Paulo de Tharso: Falece um grande artista, um gênio fora do seu tempo!
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Paulo de Tharso
Paulo de Tharso: Falece um grande artista, um gênio fora do seu tempo!
Paulo de Tharso, músico, poeta, ator e muito mais, morreu nesta quarta-feira aos 52 anos. Segundo foi divulgado, seu corpo foi encontrado pelo pai caído no apartamento em que morava, no centro de São Paulo, e a causa da morte ainda está sendo investigada.
O velório estava marcado para o início da tarde desta quarta-feira, na sede do grupo de teatro Cemitério de Automóveis, na rua Frei Caneca em São Paulo, mas deve começar no início da madrugada, quando o corpo deve ser liberado pelo Instituto Médico Legal (IML).
Ator e poeta, Paulo de Tharso fazia parte do elenco do espetáculo Borrasca, de Mário Bortolotto, em cartaz há uma semana.
Com dez atores escalados, a peça é apresentada por uma dupla de atores diferente a cada fim de semana, dinâmica adotada por Bortolotto para oferecer diversas versões do texto que fala sobre as vicissitudes da vida. O corpo do ator vai será cremado nesta quinta-feira em local ainda não divulgado.
O falecimento de Paulo de Tharso, pegou todo mundo de surpresa. Aparentemente segundo informação fornecida pelo músico Xando Zuppo ao pessoal do Stay Rock Brazil, Paulo de Tharso sofreu um infarto fulminante. Paulo de Tharso era muito bom com as palavras e, portanto não há muito que eu possa dizer, que não poderia ser dito melhor por ele mesmo. Portanto aproveito este momento para, numa homenagem, reproduzir dois vídeos postados no Youtube e mais abaixo alguns dos seus textos e poemas. Aos seus familiares e amigos deixo aqui os meus profundos e sinceros votos de pesar por esta grande perda!
Show realizado no Estação Caneca no projeto Cemitério de Automóveis 30 anos. Registro em video de Grima Grimaldi
(aniversário do Basa e do Ayala no Coletivo Galeria (2010)
Textos e poemas publicados online em 2012
Nota: Paulo de Tharso tinha a mania de trocar o "c" pelo "k". Preferi deixar o texto assim mesmo. Se era proposital ou não, não importa!
Oração Essa maré de anátemas, que envio aos Serafins O tempo que não para no porto. Raça de Abel, raça de Caim A ação não é irmã do sonho Raça de Abel, teu sacrifício |
Protesto Paulo de Tharso Eu protesto Eu protesto contra o estado das coisas/ Contra as coisas do Estado/ Contra o Estado/ Eu protesto contra o protesto/ Contra o estado em que se encontra o protesto contra o Estado/ Eu protesto contra a palavra do lavrador/ Contra palavrador/ Eu protesto a contra-mão, na esquina da Consolação/ Eu protesto contra o verso/ Contra o reverso da medalha em teu peito/ Verso a vida/ Verso a morte/ Vide o verso/ O reverso/ Eu protesto/ Contra a conversa viva e a rima com efeito/ Eu protesto contra o kaos/ Contra as pedras no kais da partida/ Contra as pedras no kais da chegada/ Contra o nada/ Contra tudo/ Contra o vento/ Eu protesto contra os azulejos e desejos na parede da memória/ Eu protesto contra o Arabesco e pelo fato da minha vida não dar uma boa história/ Eu protesto contra o teu regime/ Contra a chuva na praça D. José Gaspar, quando a gente tá afim de se esbaldar/ Eu protesto contra o silêncio que faz o vizinho não reklamar/ Eu protesto no meio da rua contra a lua que rima com minha infelicidade/ Contra a crueldade do riso do meu amigo Bortolotto/ Que não quer prosear com a lua/ Mas que gosta de ratos que avisam que o queijo tá perto do fim/ Eu protesto contra toda atividade kapital/ Contra o diabo que faz kaza no meu quintal/ Contra a rosa no meu jardim/ Contra o sol/ Contra o vendaval/ Eu protesto contra minha vida perdida por amor ao kaos/ Contra minha vida perdida nas mãos do menino que tocou o tambor/ Eu protesto contra a arrogãncia das atrizes ficoti-fricota/ Contra a beleza que irá akabar/ Contra a porra dessa dor/ Contra Nosso Senhor que se deixou crucifikar/ Eu protesto contra o existir, assim que tudo akabar. |
Sem Nome Paulo de Tharso Começa em breve haver meia-noite E com ela começa um quase sossego Como se tudo fosse dormir menos a dor que há em mim. Vou à janela e não vejo estrelas Minha cidade é assim, sem estrelas Mas escuto ansiosamente os ruídos das ruas Os duplos passos do andar de cima Alguém que grita, uma garrafa que quebra Um cão que uiva pra lua, que reina sozinha Em um céu sem estrelas Eu velo, sonolentamente escutando a dor que há em mim. Eu fico esperando, um sei lá o quê antes que eu durma. Qualquer coisa, que grite mais alto do que a dor que há em mim. |
Meu bem
Se alguma coisa foi por que que não é?
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1º de Maio É bonito usar da palavra na luta de classes |
Époka Sem Nada de Épico
Paulo de Tharso
Publicado online em 26/09/2011
Eu fico aqui, entre a tradução de um livro de direito francês e a tela em branco, batucando os teclados em buska de algo novo. Escrevi: “épokas débeis mentais”. (Tava pensando num tal de Dudaleon , a quem eu chamo de Candinha porque sei lá o nome verdadeiro do energúmeno). Claro, não há nenhuma novidade nisso, não é a descoberta da pólvora. Hoje, depois do almoço com Mirisola, enquanto tomávamos um kafé, falávamos que épokas são assim: mais inteligentes, menos inteligentes, mais rikas, mais nobres, mais pobres, menos nobres, mais romântikas, menos beligerantes... Não há como negar que os séculos XVIII e XIX foram séculos de grandes escritores e artistas.
Pense em Honoré Balzac ou Victor Hugo. Baudelaire, Machado de Assis, Villa Lobos ( nascido em março de 1887) e uma pancada de escritores e músicos e pintores e escultores de peso, que viveram nesses séculos! Escrevo isso, enquanto o som de um saxofone adentra minha janela. Em tempos de Rock no Rio, dá pra sentir algum akalanto. Mas, voltando às épokas, também acredito que houve até a metade do século XX, grandes pensadores e artistas. Mas ali, ah..., ali não sei! Penso que aconteceu a mordida do que Mao Tse-Tung (nenhuma simpatia pelo ditador) chamava: a mordida do tigre de papel. A bomba atômika. A bomba mudou tudo, acelerou tudo. A idade da eletricidade ficou tão para trás quanto a idade da pedra. Esta é a idade do poder. É a époka da perversidade, époka suicida, homicida. Nada heróika. Époka da debilidade mental difusa, volatilizada, atmosférika. E há uma coisa absurda; a maioria age e reage como débil mental. Não que o sejam, não, absolutamente. Tem muita gente inteligente, sábia, clarividente; e tem karater, sensibilidade, etc, etc... Mas, para sobreviver, coexistir com os débeis, o kamarada tem que ir ao fundo do poço, entrar no mangue do pensamento, ir ao rodapé da humanidade, e, no seu quintal, enterrar a arca do seu tesouro. Tá phoda, kamarah! Essa é a époka do poder a qualquer custo, puro e simples poder. Desajustamos tudo. Ah, o freio!... Continua no mesmo lugar? Será que ainda funciona? Claro que não! O centenário bondinho de Santa Tereza provou que não! O diabo rompeu as amarras, “deletou” o sim e fez baixar o não. Não dá pra pedir a opinião de Dostoievski ou Gorki, porque eles simplesmente não existem em nosso século XXI. E, muito provavelmente se existissem, estariam na fila do INSS ou debaixo de uma marquise qualquer fumando crack. O melhor lugar para um gênio hoje é a sarjeta, ou lavando pratos, ou katando latas, ou robando para comer... Explico. A sociedade baniu os gênios. Como assassinou os poetas e como irá abafar os escritores. O pensamento não interessa! Não dá poder! Não o atrai! Não tem força de persuasão como tem a bomba, a grana, a tecnologia... A idéia desapareceu. Volto a repetir: Vivemos numa époka épika sem mais nada de épico!
Bom, agora é melhor que eu volte à tradução do Estado de direito, que é o que me dá o sustento. Peço desculpas ao leitor deste blog, mas é que eu detesto jogar paciência no computador. __ Ô João Sparano; como é mesmo? ... Você é da époka da Intranet, né? Pois é... Vai explikar isso aos navegantes débeis?! Aliás, não fosse você, eu estaria na ignorância até hoje.
O sobre o meu tio...
Paulo de Tharso
Publicado online em 20/09/2011
Eu entrei e parei. Devia ter uns seis anos ou sete. Da porta entreaberta, fico olhando meu tio bêbado; eu estou perplexo. Meu tio me vê, e sem tirar os olhos de mim, puxa uma caixa de fósforos. Riska o primeiro e fika olhando a chama. Depois diz... "Vem ká, vem ká... Sua kara é a do demônio. Pensei que ele queria me queimar os olhos. Eu fujo. O horror do bêbado me feriu para sempre. E a kada copo que entorno, lembro-me disso. Nunka mais parei de beber. Não fui de novo ao Grea. Mas ele era um kara doce. Às vezes me levava ao cinema, comíamos pipokas e balas. Mas na saída, sempre havia um bar, e ele instintivamente caminhava para dentro. Bebia uma, duas, três kachaças e ia se esquecendo de mim, com uma tubaína na mesa. Pedia um sanduba de salame com queijo para mim, e mais kachaça pra ele. De repente, o tempo fechava e ele começava a quebrar o bar e a kara. Eu me encolhia num canto até que alguém sempre me tirava dali. Morreu de cirrose, entrevado nos braços da minha tia Neusa. Foi triste de ver meu tio Alberto morrer assim. Quando penso nisso, tremo por dentro e temo por mim e por meus comparsas de copo e de kruz.
Amargo
Paulo de Tharso
Publicado online em 21/10/2011
Não faço parte de nenhuma confraria. De nenhuma kaza de cultura. Nenhum zoológico urbano me tem em sua jaula. Não faço parte de nenhuma kasta, de nenhum partido. Não faço parte de nenhum círculo de leitura. De nenhuma organização não governamental. Não faço parte de nenhuma turma. Não tenho laços, não tenho pretensões literárias ou musikais. Não amo ninguém e naturalmente não tenho quem me ame. Não tenho posses nem patrimônios... tenho demônios. Não tenho ninguém para quem voltar e ninguém que volte para mim. Eu tenho muitos conhecidos, mas nenhum amigo. Digo bom dia, boa tarde e boa noite e me respondem no mesmo tom. Tenho a lua como parceira e não é toda noite que ela comparece. Tenho o sol como inimigo mortal e o mar como uma ameaça constante. O céu é meu telhado e convivo com um gato em minha kaza. Tenho algumas canções e nenhuma partitura. Não tenho nada! Não deixo filhos nem saudades. Não deixo herança nem maldades. Não tenho esperanças, só doenças. Minha matéria é a ontologia. Tem uns kanalhas que me enchem o saco, mas por serem uns kanalhas, saber isto me basta! Duda Leon; isto lhe kabe como máskara, velho covarde, cujo nome verdadeiro esconde sob esse pseudônimo ridículo! Fui expulso de todos os lugares porque sou inadaptável. Tive muitos amores e tantos desenganos, que perdi a conta. Envelhecer foi meu kastigo. Tornei-me triste, amargo e ressentido. Não ando com ninguém e ninguém anda comigo. Escrevi alguns romances que roubei por aí. Tenho arriskado um novo que provavelmente ninguém irá ler. Tenho vontade de não mais ser, porém, a covardia me obriga a permanecer. Tenho um irmão que não encontro jamais. Um velho pai que se preocupa demais, quando deveria descansar. Uma velha mãe que me lembra sempre da morte. Não tenho sorte. Kaminho sem vontade e sem vontade eu vou aos lugares que me restam. São poucos. Sou desastrado et mal à droit! Sou obrigado a trabalhar para sobreviver. Sou obrigado a viver. Rasguei a maioria de meus escritos e queimei muitas letras de canções. Um tributo a Saturno que devora seus próprios filhos.
E você que agora me lê, já deve saber que deveria ter pousado os olhos em outro lugar. Afinal, do que vale esperar algo de alguém? Eu não espero mais nada de ninguém.
Leia mais textos de Paulo de Tharso aqui: Lenta Senectude