Meditações sobre a minha própria natureza musical... e um texto sobre Rolando Barthes

Metal Profeta570
Mago do Metal. Colagem digital: A. C. Barbieri.

Meditações sobre a minha própria natureza musical...
Escrito por Antonio Celso Barbieri

No livro escrito por Roland Barthes chamado Imagem Music Texto publicando em 1977, no ensaio intitulado Musica Prática ele se refere à dois tipos de música: a que escutamos e a que tocamos. Segundo ele, estes são dois tipos de musica totalmente diferentes, cada um com a sua história, sua sociologia, sua estética e seu erotismo. Para ele, o mesmo compositor pode parecer insignificante quando escutado, mas, parecer brilhante para o músico que executa a mesma peça.

A música que uma pessoa toca, é uma atividade que tem menos a ver com a audição da mesma e sim com o fato de ser uma atividade manual, e por ser manual, podemos dizer, uma atividade sensual/sensorial. É o tipo de música que você pode tocar sozinho ou com amigos, sem nenhuma outra participação, à não ser a dos que estão tocando com você (quer dizer, sem correr o risco de uma participação “teatral” ou recebendo a pressão emocional de espectadores). Trata-se de uma música muscular em que a parte escutada é "absorvida" como parte de um processo, como se o corpo é que estivesse ouvindo e não a “alma”. Uma música que não é tocada pelo “coração”: você e o instrumento (qualquer que ele seja), você é o instrumento ou vocês são um instrumento. O corpo controlando (ou controlado), conduzindo, coordenando, ele mesmo transcrevendo e adaptando as notas da música que ele conhece tão bem, juntando o som com o significado e transformando seu corpo num “escritor/criador” e não apenas num transmissor/receptor.

Infelizmente, este tipo de música está desaparecendo rapidamente. Inicialmente, foi território apenas de uma classe burguesa aristocrática para mais tarde, decair para um ritual social insipido e, até praticamente desaparecer (quem toca piano hoje em dia?). Na civilização ocidental, quem busca música prática (ao vivo) hoje em dia, tem que buscar por outro público, por outro repertório, por outro instrumento. Ir atrás das novas gerações, da nova música vocal, da guitarra, do rock.

Consequentemente, a música receptiva (ou será repetitiva?), passiva, transformou-se “na música” de hoje. É a música da sala de concerto, do festival, do vinil, do CD, do MP3, da TV, da rádio, da Internet, etc. Com isto a importância da música tocada ao vivo, fisicamente, deixa de existir. Então, esta atividade manual, inerentemente física, muscular, meramente líquida, efusiva e como diria Balzac “lubrificante” deixa de ter a importância de outrora e caminha para o desuso.

Como resultado desta situação, o “performer”, aquele que executa a música também mudou. O “amador”, um papel muito mais definido pelo estilo tocado do que pelas suas imperfeições técnicas, não é mais encontrado em lugar nenhum. Por outro lado, os “profissionais”, especialistas cujo estudo e treinamento aparentemente tornou-se numa atividade exotérica desconhecida do grande público, que por sua vez não está nem um pouco preocupado com a importância da educação musical, nunca prestigiam ou reconhecem o valor do amador, aquele que executa a sua música com amor e perfeição. Amadores que plantam em nossos corações a emoção, a satisfação e o desejo de nós mesmos, um dia sairmos fazendo música.

Resumindo, primeiro existia o músico “ator”, que representava a música no palco. Despois surgiu o “interprete” (aquele que no clássico apenas repete automaticamente a notação escrita na partitura ou aqueles que, no rock, passam toda a sua vida executando um cover, o mais parecido possível do original, sacrificando e escondendo, no processo, a sua própria alma de músico). Finalmente agora temos o “técnico”, que tira do ouvinte toda a atividade, até por procuração, e no final cancela toda e qualquer possibilidade dos ouvintes “fazerem musica”. A meu ver, fica difícil entendermos este conceito se não tivermos em mente que o “músico ator”, o “interprete” e o “técnico” podem ser partes do mesmo processo onde por exemplo, uma banda como Led Zeppelin começou “atuando”, virou “interprete” e hoje não passa de uma banda técnica repetindo o seu repertório até o infinito.

Na parte que me toca, não pude deixar de lembrar-me de uma palestra que assisti recentemente no Youtube. Nesta palestra proferida pelo “mestre” Deepak Chopra chamada “As sete leis espirituais do sucesso”, lembrando que, neste caso, “sucesso” nem sempre significa unicamente bens materiais, o palestrante obviamente descreveu estes 7 degraus a subir. Para este texto que aqui escrevo, ficarei apenas no primeiro degrau. Segundo Chopra, o primeiro degrau pode ser conquistado de 3 formas: através da meditação, da busca pela natureza e pela negação.

O mestre insistiu que, é só como resultado de uma destas três práticas que entraremos em sintonia com o “silêncio cósmico”. Disse que quando estamos neste silêncio é que surgem as “intuições”, “descobertas” e “explosões de criatividade”. Bom, só posso dizer que já tinha sentido a mesma coisa quando ficava só, de “molho” na agua morna da minha banheira, mas, devo admitir que já faz um bom tempo que venho experimentando algo similar, de outra forma: na minha relação muscular, sensual/sensorial com o meu piano acústico. Lá, sozinho, sem a crítica nem a pressão da perfeição, deixo os dedos primeiramente seguirem os seus “caminhos” já bastante conhecidos até que minha mente se esvazie das convenções e o corpo comece a caminhar por si mesmo… Daí por diante viro apenas um observador maravilhado pelos sons e viagens pelo desconhecido que saem das minhas mãos, às vezes sendo emocional, martelando as teclas, sendo dionisíaco, forçando os músculos do braço e às vezes caindo num lirismo, no apolíneo e com isto suavizando minha própria alma. Infelizmente, estes são momentos únicos, íntimos, que nunca mais se repetirão! No piano eu deCANTO minha alma e observo minha música como encantações, rituais de magia que só podem ser “entendidos” diretamente e sem palavras, por aquele que tocou naquele momento, eu...

Antonio Celso Barbieri



roland barthes
Rolando Barthes


Rolando Barthes por Rolando Barthes: o eu como um plural de charmes

Escrito por Maria Claudia Barata - Mestranda - UFRJ

No belo ensaio, “Sobre a leitura”, escrito em 1905, Proust nos diz: “a leitura é a iniciadora cujas chaves mágicas abrem no fundo de nós mesmos a porta das moradas onde não saberíamos penetrar. (...) nisto reside, com efeito, um dos grandes e maravilhosos caracteres dos belos livros, que para o autor poderiam chamar-se “conclusões” e para o leitor “incitações”. Sentimos muito bem que nossa sabedoria começa onde a do autor termina, e gostaríamos que ele nos desse respostas, quando tudo o que ele pode fazer é dar-nos desejos.” Foi, com certeza, a emergência desse desejo em nós, que fez com que nos reuníssemos aqui, durante uma semana, para que através das diversas releituras que empreenderemos sobre o texto de Barthes, pudéssemos, de um certo modo, novamente reencontrá-lo. Analogamente, Roland Barthes é sem dúvida um desses autores para quem o desejo foi o vetor que direcionou seu trabalho como teórico, como professor, como leitor e como escritor.

O essencial de toda a pesquisa a que se dedicou Roland Barthes encontra-se em germinação desde as suas primeiras obras, porque se trata sempre de colocar em circulação o desejo através da própria atividade de escritura. Por isso, talvez, no caso de Barthes, esse desejo pode tornar-se sinônimo de literatura, de escritura e de texto, como ele viria a declarar durante o pronunciamento de sua aula inaugural no Collège de France, em 1977: “Entendo como literatura, não um corpo ou uma seqüência de obras, mas a inscrição complexa dos traços de uma prática: a prática de escrever”. Também em um texto anterior (“Vidas paralelas”), e exatamente a propósito de Proust, Roland Barthes nos adverte: “Não existe autor, nem personagem, existe apenas a escritura”.

A escritura é esse neutro, lugar de esfacelamento de toda a identidade, e que não explica coisa alguma; ao contrário, ela é, para utilizarmos a expressão de Maurice Blanchot, a palavra infinita, que insiste em voltar sobre si mesma, sobre suas pegadas, em eterna deriva. Não se trata, portanto, no que se refere à tarefa do crítico, de conhecer o motivo secreto de uma vida, mas, trata-se sobretudo, de encontrar o sentido que um autor pode dar a essa busca interminável que é a escritura. Para Barthes, diante de todo texto, a pergunta não seria “o que o autor nos esconde”, mas, precisamente, “por que ele escreve”.

Na escritura moderna já não se pode mais “contar o eu”, porque este já não possui um estatuto de pessoa e, o diário, por sua vez, enquanto exercício da subjetividade, não pode mais ser concebido como uma estrutura linear, pois o que a atualidade literária convoca é a dúvida, a suposição, a ambigüidade, o estremecimento das noções de verdade e equivalência. Em seus textos, Barthes desmonta, perturba, ridiculariza o pré-concebido, bascula os valores, os fetiches; a todo instante, ele “desloca”, isto é, rejeita a repetição, a tese, a doxa, a autoridade, e opta pelo corte, pelo zigue-zague, pelas fugas, como em música: Schumann, por exemplo, constante referência. Por isso, talvez, tenha sido tão importante para Barthes interrogar o estereótipo: “A verdade está na consistência, diz Poe. Portanto, aquele que não suporta a consistência, se fecha a uma ética da verdade; ele larga a palavra, a oração, a idéia, logo que elas “pegam” e passam ao estado de sólido, de estereótipo”, escreve Barthes em 1975, em Roland Barthes por Roland Barthes. É precisamente nesse livro que essa “ética da verdade” estabelecerá uma relação inegável com a memória e a noção de escritura “autobiográfica” no texto de Barthes.

A contra-capa de Roland Barthes por Roland Barthes traz, em reprodução fac-símile do manuscrito de Barthes, a seguinte menção: “Tudo isto deve ser considerado como dito por uma personagem de romance”. O livro não é, então, uma autobiografia. No princípio, tratava-se de um jogo que poderia tornar-se perigoso do ponto de vista estético, porque refaria um sistema exatamente onde Barthes desejava romper com o espírito de sistematização. Ou como em suas próprias palavras: “No começo do projeto desse livro, acreditei que faria um pastiche de mim mesmo, ao empreender a crítica literária de alguém que, por acaso, teria sido eu.” O sujeito não corresponde à sua imagem, nem guarda com ela qualquer semelhança. Também não pode fixar-se no espelho ou em uma fotografia, pois esses dispositivos só remetem ao aspecto congelado, cristalizado e petrificado da identidade, como ele próprio esclarece na legenda que acompanha duas fotos, uma de 1942 e a outra de 1970: “Mas eu nunca me pareci com isto! – Como você sabe? Que é este “você” com o qual você se pareceria ou não? Onde tomá-lo? Segundo que padrão morfológico ou expressivo? Onde está seu corpo de verdade? Você é o único que só pode se ver em imagem, você nunca vê seus olhos, a não ser abobalhados pelo olhar que eles pousam no espelho ou sobre a objetiva (interessar-me-ia somente ver os meus olhos quando eles te olham): mesmo e, sobretudo quanto a seu corpo, você está condenado ao imaginário”.

Mesmo a idéia de escrever um diário a partir de fragmentos dispersos apenas opera um retorno da ilusão de identidade: “tenho a ilusão de acreditar que, ao quebrar meu discurso, cesso de discorrer imaginariamente sobre mim mesmo, atenuo o risco de transcendência; mas o fragmento (o haicai, a máxima, o pensamento, o pedaço de diário) é finalmente um gênero retórico, e como a retórica é aquela camada da linguagem que melhor se oferece à interpretação, acreditando dispersar-me, não faço mais do que voltar comportadamente ao leito do imaginário”.

Em Roland Barhes por Roland Barthes, o sujeito desaparece, tornando-se o fantasma, o duplo, a sombra ou qualquer coisa que n ão é ele mesmo, espécie de sensação ausente cuja presença só pode ser percebid a entre as palavras. Na verdade, o sujeito está sempre ao lado de si mesmo, mas como ausência. Lembramos que no texto Deliberação, publicado na revista Tel Quel, em 1979, Barthes substitui a pergunta “quem sou eu?” por “sou eu?”, explicando talvez, porque no seu Roland Barthes por Roland Barthes, aquele sujeito-ausente é colocado em cena através do álbum de fotografias e de uma série de fragmentos intitulados, de tal modo que alguns constituem um metatexto fragmentário que se refere ao próprio teatro do imaginário. Para tanto, Roland Barthes estabelece a utilização multiforme dos pronomes pessoais, e quatro procedimentos de enunciação atravessam esses fragmentos: o
“eu” que mobiliza o imaginário; o “ele” colocado à distância e que permite ao sujeito tornar-se ausente de si mesmo; e o “tu” que aparece nas seqüências de auto-acusação. Por fim, a notação “RB” aparece com freqüência para desfazer a ambigüidade do pronome de 3° pessoa do singular.

Em uma entrevista, falando a respeito de seu livro, Barthes esclarece: “Eu quis tecer uma espécie de cintilação de todos e sses pronomes para escrever um livro que é efetivamente o livro do ima ginário, mas de um imaginário que tenta se desfazer, no sentido em que se desfaz um estofado, se esfiapar, se despedaçar através das estruturas mentais que não são apenas aquelas do imaginário, sem serem tam pouco a estrutura da verdade”. A encenação desse imaginário é ainda possibilitada pelo fragmento, pela forma curta, pela nota – todas elas formas tão caras à escritura de Roland Barthes. Essas formas curtas, que vêm exatamente cindir a tessitura lisa do discurso, deslocar a continuidade, impedem que um sentido linear se estabeleça, obrigando-o, ao contrário, à dispersão, à disseminação, pulverizando as frases e constituindo um campo de diversidade que se solidariza com o caráter heterogêneo da escolha dos pronomes e do lugar do sujeito no texto. Isto impede ainda que este coincida com si mesmo. Esta é também a razão pela qual o “biográfico” pode tornar-se texto, sem a inconveniência de uma linearidade redutora. Múltiplas são as pistas que encontramos em textos anteriores ao livro de 1975, que vêm nos lembrar o quanto esse problema tornou-se uma obsessão para Barthes: não a identidade, mas o que a excede.

Em O prazer do texto (1973), Barthes propunha o recurso da “ficcionalização da identidade”: “então, talvez, o sujeito retorne, não como ilusão, mas como ficção. Um certo prazer é extraído de um modo de se imaginar como indivíduo, de se inventar uma última ficção, bastante rara: a ficção da identidade. (...) uma figuração, através da qual o autor pode aparecer em seu texto (Genet, Proust), mas completamente destituído dos preceitos da biografia direta.” No célebre artigo A morte do autor (1968), Barthes escreveu:“Em Sarrasine, Balzac, ao falar de um castrado disfarçado de mulher, escreve: ‘Era a mulher com seus medos repentinos, seus caprichos sem razão, seus embaraços instintivos, suas audácias sem causa, suas bravatas e a delícia refinada de sentimentos’. Quem fala assim? É o herói de Sarrasine, interessado em ignorar o castrado escondido na mulher? O indivíduo Balzac, investido de sua experiência pessoal de uma filosofia do feminino? A sabedoria universal? A psicologia romântica? É completamente impossível saber-se, pela boa razão de que a escritura é esse neutro, esse oblíquo por onde foge nosso sujeito, esse claro-escuro no qual toda a identidade se perde, a começar por essa mesma do corpo que escreve”. Mesmo quando em Sade, Fourier, Loyola (1971), Barthes fala de um “retorno amigável do autor”, também não é de modo algum para reabilitar a noção de identidade: “O autor que volta não é certamente aquele identifi cado por nossas instituições (história e ensino da literatura, da f ilosofia, e o discurso da Igreja); não é nem mesmo o herói de uma biografia. O autor que vem de seu texto e entra em nossa vida não tem unidade; ele é um simples plural de “charmes”, o lugar de alguns detalhes pinçados, um canto descontínuo de amabilidades[...]”

Roland Barthes por Roland Barthes traz à leitura esse plural de charmes de um sujeito pulverizado, porque se trata de um ‘eu’ aberto a um universo de possibilidades, à fratura, à fenda, ao jogo, ao ind ecidível, a um “mais além” de si mesmo, pois, este sim poderia estar perigosamente c ongelado na identidade, na doxa, no estereótipo, porque preso à linearidade do biográfico. Ainda assim, estão inscritos no texto todos os lugares comuns do biogr áfico: narrativa fragmentária da infância, pequenas notas e historietas, os anos de formação intelectual. Mas, todos esses elementos aparecem deslocados, desconstruídos , revirados de tal modo que biográfico e romanesco sejam embaralhados no exercí cio autoficcional do texto. Ao refletirmos sobre o texto dito autobiográfico, seja através do diário, de memórias, ou mesmo de textos em que se tenta dissim ular a origem pessoal e íntima das construções teóricas, a injeção de ver dade e de ficção é a mesma. Apenas as proporções de cada uma se apresentam diferentes e a habilidade de escritura as mistura. Eis talvez porque Roland Barthes considerasse a autobiografia como um gênero incerto: texto escrito “entre aspas incertas”. Lembramos aqui a voz de Gide, autor que lhe foi tão querido, e que teve seu diário como objeto do primeiro texto de Barthes: “Eu sou um ser de diálogo; tudo em mim se combate e se contradiz. Muitas vezes, me convenço de que fui obrigado a escrever porque só assim eu poderia equilibrar esses elementos tão diferentes que, caso contrário, ficariam para sempre a se combater ou ao menos a dialogar em mim. (...) as memórias são apenas meio sinceras, tanto maior a preocupação com a verdade; tudo é sempre mais compl icado do que dizemos. Provavelmente, nos aproximamos mais da ver dade no romance”.

Compreendemos que, nos dois casos, em Gide e no liv ro de Barthes, não é o romance que busca uma autenticidade, mas é a autent icidade que procura ficcionalizar-se. Devemos ter em mente que a partir dos estudos elaborados pela psicanálise, não mais podemos abordar o romance nem a autobiografia como gêneros puros, separados, impermeáveis; um e outro se misturam. Os dois registros se nutrem paralelamente de esquecimentos, de lapsos, de atos falhos e de outros diversos sintomas de uma evidente e permanen te psicopatologia da vida cotidiana. Pouco importa se estamos diante de roman ces autobiográficos ou de autobiografias romanescas, ou mesmo da novidade que é o texto concebido por Barthes; “o romanesco sem o romance”, a partir da t entativa de fazer coexistir fragmentos esparsos, trechos dispersos através da p rópria existência, múltiplas fulgurações em um ensaio no qual a escritura é toma da como prática viva. Tal é a natureza do espetáculo apresentado em Roland Barthes por Roland Barthes.

Livro que nos previne e alerta: “com o álibi da dissertação destruído, acaba-se por chegar à prática regular do fragmento; e depois, do fragme nto desliza-se para o diário”. Escrito em 1975, muito do que foi proposto nesse livro, mostra-se como uma notação inicial ao projeto futuro de conceber a escritura de um diário, como Barthes fizera notar em O rumor da língua (coletânea de ensaios publicada em 1984), sobretudo em um de seus textos capitais: “Durante muito tempo deitava-me cedo,” escrito em 1978. Não é apenas quanto ao título que o texto de Barthes prevê ligações com o de Proust. Elas estão presentes nas teorizações articuladas ao longo do ensaio supracitado, nos próprios fragmentos reunidos em Roland Barthes por Roland Barthes, ou mesmo na evocação afetiva da fotografia em A câmara clara, ou ainda na primeira parte de Incidentes, livro publicado depois da morte de Barthes, intitulada “A luz do Sudoeste”, em que lemos a melancólica conclusão de que só existem os países da infância. Aquela Bayonne mencionada, entrevista e re-visitada em imagens nas páginas iniciais de Roland Barthes por Roland Barthes, acompanhada da legenda: “Bayonne, Bayonne, cidade perfeita: fluvial, arejada por sonoras cercanias ( Mousseroles, Marrac, Lachepaill et, Beyris), e, no entanto, cidade fechada, cidade romanesca: Proust, Balzac, Plassans”. O prazer da memória do corpo reconstrói uma imagem que é da ordem do deslocamento, da flutuação e, talvez por isso, simpática ao “dandismo”, e que se pode reconhecer na escritura fragmentada desse livro: “É dandyaquele que não tem outra filosofia senão vitalícia: o tempo é o tempo da minha vida”. É como se novamente pudéssemos ouvir a voz de Proust: “Amei muito a vida; amei muito a arte; Nesse momento, esses sentimentos me parecem muito preciosos; É como uma coleção; abro a mim mesmo o meu coração como uma espécie de vitrine”. Parece-nos que podemos distinguir como traço essencial, no centro do exercício de despersonalização operado em Roland Barthes por Roland Barthes, a escolha de uma sintaxe temática e analógica em lugar da narrativa cronológica. É, sobretudo, na fragmentação, na adição, na relação metafórica ou metonímica que o texto de Barthes procura representar esse irrepresentável, esse ser móvel, passageiro, que a escritura acompanha e de quem ao mesmo tempo se perde. Mesmo se um autor começa por pensar a identidade sendo conforme a si mesmo, a escritura vem constatar que ele só poderá congeminar sua heterogeneidade, enumerar suas variantes. Montaigne em seus Essais, Valéry em seus Cahierse mesmo Barthes em seu Roland Barthes por Roland Barthes fizeram, cada um a seu modo, do descontínuo em si mesmos o motor de uma tarefa que só viria a conhecer a unidade na totalidade constelada dos seus textos. Roland por Roland Barthes simula um diário enquanto cria o romanesco em cada fragmento. Não a linearidade aparente de um trajeto, mas as inflexões, os detalhes, uma vida feita de aberturas, invasão de significantes inesperados. Ou, muito precisamente, aquilo a que Roland Barthes já se referia em 1953, em seu primeiro livro, O grau zero da escritura, como “o que cai como uma folha sobre o tapete da vida”.

Maria Claudia Barata
Mestranda - UFRJ

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Comentários

jayme firro posted a comment in Rock Brasileiro (1974/1976): Parte III
Oi Gil. Boa lembrança !. O Alpha Centaury era formado pelo Edu Rocha - percussão , (Ex Brasões), pelo Sergio Bandeira - Violão e voz (ex Albatroz) e mais duas vocalistas. ( Creio que atuaram no grupo a Clarita , Walkíria e Vera Lúcia mas não lembro a ordem de participação delas.) Assisti uma apresentação do grupo em 73 ou 74 levado pelo Edu Rocha. Eles tocavam música progressiva de altíssima qualidade entre elas lembro de uma chamada "Tunel dos Ventos" Na época eu frequentava um restaurante e antiquário chamado " Solar Dom João V " no Itaim Bibi, onde o Edu Rocha ir jantar com a Bibi Vogel que era sua parceira em um trabalho paralelo de música sul americana. Tinha um palco com piano e instrumentos onde os clientes podiam tocar após o jantar. Além da bateria e percussão ele tocava violão e assisti canjas dele nessa casa e apresentações em casas noturnas do Bexiga. Seu trabalho individual era também de altíssima qualidade assim como o do Sergio, enfim, vamos pedir para que a música deles não se perca na névoa do tempo e surja algum registro da época. Um abraço a você e a todos.
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Barbieri, querido! Muito obrigado pelas palavras de incentivo. Super abraço do amigo Pevê.
Joomla Article about 3 years ago
Excelente lembrança Barbieri! Apesar de minha geração ter sido “a próxima da fila” sinto me beneficiado pelo movimento pro rock que esta discussão causou. Pra galera que curte as histórias e desdobramentos, e pq não dizer “desbravamentos” desta época vale recomendar o seu livro auto biográfico e o obviamente, o Livro Oculto do Rock.
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Legal a matéria, mas Baribieri toquei no Kafka de 85 a 90 não eramos "pop rock" e nem tinhamos amigos influentes ...rs ! abrx
Joomla Article about 3 years ago
o pepe melhorou muito (TSC!) essa semana ele estava propagando (sim, de propaganda) que o talibá é a grande força anti-imperialista e revolucionária de toda história moderna... um verdadeiro fantoche de neo-fascistas euroasianos. Só uma pessoa desonesta intelectualmente defende talibã para contrapor imperialismo americano. e ele faz isso porque recebe muito bem de seus patrões de mídias estatais chinesas. Que não passam de um outro império, e este tem campos de concentração e vigilância digital totalitária sem precedentes
Joomla Article about 3 years ago
Jefferson Ribeiro Basilio posted a comment in Soul of Honor
Muito muito louco esse som amigos,tenho o cd que comprei numa loja de CDs usados a uns 20 anos atrás,nunca cansei de escutar essa sonzeira mano, que que isso cara !!! Sem palavras para esse cd,som pensarão guitarra arrastada,bateria empolgante , vocal show muito show mesmo....
Joomla Article about 4 years ago
O cd "As cores de Maria" veio num lote de cd´s misturados... como brinde. Escutei hoje e achei sensacional esse trabalho.
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Gostei muito da história dela, cheguei até essa página porque achei o tarot dela na rua, e fui investigar de quem era. Parabéns
Joomla Article about 4 years ago
Dimensões parelalas podem existir, estamos mais perto de descobrir do que nunca
Joomla Article about 4 years ago
Penso muito parecido com voce. Sempre bom de ouvir e ler!
Joomla Article about 4 years ago
Muito bom esse material sobre essa grande banda brasileira!!! Goste muito,sensacional!! longa vida ao rock progressivo brasileiro!!!
Joomla Article about 4 years ago
Roberto Giovani posted a comment in Karisma
Um sonho so e bom quando se sonha junto. Ola Heli! Ola Rudi! Realmente vocês foram the best! Beijos e abraços de seu eterno amigo Roberto!! Rock & Roll jamais morrera pois o Karisma é uma das bandas que não deixam isso acontecer ! PAZ & AMOR SEMPRE!!!!
Joomla Article about 4 years ago
Gil Souto posted a comment in Rock Brasileiro (1974/1976): Parte III
Muito bom ! Quero ler e reler . Importantíssimos registros! Tava procurando algo sobre o Sérgio Bandeira ( do Bexiga e me deu o primeiro ácido! ) e de uma Banda que se chamava Alpha Centauri !!! Bons tempos de intensa e prazerosa loucura!
Joomla Article about 4 years ago
Caras.... estudei com ele no início dos anos 90 e com certeza um grande músico e mestre , tive a honra de acompanhar algumas sessões de gravação de seu primeiro CD e foram lições de profissionalismo e talento!!!!! Abraço Indio Manuel Marquez Prior
Joomla Article about 5 years ago
Rodolfo Ayres Braga posted a comment in Raimundo Vigna: Memórias de um b(r)oqueiro
Querido Irmão Vigna conterrâneo,amigo desde 1970...Superb batera!
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Ouvi pela primeira vez aos 16 anos ( em uma fita k-7 que foi copiada pela molecada roqueira da cidade de Cataguases, no começo dos anos 90). Quatro anos depois consegui um CD também pirata... somente hoje aos 44 anos consegui o CD original ( presente atrasado do dia dos pais - meu filho tem 17 anos)... Simplesmente fantástico, talvez o mais rock and roll de tudo que já foi lançado no Brasil...
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Nathan Bomilcar posted a comment in Scarlet Sky
Saudoso primo Guto Marialva. Deixou sua marca!
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Eliana posted a comment in Tony Osanah: Um argentino bem brasileiro
Olha só... A Internet é uma mãe... Eu era superfã da Banda Raíces de América... Sou coetânea do Tony. Não sabia que ele tem essa história de vida tão linda. Eu gostaria de desenvolver um projeto desse tipo mas não sou boa o suficiente nisso. Fiquei emocionada com a história dele dando aula de música para os jovens presos. A música faz esse milagre. É por isso que amo uma boa música e, se eu pudesse, seria uma... Deus o abençoe!
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Matéria bacana! Uma pena perder material das bandas e do evento...
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Meu nome é Sérgio, eu sou o baterista da banda Vienna ( atualmente BLACK VIBE) e gravamos a música Sexo Arrogante, que foi feita 2 horas antes de entrarmos na sala de gravação.
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