ele achava certo. O repórter perguntou-lhe, qual era agora seu objetivo final, seu grande desafio. Ele respondeu que gostaria de terminar seu tempo aqui na Terra sem nenhum inimigo. Disse que sabia que esta missão era uma missão muito difícil mas que acreditava que não era uma missão impossível... Portanto, já que estou à caminho dos 60 anos ficaria muito feliz se conseguisse resolver mais este desafio. Rock’n’roll!!! Antonio Celso Barbieri |
Esta matéria é de autoria do Barbieri e foi originalmente escrita para a Revista Dynamite, tendo sido publicada na sua edição de Maio/junho 1996 . Copy Desk Diagramação, Revisão e Atualização |