Rock & Política: Capítulo III - Barbieri e o PCB

Aprendendo...

Minha introdução ao comunismo começou no princípio dos anos 70 no pique da ditadura militar quando  fiz o Cursinho dos Alunos da USP. Eu fazia este cursinho que era um preparatório para o vestibular juntamente com um grande amigo de muitos anos. Este amigo, um intelectual que foi minha referência humana por um tempão, foi convidado a fazer parte de uma célula revolucionária. Naquela época, tínhamos o hábito de nos reunir todos os sábados onde passávamos as tardes discutindo de ciência à filosofia passando por ficção científica, o para-normal e  assuntos correlatos.

Lembro-me que discordávamos muito à respeito de quem era o melhor no  programa espacial, os Americanos ou os Russos. Eu sempre achei e ainda acho que os Russos sempre foram os melhores: Sputnik o primeiro satélite artificial em órbita da Terra,  Laika o primeiro animal em órbita da Terra. Yuri Gagarin o primeiro ser humano em órbita da Terra. Valentina Tereshkova a primeira mulher em órbita. O primeiro passeio no espaço fora da nave, a primeira nave não tripulada a passar perto da Lua, a primeira nave a chocar-se com a Lua,



Sputnik
a primeira nave a pousar na Lua. A lista não parava aí e parecia sem fim mas, meu amigo achava que os Americanos tinham mais méritos e insistia que eles eram mais avançados em tudo que faziam...

Eu dizia que tanto um projeto espacial como o outro tinha suas origens na Segunda Guerra Mundial, nos cientistas Alemães e seus foguetes V1 e V2.

Dizia que se os Americanos estavam progredindo mais rápido era porque tinham mais dinheiro e pegaram os melhores cientistas Alemães. De qualquer forma, à meu ver, os Russos, com muita dificuldade estavam quebrando todos os recordes.

É claro que a coisa não era tão simples assim, tinha a Guerra Fria e toda a politicagem por de trás. Sei lá, hoje em dia, percebo como o progresso na exploração espacial foi usado publicitariamente na venda do ideal comunista. Mesmo assim, ainda sou um grande fã do projeto espacial Russo.

Proletários de todos os países, uni-vos!

Bom, a verdade é que depois que meu amigo começou reunir-se clandestinamente no "grupo de estudos", nossos sábados culturais por um bom tempo passaram-se discutindo o livro Manifesto do Partido Comunista escrito por Marx e Engels.   O livro estava banido e tinha sido fornecido pelo grupo a que ele agora fazia parte. Nem quero pensar o que aconteceria se os órgãos de segurança nos encontrassem com este livro na mão. Confesso que meu nível intelectual estava um pouco abaixo e eu sofria para acompanhar estes conceitos, novos para mim, propostos por estes dois grandes pensadores.  Logo passamos a ler outros escritores com, por exemplo, Karl Popper que foi um crítico feroz do Marxismo e também obras clássicas  como Revolução dos Bichos e 1984 de George Orwell, A Metamorfose do Kafka, Admirável Mundo Novo do Aldous Huxley e muitos outros. Foi um período culturalmente muito estimulante.  Quer dizer, acho que estava desenvolvendo uma visão crítica e mais ou menos balanceada das coisas entretanto, minha experiência até aquele ponto vinha sendo apenas teórica.

Os anos se passaram e, muitos e muitos livros depois, já quando estava produzindo o Projeto SP Metal no Teatro Lira Paulistana, uma noite, quando me dirigia para casa no Bairro da Barra Funda, no caminho, quando passei pela Rua Vitorino Camilo, vi um salão todo iluminado e cheio de gente.  Era o diretório da campanha eleitoral de Ricardo Zarattini que se, não me engano, concorria  para Vereador pelo então PMDB.  Zarattini era um dos muitos comunistas que faziam parte do PMDB. O PMDB funcionava como uma frente progressista abrigando muitos partidos de esquerda.

Cabe lembrar que, o Partido Comunista Brasileiro só viria a ser legalizado em 1985.


Bom, já que estava passando por ali resolvi entrar. A reunião já havia acabado e Zarattini despedia-se das pessoas. Aproximei-me e perguntei-lhe qual era a sua proposta política. Disse também que não sabia nada à seu respeito e que estava curioso de saber. Zarattini foi muito simpático e rapidamente em poucas palavras resumiu seu passado revolucionário.

Zarattini foi um integrante dos movimentos políticos contrários ao regime militar, tendo sido preso por três vezes, torturado, e, em 1969, foi parte do grupo trocado pela libertação do embaixador

Ricardo Zarattini
dos Estados Unidos no Brasil, Charles Elbrick, seqüestrado por militantes da ALN (Aliança Libertadora Nacional) e do MR-8. Zarattini Nasceu em Campinas (SP) sendo formado em Engenharia Civil.

Quando cheguei em casa li o material publicitário que tinha recebido onde constava uma história, que ficou lendária. A história dizia que um dia Zarattini percebendo que estava sendo seguido, escondeu-se e emboscou estes dois elementos dos serviços de segurança (DOPS) e, não só deu um cacete nos caras como também  tomou de um deles o rádio de comunicação que carregava.

O leitor poderá saber mais à respeito do Zarattini lendo este prefácio de
Franklin Martins para o livro Zarattini, a paixão revolucionária escrito por José Luiz Del Roio (clique aqui).

Sempre admirei aqueles que acreditaram e lutaram por seus ideais. Zarattini tinha todas as credenciais necessárias para ganhar meu voto. Nesta campanha, dentro das minhas limitadas possibilidades, apoiei Zarattini, distribuindo panfletos e fazendo "boca de urna".  Infelizmente Zarattini não conseguiu os votos suficientes para eleger-se.  Depois desta eleição frustrada, cheio de projetos paralelos,  perdi contato com Zarattini.

Praça do Rock e Zarattini

O destino faz coisas incríveis! Não é que lá do outro lado da cidade, no Bairro do Cambucí, estava tendo problemas enormes com os políticos do PDS. Este povo da direita tinha formado a Associação dos Usuários do Parque da Aclimação e, como primeira medida, vetado a Praça do Rock (Não deixe de ler Capítulo II - Dalam, Jornal do Cambucí e a Praça do Rock)

No parque, organizamos uma manifestação com coleta de abaixo-assinado que no final terminou com uma passeata em torno do lago. No final desta  manifestação  fui aproximado por membros do PCB que segundo eles já me observavam à algum tempo.

Quando souberam do meu envolvimento com Zarattini, informaram-me que apesar de Zarattini não ter ganho nas eleições, agora era um dos assessores do Prefeito. Como conseqüência, o veto foi levantado e a Praça do Rock voltou com força total.

A volta da Praça do Rock e a revelação de que eu estava envolvido com comunistas acabou custando minha posição como apresentador e, minha conseqüente demissão do grupo que organizava o evento.

Se por um lado eu tinha perdido, por outro as coisas estavam à mil. Meu nome de alguma forma circulou nos bastidores dos órgãos de imprensa, secretaria de culturas e estatais. Tudo que parecia impossível conseguir agora estava na mão. Eu ligava para todos os lugares e dizia:

"-Aqui quem fala é o Produtor Cultural Celso Barbieri." E todo mundo me tratava com respeito como se já fosse conhecido à muito tempo. Agora conseguia patrocínio para cartazes no Banespa e Caixa Econômica Federal. Os teatros da Prefeitura estavam à disposição e até a TV Globo estava noticiando meus eventos.  De repente, como resultado dos muitos projetos,  publicamente eu ficara muito conhecido à ponto de ser parado na rua constantemente por músicos e jovens ansiosos em saber qual era o próximo show ou evento que eu estava organizando.

As eleições de 1986

Com a legalização do PCB em 1985 abrem-se as portas para as eleições de 1986.

É claro que o governo não ia dar as coisas de mãos beijadas e certamente tinha uma carta escondida na manga.

Os militares tinham por muitos anos censurado os meios de informação e vendido aquela idéia estúpida de que "comunista come criancinha". Portanto, o Governo, sabendo que muita gente votava não no partido mas sim no candidato, criaram o chamado "voto de legenda" apostando que muita gente ia sentir-se constrangida em votar no Partido Comunista Brasileiro.

O voto de legenda funcionava assim: Se um partido tivesse, vamos dizer, 100.000 votos na sua legenda (sigla) então, teria o direito a eleger um candidato, aquele que tivesse tido mais votos neste partido. Imaginem o Paulo Maluf ganhando 3.000.000 de votos na legenda quantos deputados o PDS poderia eleger.

Neste período, fui convidado a sair como candidato a Deputado Estadual pelo PCB. Fui informado que, minha chance de ser eleito era remota e que a intenção era tentar conseguir votos de legenda suficientes para eleger Alberto Goldman e Resk. O PCB deixava claro que precisava de ajuda. O mais importante é que era um pedido sem condições amarradas ou imposições.  Quer dizer, eu tinha o direito de dizer não.

Eu considerei os prós e os contras e aceitei.

Para enfrentar o voto de legenda, a estratégia do PCB foi colocar o maior número de candidatos possíveis. Para ser aceito como candidato pelo PCB, bastava-se ser eleito com um mínimo de cinco indicações do comitê do seu bairro. O meu bairro, a Barra Funda, nem comitê tinha. Eu mesmo, criei um comitê filiei alguns amigos fiz uma reunião e pronto.

Eu já à algum tempo estava morando numa casa que meu pai possuía na Rua Brigadeiro Galvão perto do Viaduto Pacaembu no Bairro da Barra Funda.  Era casa muito antiga, grande e com um porão imenso com saída para rua.  A casa estava à venda a bastante tempo mas ninguém comprava porque os cupins estavam acabando com ela. O trato com meu pai era que eu podia ficar lá até que ele vendesse. A casa não tinha nem fogão, nem geladeira e minha cama era um colchão de solteiro no chão. Estava fazendo projetos incríveis, ganhando páginas inteiras de jornais como a Folha de São Paulo e Jornal da Tarde, aparecendo em cinco canais de TV no mesmo dia falando dos meus eventos mas, não tinha dinheiro nem para comprar um fita de vídeo para documentar minhas aparições. Andava à pé para economizar e poder comer. Depois de 7 anos de casado, tendo me separado não fazia muito tempo eu me sentia como uma ovelha negra nadando contra a correnteza. O meu jeito de pensar na época era: Já que não tenho nada a perder vamos chutar o balde!

A minha relação com o Sr. Demetrio Barbieri, meu pai, sempre foi muito ruim. Como todo pai ele queria que eu terminasse a faculdade e arrumasse "um emprego descente".  Sempre que pedia para ele ficar de olha na TV para me ver, ele ignorava. Ele sempre foi daquele tipo de pai que fala para todo mundo que seu filho é inteligente e tudo o mais, mas, nunca mostrou para mim a sua afeição. Ele não deixou eu morar na casa. Eu, quando descobri que os cupins estavam comendo os meus livros que estavam guardados no porão, num acesso de nervos, arrombei a janela e "expropriei a casa em nome do proletariado".

Quando meu pai ficou sabendo, não gostou nada e disse:

"-Vê se pelo menos paga as contas de água e eletricidade".

Na verdade, como todo pai, ele era durão por fora e mole por dentro. Um dia até presenteou-me com uma televisão, branco e preta, portátil usada.

Confesso que apesar das dificuldades tenho saudades deste tempo.  Às vezes, entre projetos,  quando entrava algum dinheiro, estocava comida, pegava uns livros na biblioteca e não saia da cama por vários dias. Minha única possessão era um equipamento de som muito bom e meus discos. Portanto que mais poderia eu querer. Uma cama, livros, rock, comida e de vez enquanto casual sexo (sem nenhuma ordem de preferência).

Há se aquele colchãozinho pudesse falar....

Com a minha indicação à candidato tramitando pelo PCB, fui passar a boa nova para meu pai que, olhou-me com descrédito acrescentando:

"- Você acha que o PCB vai aceitar você como candidato. A coisa não é assim não. O PCB é um partido antigo e muito sério!"

Quando o Diário Oficial publicou a lista dos candidatos dos diversos partidos, meu pai veio correndo me visitar. Ele chegou todo sério e disse:

"- Sabe filho, eu nunca comentei isto mas no tempo do Getúlio Vargas, lá em Botucatu no interior de São Paulo, eu e outros companheiros ajudamos financeiramente os companheiros comunistas que viviam na clandestinidade." E todo empolgado continuou:

"- Vamos transformar esta casa no escritório central da campanha. Amanhã mesmo vou mandar instalar um telefone aqui."

"Que bom saber! Eu disse todo surpreso e acrescentei:

"Ricardo Zarattini está saindo para Deputado Federal e está sem escritório na Barra Funda. Ele tem me ajudado muito, gostaria de fazer uma "dobradinha" com ele.

Meu pai concordou e deste ponto em diante foi como se tivesse descoberto o pai que nunca tive.

O PCB pisa na bola!

Alguns meses antes das candidaturas serem publicadas no Diário Oficial, Zarattini para minha surpresa consultou-me.

O Zarattini que conheci não era do tipo "porta de fábrica", ele era um articulador. Ele fazia reuniões diárias em sua casa que iam até altas horas  onde, instruía um monte de gente como controlar o povo nos sindicatos, derrotar inimigos políticos e fazerem valer suas propostas.  Com toda a experiência acumulada, como muitos comunistas que conheci, Zarattini era uma figura paternalista que, de cima para baixo, manipulava as coisas por de trás. Alias, sempre achei que a especialidade do PCB era o jogo de xadrez e não o futebol.

Portanto, quando Zarattini perguntou-me:

"-Barbieri, qual você acha que a chance do Quércia ser eleito Governador pelo PMDB"

Apesar de, surpreso, respondi sinceramente:

"-Eu não gosto do Quércia mas, reconheço que ele é um político muito esperto. Ele sabe que não será eleito pela capital. Ele construiu sua base eleitoral com os prefeitos das cidades do interior. Por exemplo, você faz um acesso asfaltado de uma cidadezinha para a Estrada Castelo Branco e pronto, já ganhou o prefeito e a cidade toda..."

Eu não tinha nem idéia do porque desta sondagem...

Já estávamos em campanha quando recebemos esta "imposição" da direção do partido de que cada diretório deveria mandar um delegado para um plebiscito que seria feito onde "aprovaríamos" o apoio ao empresário Antônio Ermírio de Morais para Governador.

Ermírio de Morais, um dos maiores capitalistas do país, um homem com muito dinheiro mas sem nenhuma experiência política e representatividade justo aos trabalhadores. Era um suicídio político.  O plebiscito foi uma farsa digna da ditadura. Uma vergonha que ficará para sempre como uma mancha na história gloriosa do PCB. Foi uma grande falta de respeito para com todos aqueles militantes torturados e mortos!

Logo no inicio da "dobradinha" com o Zarattini, ele mandou fazer um imenso cartaz que tomava toda a frente da casa de meu pai, agora sede da campanha.

Eu fui realmente inocente de pensar que Zarattini e Barbieri iriam trabalhar juntos, fazer campanha juntos. Na verdade, Zarattini fez "dobradinhas" com dezenas e dezenas de candidatos a Deputado Estadual. Eu are apenas mais um. Como "roqueiro" era tratado no mínimo com um ser folclórico. Zarattini vivia cercado destes "estudantes" da USP mais um povo do Sindicato dos Metroviários. A casa vivia cheia de gente trabalhando para outros candidatos à Deputados Estaduais. À noite saiam em várias peruas para colar cartazes dele e de outros e eu ficava sempre só.

Abaixo segue, carta desabafo escrita para a amiga Verônica que morava em New Jersey (USA) e que nunca foi enviada:


São Paulo, 02 de outubro de 1986

Querida Verônica

Coloquei um som para rolar...

Hoje especialmente eu estou lá embaixo... e você tão longe e ao mesmo tempo tão perto do meu coração. Eu queria a sua mão o seu toque...

Acabei de fumar um cigarro...

Me refugiei a tarde toda num cinema. Assisti o filme "9 Semanas e Meia de Amor" um tipo de "Último Tango em Paris" mais suave rodado em New York.  Erotismo bem refinado tipo “softcore”, linguagem jovem, o filme inteiro mais parece uma colagem feita de vários video clips.

O "meio" é a mensagem! Refugiei-me no belo dos corpos, dos enquadramentos, nos movimentos de câmera, no bom gosto.  Só que, o filme acabou e eu estou aqui sozinho novamente.

Estou cansado...

Vontade de me embebedar só que, não sou deste tipo, não tenho coragem.

Vontade de correr pelado na chuva mas, não está nem chovendo.

Me masturbar? Mas, isto também será uma fuga...

Gravei TV para o Horário Político. Disseram:

“-Você tem 15 segundos para dizer seu nome, seu número e suas idéias!”

Fui informado que o programa iria ao ar. Fiz mais de 200 ligações telefônicas convocando todo mundo para ver a TV e veja só o que acontece, minha fala não foi mostrada.

Sou informado pelo Partido que a Rede Globo que centralizava as transmissões da cadeia de TV estadual fez uma “confusão” com as fitas e eu só irei pro ar na próxima semana.

Por outro lado, o jornal Folha de São Paulo fez uma fofoca com o título "Besteirol" onde a tônica da coluna foi uma ironia à mim e ao Zarattini. Mandei uma carta resposta que tiveram que publicar no sábado passado.

Tem um casal de artistas chilenos me apoiando. Domingo passado, fizeram duas apresentações de mímica e teatro de marionetes para as crianças aqui do bairro.

Já fiz duas festas, sempre aos sábados,  aqui no comitê da campanha. Só rolei rock moderno tipo Bauhaus & Cia. Na última festa tinha até fila dupla de carros parado na porta do comitê.

A direção do PCB resolveu apoiar o Ermírio para Governador e abandonar o apoio ao PMDB. Trata-se de uma atitude ridícula pois o homem é um burguesão e parecerá à opinião pública que nós os comunistas estamos sendo movidos apenas à puro interesse (dinheiro). Será?

Aqui em casa, o meu comitê está infestado de gente trabalhando para outros candidatos à Deputado Estadual e para eu ter o meu espaço, tenho que quase sair na porrada.

Disseram para mim que não devo organizar mais festas no comitê porque “este povo seu fuma muita droga e isto é perigoso para a campanha do Zarattini”.

Sinto-me com um alienígena, um ser estranho, o último da espécie.

Estou levando chute de todos os lados. O pessoal do rock me trata com disconfiança e os políticos como se eu fosse uma pessoa equivocada e políticamente ignorante. Neste momento não posso deixar de pensar que  o cérebro dos roqueiros e cérebro dos políticos são do mesmo tamanho, do tamanho do cérebro de uma galinha.

UMA PRAIA... é o que me vem na cabeça... ficar longe disto tudo...

Conchavos, conversas de pé de orelha, dinheiro, fofoca....

Que nojo!

Bom, política é mais que tudo a arte da falsidade que só então, pude na prática entender melhor. O Zarattini Fazendo campanha de outro Deputado Estadual no meu próprio bairro, dentro da minha casa, para mim era desleal. Meu ressentimento crescia a cada minuto.

Quando fui como delegado para aprovar o Ermírio de Morais, votei contra.  O Alberto Goldman que concorria a Deputado Federal também votou contra.

No local, aproximei-me do Goldman e disse:

"-Oi Goldman, meu nome é Celso Barbieri estou saindo como candidato a Deputado Estadual pela Barra Funda. Estou fazendo uma dobradinha com o Zarattini. Estou muito chateado com a atitude dele..." Nem terminei a frase. O Goldman me interrompeu:

"Não quero saber de críticas à nenhum companheiro! Se você quiser fazer alguma coisa junto comigo fala com o Rômulo meu chefe de campanha."

Foi um tapa na cara com luva de pelica. Me senti envergonhado e pequeno.

Na próxima semana fui falar com o Rômulo.

Há anos produzindo shows, de uma coisa eu tinha experiência, divulgação, mais precisamente, cartaz de rua. Sabia quem imprimia mais barato, quanto tempo levava para entregar e como colar.

Fui na gráfica e fiz um orçamento. 4 folhas imensas, formando a palavra BARBIERI bem grande no meio. Acima vinham os dizeres ROCK, PACIFISMO e ECOLOGIA e abaixo a sigla do partido mais meu número de campanha, 23170. O cartazes eram pintados num degrade começando com a cor verde e terminando no vermelho. Um verde que virava vermelho.

Quando apresentei meu projeto, o Rômulo imediatamente aprovou e pagou, pedindo para escrever AGORA MAIS DO QUE NUNCA acima da palavra GOLDMAN.

Mandei fazer 3.000 jogos de cartazes. Onde eu colava um jogo meu também colava um do Goldman. Nem preciso dizer que o Zarattini não gostou nada. Seus auxiliares até acusaram-me, mentirosamente, de estar colando cartazes do Goldman em cima dos do Zarattini.

Colando cartazes

Meu pai e eu, munidos de uma vassoura, um tambor de cola feita de uma mistura de soda cáustica,  farinha de trigo e água, saíamos no seu carro pelas madrugadas cobrindo a cidade de cartazes.

Na verdade, era  uma batalha noturna. Apenas não respeitávamos os cartazes do PDS. Sempre colávamos em cima. A lei era clara, se um candidato fosse encontrado colando cartazes de sua própria campanha seria imediatamente desclassificado. Mas, na campanha “do eu sozinho” não havia espaço para estas luxúrias. Se quisesse ver um cartaz meu colado, eu teria que colá-lo somente com a ajuda de meu pai.

Lá pelas 5 da manhã fazíamos uma tournée pelos lugares para inspecionar o trabalho feito durante à noite. Às vezes, achávamos nossos cartazes já cobertos pelos do PDS. Nós ficávamos putos e cobríamos tudo de novo.

Um dia de madrugada na última inspeção, achamos nossos cartazes cobertos pelos cartazes do José Dirceu que era candidato pelo PT.  Cobrimos novamente com os nossos e continuamos a inspeção final para encontramos a turma do Dirceu indo cobrir outros cartazes nossos. Meu pai ficou uma fera e deu uma fechada na perua da turma dos coladores. Quase saiu um pau. No final fizemos um acordo de respeito mútuo e a coisa acabou em pizza.

Estávamos fazendo uma colagem perto de casa nas muretas do Viaduto Pacaembu quando vimos uma viatura policial vindo. Meu pai falou:

“-Corre filho! Eu seguro as pontas!”

Se me pegassem a campanha acabava ali, portanto corri, pulei um muro e desapareci. Mais tarde bem de longe observei a polícia vistoriando o carro e tomando todos os cartazes. Mandaram meu pai abrir o porta-malas, tirar sozinho o tambor de cola, que era bem pesado e jogar tudo fora.

Meu pai voltou para casa fumegando. Fizemos a cola de novo, voltamos ao Viaduto Pacaembu e terminamos a colagem que tinha sido interrompida. O velho era mesmo corajoso e briguento e nossa amizade ficou mais forte.

Barbieri na TV

Fui informado que teria direito à falar em rede de TV por 15 segundos, no Horário Político gratuito. O tempo era tão pouco que não sabia nem por onde começar. Como passar para o público todos os problemas enfrentados pelos músicos de rock em 15 segundos?

Algum tempo atrás, 3 observadores do PCB contataram-me na Praça do Rock. Entre eles estava este rapaz que se não me falha a memória chamava-se Sergio.   Sergio rapidamente transformou-se no meu conselheiro. Ele também como todo bom comunista tinha aquele dom para “puxar os cordõezinhos por detrás” (realmente não sei se isto é um elogio ou uma crítica).

Convidei o Sergio para uma reunião para discutir o texto do meu discurso na TV. Primeiramente passei-lhe uma idéia do que eu tinha em mente:

Câmera fixa, mostrando a arquibancada de um estádio vazio. Eu começo a minha fala ao mesmo tempo que a câmera começa fazer um zoom na arquibancada. Conforme eu falo o espectador perceberá que no meio daqueles assentos vazios tem uma pessoa falando. A câmera continua aproximando-se até terminar num close da minha face e lá se foram os 15 segundos.

Depois de passar a idéia para o Sergio discutimos horas e horas o texto. O resultado final foi:

“- Meu nome é Celso Barbieri, 23170, candidato à Estadual. Estou batalhando para que as bandas de rock e outros segmentos musicais tenham mais oportunidades. Hoje só uma minoria tem acesso à gravadoras, Rádios e TV's em razão do monopólio da multinacionais que querem impor ao povo brasileiro aquilo que ele deve ver e ouvir.”

Minha campanha no bairro ficou difícil pois, meu nome aparecia no imenso cartaz, na minha porta, coligado com Zarattini que, ao contrário de mim, apoiava o Ermírio para Governador. Ficou complicado explicar para o povo o que se passava. Felizmente, um dia aconteceu um vendaval que destruiu totalmente o enorme cartaz e selou de vez o fim da dobradinha Zarattini & Barbieri.

Como é sabido, Quércia ganhou para Governador, Antônio Ermírio de Morais voltou para a Votorantin e o PCB passou por uma implosão. Tenho quase certeza que o Zarattini teve alguma coisa a ver com isto. O PCB só elegeu um candidato em Brasília e foi pelos méritos dele mesmo e não do partido. O Alberto Goldman continuo nas graças do PMDB e mais para frente chegou a ser Ministro.

Quando olho de longe e vejo as metamorfose por que passou o PT nestes anos todos, com as associações vergonhosas com partidos duvidosos, os acordos que fez para chegar ao poder, não posso deixar de imaginar o dedinho comunista por de trás.

Eu entendo quando Lennin diisse que os comunistas deveriam fazer alianças com a burguesia para poder avançar o socialismo.

Acontece que a experiência mostra que, quando a esquerda assume o poder deste modo, tem que cumprir os acordos e distribuir cargos e funções. Forma-se então esta elite burocrática que corrompe aqueles poucos revolucionários, novos de espírito, que acabaram de chegar.

Já foi dito que o poder corrompe e é verdade. Também já foi dito que, uma coisa é fazer oposição e outra governar. Os discursos são diferentes. Eu não estou aqui oferecendo soluções, apenas observando. Toda vez que alguém diz que está fazendo o melhor para o Brasil, torço meu nariz porque está claro que o Brasil ainda pertence à uma minoria burguesa. Nós temos que fazer o melhor é para o POVO.

Um dia, fomos à uma manifestação contra o Pinochet na avenida Paulista. No grupo estava eu, Zarattini, seus dois filhos, e mais uns três jovens “universitários”. O PT estava lá em peso. Estavam distribuindo entre o povo cartazes anti-Pinochet. Eu peguei um cartaz mas logo fui obrigado a descartá-lo pois, segundo eles, não era aceitável levantar um cartaz que não fosse do PCB. Tiraram o cartaz da minha mão como se eu fosse um estúpido sem nenhuma idéia do que estava fazendo. Até hoje fiquei com esta atitude entalada aqui na garganta. O que era mais importante? Fazer publicidade partidária ou criticar um governo ditatorial responsável pela morte de muita gente?

Nunca entendi muito a lógica deste povo. Meteram o pau no PT mas, agora estão todos lá. Trocaram de camisa. Trocaram Lennin por Trotsky ou na verdade o que menos importa hoje em dia é a ideologia? Infelizmente quando política vira profissão, a ideologia e o idealismo é jogado pela janela.

Desculpem-se se pareço vago ou genérico mas parece-me que falta um pouco de transparência e dignidade em algum lugar....

Por isso, voltando ao Sputnik, por enquanto prefiro ficar aqui "em órbita", observando tudo à distância.

por A. C. Barbieri

Não deixem de ler os outros capítulos desta história!

 

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Comentários

jayme firro posted a comment in Rock Brasileiro (1974/1976): Parte III
Oi Gil. Boa lembrança !. O Alpha Centaury era formado pelo Edu Rocha - percussão , (Ex Brasões), pelo Sergio Bandeira - Violão e voz (ex Albatroz) e mais duas vocalistas. ( Creio que atuaram no grupo a Clarita , Walkíria e Vera Lúcia mas não lembro a ordem de participação delas.) Assisti uma apresentação do grupo em 73 ou 74 levado pelo Edu Rocha. Eles tocavam música progressiva de altíssima qualidade entre elas lembro de uma chamada "Tunel dos Ventos" Na época eu frequentava um restaurante e antiquário chamado " Solar Dom João V " no Itaim Bibi, onde o Edu Rocha ir jantar com a Bibi Vogel que era sua parceira em um trabalho paralelo de música sul americana. Tinha um palco com piano e instrumentos onde os clientes podiam tocar após o jantar. Além da bateria e percussão ele tocava violão e assisti canjas dele nessa casa e apresentações em casas noturnas do Bexiga. Seu trabalho individual era também de altíssima qualidade assim como o do Sergio, enfim, vamos pedir para que a música deles não se perca na névoa do tempo e surja algum registro da época. Um abraço a você e a todos.
Joomla Article about 2 years ago
Barbieri, querido! Muito obrigado pelas palavras de incentivo. Super abraço do amigo Pevê.
Joomla Article about 2 years ago
Excelente lembrança Barbieri! Apesar de minha geração ter sido “a próxima da fila” sinto me beneficiado pelo movimento pro rock que esta discussão causou. Pra galera que curte as histórias e desdobramentos, e pq não dizer “desbravamentos” desta época vale recomendar o seu livro auto biográfico e o obviamente, o Livro Oculto do Rock.
Joomla Article about 2 years ago
Legal a matéria, mas Baribieri toquei no Kafka de 85 a 90 não eramos "pop rock" e nem tinhamos amigos influentes ...rs ! abrx
Joomla Article about 2 years ago
o pepe melhorou muito (TSC!) essa semana ele estava propagando (sim, de propaganda) que o talibá é a grande força anti-imperialista e revolucionária de toda história moderna... um verdadeiro fantoche de neo-fascistas euroasianos. Só uma pessoa desonesta intelectualmente defende talibã para contrapor imperialismo americano. e ele faz isso porque recebe muito bem de seus patrões de mídias estatais chinesas. Que não passam de um outro império, e este tem campos de concentração e vigilância digital totalitária sem precedentes
Joomla Article about 2 years ago
Jefferson Ribeiro Basilio posted a comment in Soul of Honor
Muito muito louco esse som amigos,tenho o cd que comprei numa loja de CDs usados a uns 20 anos atrás,nunca cansei de escutar essa sonzeira mano, que que isso cara !!! Sem palavras para esse cd,som pensarão guitarra arrastada,bateria empolgante , vocal show muito show mesmo....
Joomla Article about 3 years ago
O cd "As cores de Maria" veio num lote de cd´s misturados... como brinde. Escutei hoje e achei sensacional esse trabalho.
Joomla Article about 3 years ago
Gostei muito da história dela, cheguei até essa página porque achei o tarot dela na rua, e fui investigar de quem era. Parabéns
Joomla Article about 3 years ago
Dimensões parelalas podem existir, estamos mais perto de descobrir do que nunca
Joomla Article about 3 years ago
Penso muito parecido com voce. Sempre bom de ouvir e ler!
Joomla Article about 3 years ago
Muito bom esse material sobre essa grande banda brasileira!!! Goste muito,sensacional!! longa vida ao rock progressivo brasileiro!!!
Joomla Article about 4 years ago
Roberto Giovani posted a comment in Karisma
Um sonho so e bom quando se sonha junto. Ola Heli! Ola Rudi! Realmente vocês foram the best! Beijos e abraços de seu eterno amigo Roberto!! Rock & Roll jamais morrera pois o Karisma é uma das bandas que não deixam isso acontecer ! PAZ & AMOR SEMPRE!!!!
Joomla Article about 4 years ago
Gil Souto posted a comment in Rock Brasileiro (1974/1976): Parte III
Muito bom ! Quero ler e reler . Importantíssimos registros! Tava procurando algo sobre o Sérgio Bandeira ( do Bexiga e me deu o primeiro ácido! ) e de uma Banda que se chamava Alpha Centauri !!! Bons tempos de intensa e prazerosa loucura!
Joomla Article about 4 years ago
Caras.... estudei com ele no início dos anos 90 e com certeza um grande músico e mestre , tive a honra de acompanhar algumas sessões de gravação de seu primeiro CD e foram lições de profissionalismo e talento!!!!! Abraço Indio Manuel Marquez Prior
Joomla Article about 4 years ago
Rodolfo Ayres Braga posted a comment in Raimundo Vigna: Memórias de um b(r)oqueiro
Querido Irmão Vigna conterrâneo,amigo desde 1970...Superb batera!
Joomla Article about 4 years ago
Ouvi pela primeira vez aos 16 anos ( em uma fita k-7 que foi copiada pela molecada roqueira da cidade de Cataguases, no começo dos anos 90). Quatro anos depois consegui um CD também pirata... somente hoje aos 44 anos consegui o CD original ( presente atrasado do dia dos pais - meu filho tem 17 anos)... Simplesmente fantástico, talvez o mais rock and roll de tudo que já foi lançado no Brasil...
Joomla Article about 4 years ago
Nathan Bomilcar posted a comment in Scarlet Sky
Saudoso primo Guto Marialva. Deixou sua marca!
Joomla Article about 4 years ago
Eliana posted a comment in Tony Osanah: Um argentino bem brasileiro
Olha só... A Internet é uma mãe... Eu era superfã da Banda Raíces de América... Sou coetânea do Tony. Não sabia que ele tem essa história de vida tão linda. Eu gostaria de desenvolver um projeto desse tipo mas não sou boa o suficiente nisso. Fiquei emocionada com a história dele dando aula de música para os jovens presos. A música faz esse milagre. É por isso que amo uma boa música e, se eu pudesse, seria uma... Deus o abençoe!
Joomla Article about 4 years ago
Matéria bacana! Uma pena perder material das bandas e do evento...
Joomla Article about 5 years ago
Meu nome é Sérgio, eu sou o baterista da banda Vienna ( atualmente BLACK VIBE) e gravamos a música Sexo Arrogante, que foi feita 2 horas antes de entrarmos na sala de gravação.
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