Arnaldo Baptista
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A história de Arnaldo Baptista está intimamente ligada à da sua banda, Os Mutantes, e também à realidade brasileira do final dos anos 60 e início dos 70.Para os brasileiros da minha geração, o começo dos anos 70, no Brasil, foi um período repleto de turbulência política, mudanças sociais e culturais. Para mim, em particular, foi a época em que descobri o "sex, drugs, and rock'n'roll". Aliás, devo dizer que foi na ordem inversa: rock, drogas e sexo.
Foi também o período em que entendi que o mundo estava dividido em dois: o mundo capitalista e o mundo comunista.Na sua maioria, os países da América do Sul viviam sob ditaduras militares patrocinadas pelos Estados Unidos. Segundo os americanos, a única forma de conter o avanço comunista era transformar os países do Terceiro Mundo em campos de concentração, privando toda a população de qualquer estímulo intelectual. Quanto menos o povo pensasse, melhor. Era o tempo do DOPS, com seu serviço de inteligência composto por uma mistura de elementos do exército e da polícia civil.
Este grupo reinava absoluto e com poderes ilimitados sobre a vida das pessoas. Sem ninguém para controlar esses extremistas da direita, muitos dos que tiveram a coragem de contestar morreram torturados nos porões de alguma delegacia. A ideia (exatamente como está acontecendo hoje no mundo) era criar um terror generalizado na população para justificar uma série de medidas ditatoriais totalmente contrárias ao bom senso, à liberdade de expressão e aos direitos humanos. Muitos intelectuais, músicos e artistas de diversas áreas foram "convidados" a se retirarem do país. Neste período, o slogan "Ame-o ou Deixe-o" foi usado intensivamente pela máquina publicitária do estado repressor como uma forma de nacionalismo barato.
Enquanto isso, na Inglaterra, os Beatles, como resultado da descoberta de drogas alucinógenas, passavam por uma metamorfose. Os quatro rapazes de Liverpool se transformavam a olhos vistos com seu visual psicodélico e sua música passou a refletir a revolução cultural que viviam. Nos Estados Unidos, no auge da Guerra do Vietnã, a juventude começou a protestar. Vários artistas aderiram ao movimento pacifista. O poder da música para transmitir ideias ficou claro e, obviamente, as forças conservadoras que controlavam (e ainda controlam) o status quo não gostaram nada dessas mudanças, e os artistas em geral passaram a ser tratados como perigosos revolucionários. A mentalidade pacifista "hippie" tinha tomado conta. Slogans como "Amor Livre", "Faça Amor, Não Faça Guerra" apontavam para uma nova sexualidade e as religiões do Oriente despertavam a juventude para uma nova espiritualidade. No Brasil, mesmo com toda a censura aos meios de comunicação, alguns filmes que exportavam a rebeldia dessa juventude escaparam à tesoura da censura. No meu caso, os filmes "Monterey Pop" (1968), "Sem Destino" (Easy Rider - 1969), "Woodstock" (1970) e, mais tarde, "Um Estranho no Ninho" (One Flew Over the Cuckoo's Nest - 1975) me marcaram profundamente para sempre. O Rock foi a língua que uniu toda uma geração, semeando, como o pólen das flores, os ideais de Paz e Amor. Desde o começo, os Mutantes tocaram meus sentidos com uma sonoridade e conteúdo musical totalmente sintonizados com os valores e ideais desse período. O rock, muito longe de ser uma influência alienígena como pregavam os conservadores de mente pequena, carregava em minha visão otimista os ventos da mudança que, como uma tempestade, iriam soprar até derrubar o muro de imbecilidade que dominava o Brasil daquela época. Lamentavelmente, infelizmente, cada geração tem a imbecilidade que merece e, hoje, a meu ver, as coisas não mudaram muito. Basta ver que o rock brasileiro continua sem receber o respeito que merece. Sob um controle militar retrógrado, reacionário e conservador, os Mutantes faziam música, rock inteligente. Sinceramente, quando olho para trás, parece um milagre. Naquela época, a moda era pegar um violão, imitar Bob Dylan e cantar em um festival estudantil dando uma de intelectual. Caetano e Gil faziam parte dessa turma. |
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Arnaldo no Anhembí (foto: A.C.Barbieri) |
Acontece que Bob Dylan teve um acidente, ficou vários anos sem tocar e, quando voltou, voltou tocando guitarra elétrica numa banda de rock. O público esperneou, chamaram Dylan de traidor, mas não adiantou nada. A mudança estava feita e, se você quisesse estar na moda, tinha que tocar guitarra elétrica. De repente, os Mutantes eram o mais moderno. Aliás, eles já eram vanguarda há um bom tempo. Logicamente, esses cantores de música de festival estudantil aliaram-se aos Mutantes, chamaram a coisa de Tropicália e pronto. O resto, como dizem, é história. Eles continuaram fazendo suas músicas, agora eletrificadas, ficaram famosos, ganharam muito dinheiro e a imprensa comprada, como de costume, relegou a verdadeira e original força dos Mutantes ao esquecimento. Se os Mutantes são famosos hoje, é porque nunca foram esquecidos pelos seus fãs e, mais recentemente, foram redescobertos por artistas internacionais de estatura indiscutível. Naquele tempo, os Mutantes tinham a Santíssima Trindade: Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sergio Dias Baptista. Sergio era, e é, o gênio da guitarra. Arnaldo e Rita eram a dupla explosiva em termos de composição. Ironia, deboche, jogos com a forma e o conteúdo eram alguns dos elementos comuns nas composições. Além disso, os Mutantes não tinham nenhum pudor em misturar tudo: música sertaneja, música clássica, latino, samba, rock. No tempo da ditadura, todas as músicas tinham que passar pela censura militar e parece que os Mutantes tinham um prazer todo especial em driblar a censura, usando uma linguagem que só os "loucos" conheciam. Eu ouvia os álbuns sempre buscando as mensagens nas entrelinhas. Por que Rita Lee ignora este período da vida dela, para mim, não tem explicação. Certamente, até o seu recente falecimento, ela carregou uma carga emocional e psicológica muito grande que ia além da diferença sexual, incompatibilidade musical ou falta de liberdade criativa. Talvez sua maior frustração foi perceber, lá no seu íntimo, que, depois da sua saída dos Mutantes, ela ganhou dinheiro, mas não o mesmo respeito que os Mutantes receberam como força criadora. |
A verdade é que, depois de vários anos de bons serviços, a máquina dos Mutantes começou a mostrar sinais de fadiga. Rita foi a primeira a sair. Depois, foi a vez do Arnaldo. Sergio Dias ficou sozinho nos controles e aproveitou a oportunidade para redirecionar a banda na direção do rock progressivo. A relação entre os dois irmãos continuou boa, uma vez que vários shows dos Mutantes contaram com a participação de Arnaldo na abertura. Eu nunca perdi um show em São Paulo e, como vocês já devem ter percebido, sou um fã incondicional. Para mim, os Mutantes, com a ajuda do maestro Rogério Duprat, foram os Beatles do Brasil. Depois do "Loki?", Arnaldo formou a banda Patrulha do Espaço, fez vários shows e gravou um álbum chamado "Elo Perdido", que levou uma eternidade para ser redescoberto e lançado. |
Arnaldo no Teatro Bandeirantes (Foto: A.C.Barbieri) |
O Elo Perdido e Incompleto Lá pela primeira metade dos anos 80, visitava as Grandes Galerias (hoje conhecida como Galeria do Rock) quase todos os dias. Conhecia todas as lojas. No primeiro andar, havia uma loja chamada Grilo Falante. O dono, um tipo um tanto ausente, raramente dava muita atenção aos visitantes. Muitas vezes visitei o estabelecimento, que era um pequeno cubículo, sem sequer ser notado. Depois de algum tempo, uma nova figura começou a frequentar a loja. Era um japonês que ficava sentado em uma cadeira, dedilhando seu baixo com uma expressão de "olha como sei tocar" estampada no rosto. Um dia, ele me perguntou se eu possuía um gravador de rolo. Confirmei que tinha um Akai 4000DS. O japonês, então, explicou que estava trabalhando em um estúdio de gravação e que havia retirado secretamente da gravadora uma fita de Arnaldo Baptista. Ele queria fazer uma cópia. Convidei-o para minha casa, onde fizemos duas cópias - uma para ele e outra para mim. Pelo número de músicas, ficou claro que deveria existir outra fita. Mais de 20 anos se passaram e, já em Londres, recebi a visita de Kokinho, hoje falecido, que foi o baixista nas gravações em questão. Para surpreendê-lo, toquei a fita. A reação de Kokinho foi de puro espanto, pois ele possuía a cópia da primeira fita e eu tinha a cópia da segunda fita, que ele sequer tinha ouvido. Algum tempo depois, soube que, finalmente, o álbum "Elo Perdido" tinha sido lançado. Ao ouvir o álbum, fiquei chocado ao descobrir que ele continha apenas as gravações da primeira fita. E eu, durante todo esse tempo, possuía a segunda fita. No álbum "Elo Perdido", existe apenas uma música que não consta em nenhuma das fitas - nem na de Kokinho, nem na minha. Portanto, uni essa única música do álbum "Elo Perdido" com as músicas da primeira fita (de Kokinho) e da segunda fita (a minha). Aqui, abaixo, disponibilizo com absoluta exclusividade o álbum agora renomeado para "Elo Completo". Arnaldo Baptista - Elo Completo (Gravado no Estúdio Vice-Versa em 1977 |
Arnaldo e Barbieri no Teatro Augusta. Foto: Lido Valente |
Depois de sua participação na Patrulha, Arnaldo se manteve ausente por alguns anos. Nesse interim, surge um personagem interessante: um brasileiro que havia morado no Reino Unido e casado com uma britânica - inglesa, escocesa ou irlandesa, não me lembro exatamente. Ele havia retornado para o Brasil, conhecido Arnaldo e se apaixonado pela sua música. Esse entusiasta, sem nenhuma experiência como produtor de shows, resolveu produzir um espetáculo com Arnaldo. Arnaldo, apesar de ser conhecido por sua personalidade excêntrica, sabia exatamente o que queria no plano musical. Ele queria se apresentar no Tuca e com o melhor equipamento possível, tudo importado. Então, fez uma lista dos equipamentos que desejava e o produtor a cumpriu à risca. |
Por inexperiência, os custos da produção acabaram elevados e a divulgação do evento, muito fraca. Naturalmente, isso resultou em uma baixa presença do público e, consequentemente, um grande prejuízo financeiro para o produtor do evento.
Este show memorável, um tipo de "unplugged" para os padrões de hoje, com Arnaldo alternando-se entre os teclados e a guitarra, pode ser ouvido com exclusividade aqui, em nossa rádio. Neste show, conheci o produtor do evento e, alguns dias mais tarde, tive a oportunidade de visitá-lo em sua própria residência. Lá, ele me permitiu fazer uma cópia da fita do show, da qual também fiz uma cópia para Luis Carlos Calanca da loja Baratos Afins. Agora, torno essa gravação pública.
Durante esse encontro, descobri as dificuldades financeiras nas quais o produtor do evento havia se metido. Se me lembro bem, ele havia emprestado dinheiro de agiotas e agora estava sob pressão para pagar a dívida. Em seus olhos, a solução seria continuar produzindo shows com Arnaldo até recuperar-se do prejuízo.
Um novo show foi agendado, desta vez uma temporada de cinco dias no Teatro Augusta. Contudo, o problema é que este local era mais voltado para peças de teatro e não possuía um histórico de shows musicais. Além disso, ficava na Rua Augusta que, apesar de ter sido famosa durante a era da Jovem Guarda, agora era conhecida por seus clubes decadentes e pontos de prostituição. Com uma divulgação insuficiente e em um local inapropriado, esta nova série de shows parecia destinada ao fracasso. E assim foi. O primeiro dia não teve show devido à falta de público, e no segundo, apenas meia dúzia de gatos pingados compareceu. Com um sistema de som limitado e um público praticamente inexistente, Arnaldo limitou-se a atender aos pedidos da plateia, resultando em um show fragmentado. Era doloroso assistir à situação se deteriorar e eu não compareci nos dias seguintes. Alguns dias depois, fui contatado novamente pelo produtor/empresário. Ele estava desesperado porque tinha agendado um show no clube Paulicéia Desvairada, uma casa noturna localizada na Avenida Brigadeiro Faria Lima, dentro de um pequeno shopping center próximo do Shopping Center Iguatemi, e não tinha nenhum recurso para alugar os instrumentos necessários para o show do Arnaldo. |
Capa do album Arnaldo 'Loki?' Baptista |
Meu amigo, George Romano, naquela época possuía uma fábrica de órgãos. Seus principais clientes eram as igrejas. Os órgãos que ele produzia não eram exatamente iguais aos lendários "Hammond B3 com caixa Leslie" tão amados por Arnaldo, mas eram suficientes para uma emergência, além de serem gratuitos. Então, lá estava eu em uma Kombi, com Arnaldo "Loki" ao volante. Arnaldo às vezes conversava comigo em inglês sem perceber, e durante o percurso, enquanto dirigia, chegou a virar o corpo para trás, falando comigo por alguns segundos sem olhar para a estrada. Na fábrica, ele experimentou vários órgãos, escolheu um que carregamos para a Kombi e então partimos para o clube. Quando chegamos lá, a casa estava fechada e, mais tarde, quando alguém finalmente a abriu, descobrimos que a energia tinha sido cortada. Mais espera, e em uma conversa com um funcionário, descobrimos que o último artista que se apresentou no local, que acredito ter sido Jorge Mautner, havia sido atingido por uma lata de cerveja vazia arremessada por um cliente insatisfeito. Eu já havia visitado a casa e sabia que, nas altas horas, a combinação de álcool com certas drogas tornava o público bastante hostil. Comecei a sentir que as coisas não iriam dar certo. Arnaldo não era do tipo de pessoa que pressentia o perigo. Ele era, e acredito que ainda seja, uma pessoa totalmente desarmada. Neste clube, os artistas sempre se apresentavam depois das 10 da noite ou até mais tarde. Imagine o cenário: um palco simples, sem decoração, com apenas um órgão no centro e um pedestal com microfone para a voz. Arnaldo subiu ao palco diante de uma plateia embriagada e desinformada que, na verdade, nem sabia quem ele era. Arnaldo tocou a primeira música e, já ao fim dela, havia alguém gritando: "- Toca rock! Põe som de fita!" |
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Arnaldo
Baptista |
Oswaldo
"Coquinho" Gennari |
Rolando
Castelo Junior |
Eduardo
"Dudu" Chermont de Carvalho |
Arnaldo e Patrulha do Espaço fotografados pelo Barbieri no Ginásio do Palmeiras em São Paulo
Arnaldo Baptista |
Osvaldo "Coquinho" Gennari e John "Dudu" Flavin (ao fundo) |
Rolando Castelo Junior e Arnaldo Baptista (nos teclados ao fundo) |
Arnaldo sorriu e continuou o show, enquanto mais pessoas se uniam ao coro de protesto contra a música que estava sendo tocada. Preocupado com a iminência de Arnaldo receber uma lata, insisti para o produtor entrar no palco e livrá-lo daquela tortura humilhante. Felizmente, uma luz brilhou na mente desse homem, ele subiu ao palco, rapidamente levou Arnaldo para os bastidores e de lá para a rua. George Romano e eu ficamos para remover o órgão do palco.
Pouco tempo depois, soube que Arnaldo tinha atingido seu limite e rompido com o empresário que o acusava de ser antiprofissional. Não ficaria surpreso se este produtor tivesse agendado um show com Arnaldo em uma quadra de escola de samba.
Em uma conversa que tive com Rolando Castelo Junior, o baterista da Patrulha do Espaço, perguntei como foi a saída de Arnaldo da banda.
Junior, em seu jeito único, disse que um dia, sem aviso, Arnaldo apareceu no ensaio todo paranoico e declarou: "-Eu estou fora! Vocês fumam muito!". Se você assistir ao filme "O Homem Duplo (Scanner Darkly – 2006)", baseado no livro de Philip K Dick, terá uma ideia do tipo de paranoia causada pelo LSD. Na minha conversa com Junior da Patrulha, ele confirmou uma das minhas suspeitas que tinha há muito tempo em relação às drogas, principalmente o LSD.
Se você já tem uma predisposição, "um parafuso torto", tomar LSD é como empurrar sua mente ladeira abaixo. Como uma bola de neve, ela vai crescer até se espatifar lá embaixo.
Junior falou sensatamente: "Tem gente que toma centenas de LSDs e nada acontece e tem gente que toma um só e fica com sequelas".
Tendo isso em mente, e considerando os problemas artísticos e existenciais que Arnaldo enfrentou recentemente, infelizmente, não foi surpresa saber que, após uma crise nervosa em que Arnaldo ficou violento, ele foi internado em um hospital psiquiátrico. Segundo relatos nebulosos, durante uma luta com enfermeiros, ele se jogou pela janela do terceiro andar do prédio do hospital.
Arnaldo permaneceu mais ou menos três meses em coma na Unidade de Tratamento Intensivo do hospital. As poucas informações que os fãs conseguiam obter eram através do programa de rádio do hoje falecido Carlinhos "Pop" Gouveia, que era transmitido pela Rádio Gazeta.
Gouveia, juntamente com Sonia Abreu, uma fã obsessiva, praticamente monopolizou as informações. Sonia Abreu, num ato de autopromoção, transformou-se na guardiã de Arnaldo.
Finalmente, quando Arnaldo saiu do hospital, Junior da Patrulha do Espaço teve a ideia de visitá-lo. A Patrulha, há algum tempo sem Arnaldo, havia se transformado em um power trio formado por Junior, Dudu e Sergio (que substituiu Koquinho). Júnior decidiu presentear Arnaldo com uma cópia do novo álbum da Patrulha, recém-lançado pela Baratos Afins.
Nessa visita, estavam Junior, Luis Calanca da Baratos Afins e eu. Arnaldo morava em um apartamento em um edifício residencial de classe média na Avenida Angélica. Quando tocamos a campainha na porta do apartamento, quem nos recebeu foi uma criança. Dissemos que estávamos ali para visitar Arnaldo e a criança, com toda a inocência, nos convidou a entrar. Nós, três ilustres desconhecidos, adentramos a casa, seguindo aquela criança enquanto anunciávamos nossa presença em voz alta para não assustar ninguém.
Ouvimos uma voz feminina nos chamando. Era a voz de Lúcia Barbosa, vindo do quarto de Arnaldo. Ao entrarmos no quarto, encontramos Arnaldo tentando rapidamente esconder algumas bolachas debaixo dos lençóis. Lúcia, pacientemente e com um sorriso, explicou que, devido ao tempo em que Arnaldo ficou em coma, ele estava um pouco obeso (eu diria inchado) e que seu médico havia recomendado uma dieta. Arnaldo estava escondendo as bolachas porque pensou que era seu médico que estava chegando. Ao nos ver, Arnaldo ficou contente e quis ir imediatamente para a sala. Ele estava com o rosto inchado, cabelo muito curto, quase careca, uma expressão estranha que imediatamente me fez lembrar do filme "Um Estranho no Ninho".
Sua mãe, Dona Clarisse, apareceu e, de forma silenciosa, parecia não estar muito contente com a nossa presença. Fiquei com um sentimento incômodo de que, de alguma forma, éramos culpados pela situação em que Arnaldo se encontrava. Quando Arnaldo saiu da cama, andava, com muita dificuldade, na ponta dos pés e uma de suas mãos parecia não ter recobrado toda a mobilidade. Além disso, ele sofria de uma amnésia parcial e não se lembrava perfeitamente de certos eventos.
Fomos para a sala, onde um grande piano de cauda tomava quase todo o espaço. Dona Clarisse nos acompanhou e sentou-se de braços cruzados com uma expressão austera, como uma mãe que vigia a filha quando o namorado chega. Arnaldo, por sua vez, repetia sem parar: "-Vocês são lindos!". Quando recebeu o novo LP da Patrulha, olhou a foto da capa e apontou para Sergio, dizendo: "-Puxa, o Koquinho saiu bem nesta foto? Não foi?" e concluiu com; "-Vocês são lindos!". Depois de repetir várias vezes confundindo Sergio com Koquinho, Arnaldo, de repente, parou, olhou inquisitivamente para Junior e, para surpresa e embaraço de todos os presentes, perguntou: "-Junior, você ainda fuma muito?
Enquanto Junior, com um sorriso sem graça, tentava se explicar, devido à presença de Dona Clarisse na sala, Arnaldo lançou um olhar discreto para a mãe, inclinou-se com dificuldade na direção de Junior e falou baixinho: "-Me tira daqui! Eu quero dar uma volta de carro!" Dona Clarisse, obviamente preocupada com o filho, relutou um pouco, mas acabamos conseguindo convencê-la de que seria bom para Arnaldo sair um pouco.
Enquanto o carro percorria a cidade, Arnaldo, no banco de trás, olhava pela janela com uma expressão radiante, como se fosse uma criança em seu primeiro passeio...
Nota 1: Sonia Abreu, logo depois que Arnaldo saiu do hospital, convenceu-o a morar na sua casa. Isso aconteceu em um momento em que Arnaldo claramente não estava em condições de tomar decisões por si mesmo e precisava de cuidados especiais. Durante esse período, Arnaldo foi visto com um cigarro aceso em cada mão, foi exposto ao ridículo e humilhado em público mais de uma vez. Sonia foi a responsável por uma matéria de mau gosto publicada meses depois na revista Manchete, que mostrava Arnaldo ainda convalescente, com o rosto inchado e uma expressão alterada. Nessa revista, Arnaldo foi exposto como se fosse uma curiosidade de circo.
Nota 2: Luis Calanca, da Baratos Afins, deve ter se arrependido profundamente por ter lançado o álbum Singin'Alone, pois o número de pessoas que apareceu em sua loja afirmando representar os interesses de Arnaldo e pedindo dinheiro foi absurdo. Foi uma grande dor de cabeça. Devo deixar claro que minha relação com Luis nunca foi das melhores, tivemos mais de um problema. Discutíamos muito, mas nunca por questões de dinheiro. No Brasil, sempre existiu essa vontade das pessoas de quererem ser "os pais" das coisas, em vez de perceberem que tudo na vida é um processo no qual cada um contribui um pouco. Lá pelo meio dos anos 80, Luis já produzia discos e eu produzia os shows das mesmas bandas. Às vezes, eu invadia o território dele e, às vezes, ele invadia o meu. Era uma guerra de egos onde, apesar de tudo, a honestidade nunca faltou. É por essa razão que acredito que ainda exista, depois de todos esses anos, esse grande respeito mútuo entre nós. Luis é, sem dúvida, um dos grandes responsáveis por manter acesa a chama musical de Arnaldo, sem ter recebido a recompensa financeira que merece como retribuição. Bem, isso é rock'n'roll.
Show "Singin' Alone" - Tuca (1982)
Arnaldo Baptista em raras gravações ao vivo feitas no TUCA!
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Parte do primeiro verso da música The Pusher - STEPPENWOLF
”You know I've smoked a lot of grass O' Lord, I've popped a lot of pills But I never touched nothin' that my spirit could kill You know, I've seen a lot of people walkin' 'round With tombstones in their eyes” |
“Você sabe que eu fumei muita maconha Ho! Deus, eu engolí muitas pílulas (Anfetaminas e LSD) Mas, eu nunca toquei nada que pudesse matar o meu espírito Você sabe que tem um monte de gente andando por aí Com lápides de túmulos nos olhos” |
Foi com imensa surpresa e alegria que descobri que duas das minhas fotos foram utilizadas no documentário intitulado "Loki", que faz um panorama abrangente da carreira musical de Arnaldo Baptista. Se já não fosse o suficiente, minha felicidade aumentou ainda mais quando descobri que a foto do cartaz também era de minha autoria. Infelizmente, o crédito da imagem no cartaz não foi concedido, e, pelo visto, agora é tarde demais para ser incluído no DVD.
No entanto, acabei de receber a informação de que esse erro será corrigido na segunda tiragem do DVD. Bom, o que fazer! Vamos aguardar e ver! Nunca é tarde demais para corrigir as coisas, certo?Meu envolvimento com o projeto aconteceu de maneira inesperada. Oswaldo "Coquinho" Gennari, já falecido e um dos membros fundadores da banda Patrulha do Espaço, vivia em Londres. Ele era meu amigo e foi contatado por Isabella Monteiro, que trabalha no Canal Brasil e estava encarregada da coleta de materiais para o documentário. Então, Coquinho passou meu e-mail para Isabella.
Olá, Celso,
Estamos produzindo um documentário sobre Arnaldo Baptista pelo Canal Brasil. No momento, já estamos no processo final de edição e, em paralelo, buscando imagens de arquivo de diferentes fases do Arnaldo. Com isso, estamos entrando em contato com pessoas que possam fornecer imagens (fotos e vídeos) a serem utilizadas no projeto.
Gostaríamos, então, de maiores detalhes do seu acervo referente ao Arnaldo.
Deixo os meus contatos e aguardo o seu retorno. Caso prefira, peço que envie seu telefone para nos falarmos diretamente, assim poderia explicar melhor o que buscamos. Obrigada desde já pela atenção,
Isabella Monteiro
Produção Canal Brasil
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Nem preciso nem dizer que enviei tudo o que tinha à mão. No final, três fotos do material enviado foram utilizadas. Uma de autor desconhecido, que recebi do próprio Arnaldo para ser usada na arte de uma camiseta, e as outras duas de minha autoria.
Arnaldo Baptista em 31 de maio de 1978 no Palacio das Convenções do Anhembi (SP). Foto: Antonio Celso Barbieri
Agradeço ao Rodrigo da Silva Pereira (Editor Executivo da Revista Época) por me fornecer a data exata deste evento.
Informações sobre o Filme
"Loki – Arnaldo Baptista", dirigido por Paulo Henrique Fontenelle (Brasil, 2008), traz depoimentos de Tom Zé, Sérgio Dias, Nelson Motta, Gilberto Gil, Roberto Menescal, Liminha, Sean Lennon, Lobão, entre outros.
Sobre o Documentário
A cinebiografia de Arnaldo Baptista, fundador dos Mutantes, apresenta uma narrativa emocionante do artista enquanto ele pinta um quadro emblemático. O filme é embalado por músicas icônicas e revela a trajetória de um dos maiores nomes do rock brasileiro. Este é o primeiro longa-metragem produzido pelo Canal Brasil. Duração: 120 minutos.
Arnaldo Baptista, em foto de autoria desconhecida
Rolando Castello Jr. na bateria com Arnaldo ao fundo no teclado
Produzido, finalizado e distribuído de forma independente pelo Canal Brasil, que pela primeira vez produziu um longa-metragem, o documentário é embalado por músicas icônicas. Depoimentos poderosos e imagens raras ilustram a rica e frequentemente misteriosa vida do compositor, cantor, baixista e pianista. A narrativa é ao mesmo tempo poética, dramática e divertida, sendo delicadamente entrelaçada por entrevistas emocionantes do artista enquanto ele pinta um grande quadro emblemático.
"Loki" retrata a trajetória de Arnaldo desde a infância, passando pela sua fase de maior sucesso como líder dos Mutantes, seu casamento com a cantora Rita Lee, a subsequente separação, a depressão que devastou sua vida após o fim do grupo e o levou a tentar o suicídio, sua carreira solo, a reaproximação com seu irmão e integrante dos Mutantes Sérgio Dias, culminando com o retorno da banda em 2006 (com Zélia Duncan substituindo Rita Lee) e com o show em homenagem à Tropicália realizado no Barbican Centre, em Londres. Registros recentes de Arnaldo em Juiz de Fora (MG), onde mora com a esposa, Lucinha Barbosa, mostram o atual estado de espírito do artista, que ainda toca piano, teclado, bateria e baixo, mas hoje dedica a maior parte do seu tempo à pintura. Todas as fases da vida do músico são lembradas sob diferentes perspectivas por meio das palavras de personalidades que conviveram e admiram o compositor, como Tom Zé, Lobão, Nelson Motta, Gilberto Gil, Sergio Dias, Dinho Leme, Zélia Duncan, Liminha, Rogério Duprat, além de sua mãe, a pianista clássica Clarisse Leite, e sua segunda esposa, a atriz Martha Mellinger.
Fãs internacionais de Arnaldo, como Kurt Cobain, Sean Lennon e Devendra Banhart – que já afirmaram que os Mutantes são melhores que os Beatles – também prestaram suas homenagens ao ídolo e reafirmaram a importância de Arnaldo Baptista na história da música, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Cada declaração revela histórias curiosas, engraçadas e, em alguns momentos, trágicas sobre o artista e sua época. Essas histórias auxiliaram o diretor a abordar episódios polêmicos e até então obscuros da história de Arnaldo Baptista. "Já assisti ao filme várias vezes, perdi a conta. É engraçado porque cada vez me vejo de uma maneira diferente. Parece um espelho: às vezes me acho feio e outras, bonito", diz Arnaldo. "Esse filme preenche uma lacuna que só agora percebi que estava faltando. Ele completa minha história."
Foto: Antonio Celso Barbieri
A trilha sonora é recheada de clássicos dos Mutantes, como "Qualquer Bobagem", "Ando Meio Desligado", "Balada do Louco", "Top Top", "Tecnicolor" e "Panis et Circenses", algumas em versões raras, além de músicas da primeira banda de Arnaldo Baptista, O’Seis; de sua carreira solo; e de outros projetos idealizados pelo compositor, como a peça de teatro Heliogábalo, da qual foi diretor musical, e os grupos Patrulha do Espaço e Unziotro. (fonte: http://canalbrasil.globo.com/loki/sobre_filme.html)