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A Ginga e Coragem de Miriam Makeba
Escrito por Luiz Domingues e publicado originalmente no site Limonada Hippie


Quando falamos da influência da raiz africana na música criada nas três Américas, a grosso modo, é fácil estabelecer um conceito generalizado.

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Na América do Sul, o Brasil absorveu a cultura afro, principalmente na formação do seu Samba; na América Central, pulverizou-se em vários países, criando o acento caribenho em diferentes ritmos; e nos Estados Unidos, gerou os dois grandes troncos que tornaram-se árvores frondosas, e com muitos galhos : Jazz & Blues.

Mas o movimento inverso também causou impacto no continente africano.

Se a sua influência fora brutal na construção de tantas escolas musicais diferentes, séculos depois, a música pop das Américas e da Europa, voltaram tal qual um boomerang, e redefiniram o rumo da música pop africana moderna, numa retroalimentação muito interessante.

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Muitos artistas africanos foram reverenciados na música comercial pop ocidental, e seu som era bem isso que descrevi superficialmente acima, ou seja, uma mistura das tradições folclóricas locais; suas raízes ricas em sonoridades muito coloridas; alegres, e de divisões rítmicas muito sofisticadas, com a música pop ocidental e mega comercializada, que por sua vez, tinha em suas raízes mais profundas, a mesma fonte africana.

Em meio a esse boom da música africana, alguns artistas, oriundos de nacionalidades diferentes, desse grande continente, tiveram  oportunidades no show business internacional.
                                       
Foi o caso de Miriam Makeba, uma sul-africana. Cantora de enorme graça e ginga, Miriam teve projeção internacional, mas não só por conta de sua obra e performance como cantora.

miriam makeba

O fato, é que Miriam tinha muita consciência sócio- política, e sendo negra, numa África do Sul sob regime político racista, tornou-se uma voz contra o execrável regime do Apartheid.

Tentando a vida artística na América e /ou Europa, Miriam, participou em 1960, de um documentário denominado “Come  Back , Africa”, cuja exibição no famoso  Festival de Cinema de Veneza, chamou a atenção do mundo para o racismo na África do Sul, mas criou-lhe um problemão pessoal, pois seu país caçou-lhe o passaporte, e mais que isso, a cidadania, tornando-a apátrida.

harry belafonte

Perambulando por Londres, tornou-se amiga do ator/cantor americano, Harry Belafonte, com o qual estabeleceu parceria.

Sendo também um ativista anti-racista, e um incansável batalhador pelos direitos civis iguais para os negros na América, Belafonte ganhou a companhia de Makeba no ativismo e a ajudou a construir uma carreira pop internacional, participando de vários lançamentos de discos, singles, e LP’s da cantora africana.

Entre tantas canções, Miriam lançou “Pata Pata”, em 1966, que tornou-se febre mundial, entrando nos charts, numa época em que Os Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan e diversos artistas da Black Music, o compunham normalmente.

Mas como o ativismo era forte para ela, não se deitou no berço esplêndido do sucesso pop imediato, e continuou agindo e incomodando muita gente, certamente.

Para agravar a animosidade das forças contrárias às suas idéias libertárias, casou-se em 1968 com um ativista que era monitorado pela CIA / FBI, Pentágono etc etc.

Tratava-se de Stokely Carmichael, simplesmente o líder dos Panteras Negras, uma partido revolucionário, apócrifo, e não reconhecido pelo governo americano, por trazer ideias explosivas à mentalidade americana, em seu espectro político, como o socialismo, por exemplo e claro, seu carro chefe era a luta pelos direitos civis dos negros.

Stokely  Carmichael foi o criador da expressão “Black Power”, que extrapolou o statement político, marcando época, não só na América, mas espalhando-se pelo mundo todo.

Em 1968, Miriam veio ao Brasil e surfou forte na onda de seu sucesso, “Pata, Pata”.

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Já na chegada ao Rio, foi recebida no aeroporto pela bateria da Escola de Samba Mangueira, caindo nos braços do povo. Visitou todos os programas de TV possíveis e imagináveis da TV no Rio e São Paulo, causando furor com seu mega sucesso. “Pata, Pata” tinha um swing ocidentalizado que muito se assemelhava ao R’n’B, e a percussão lhe dava um certo ar caribenho, muito dançante.

Numa época em que a Black Music americana estava se popularizando fortemente aqui no Brasil, e Wilson Simonal comandava a onda da “pilantragem” na MPB, a canção de Makeba caiu no gosto popular, instantaneamente.

Claro, brincalhão como sempre, o povo brasileiro tratou de aprontar uma avacalhação com a letra da canção. Cantada por Makeba num dialeto africano (Xhosa), provocou uma paródia em português que ficou tão famosa quanto a versão original, pela similaridade fonética e claro, pelo caráter galhofeiro que tanta agrada os esculhambadores brazucas...

Onde ela cantava :
“Sata wuguga sat ju benga, sat si pata pata”. O povo se acostumou a cantar :
“Tá com pulga na cueca, vem cá que eu mato”.

Pilhéria à parte, Miriam encantou os brasileiros, onde me incluo, vendo-a na TV, na época, 1968. Sua carreira foi bastante prejudicada depois disso, pelos momentos tensos perpetrados pelos Panteras Negras, cuja ligação dela era total, por conta do marido. Tiveram que deixar a América inclusive, estabelecendo residência na Guiné.

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Em 1973, ela separou-se de Carmichael, mas continuou sendo vigiada e cerceada em muitos aspectos pelas convicções sociopolíticas. No ano de 1975, participou ativamente do movimento de libertação de Moçambique, inclusive contribuindo com sua música, “A Luta Continua”, que serviu de slogan para a luta pela libertação de Portugal.

Nos anos 80, ficou mais afastada da vida artística e num momento muito difícil, onde perdeu uma filha, mudou-se para a Bélgica. Quando Paul Simon lançou o LP Graceland, todo ambientado na sonoridade da música sul-africana, Makeba embarcou nessa onda, e chegou a participar da turnê de divulgação do álbum, como artista convidada de Simon.

Quando o apartheid finalmente encerrou-se na África do Sul, e Nelson Mandela se tornou o presidente daquela nação, Makeba pode enfim retornar à sua pátria, com o restabelecimento de sua nacionalidade. Momento bonito, Mandela em pessoa a recepcionou no aeroporto, mostrando que a luta havia valido a pena para a artista e ativista. Seus últimos anos foram tranquilos em solo pátrio, mantendo uma carreira artística local, até falecer em 2008.

Ela não teve apenas “Pata Pata” como sucesso, mas essa canção em questão, a marcou indelevelmente e proporcionou muitas regravações, algumas bacanas inclusive, caso do Osibiza, uma banda de Rock genuinamente africana, mas que era muito respeitada por rockers europeus e americanos, e de fato, era muito boa.

Makeba teve uma morte dramática, mas muito emblemática para qualquer artista, ou seja, morreu no palco, numa apresentação que fazia em Castel Volturno, na Itália, vítima de um ataque cardíaco quando estava cantando.

Não foi exatamente ali durante o concerto que realizava, mas algumas horas depois no hospital, mas pode-se dizer que morreu fazendo o que mais gostava. Essa foi Miriam Makeba, uma artista pop africana sensacional; ativista; mulher corajosa, e de muito valor.

Luiz Domingues

miriam makeba the legend cover

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Comentários

jayme firro posted a comment in Rock Brasileiro (1974/1976): Parte III
Oi Gil. Boa lembrança !. O Alpha Centaury era formado pelo Edu Rocha - percussão , (Ex Brasões), pelo Sergio Bandeira - Violão e voz (ex Albatroz) e mais duas vocalistas. ( Creio que atuaram no grupo a Clarita , Walkíria e Vera Lúcia mas não lembro a ordem de participação delas.) Assisti uma apresentação do grupo em 73 ou 74 levado pelo Edu Rocha. Eles tocavam música progressiva de altíssima qualidade entre elas lembro de uma chamada "Tunel dos Ventos" Na época eu frequentava um restaurante e antiquário chamado " Solar Dom João V " no Itaim Bibi, onde o Edu Rocha ir jantar com a Bibi Vogel que era sua parceira em um trabalho paralelo de música sul americana. Tinha um palco com piano e instrumentos onde os clientes podiam tocar após o jantar. Além da bateria e percussão ele tocava violão e assisti canjas dele nessa casa e apresentações em casas noturnas do Bexiga. Seu trabalho individual era também de altíssima qualidade assim como o do Sergio, enfim, vamos pedir para que a música deles não se perca na névoa do tempo e surja algum registro da época. Um abraço a você e a todos.
Joomla Article about 2 years ago
Barbieri, querido! Muito obrigado pelas palavras de incentivo. Super abraço do amigo Pevê.
Joomla Article about 2 years ago
Excelente lembrança Barbieri! Apesar de minha geração ter sido “a próxima da fila” sinto me beneficiado pelo movimento pro rock que esta discussão causou. Pra galera que curte as histórias e desdobramentos, e pq não dizer “desbravamentos” desta época vale recomendar o seu livro auto biográfico e o obviamente, o Livro Oculto do Rock.
Joomla Article about 2 years ago
Legal a matéria, mas Baribieri toquei no Kafka de 85 a 90 não eramos "pop rock" e nem tinhamos amigos influentes ...rs ! abrx
Joomla Article about 2 years ago
o pepe melhorou muito (TSC!) essa semana ele estava propagando (sim, de propaganda) que o talibá é a grande força anti-imperialista e revolucionária de toda história moderna... um verdadeiro fantoche de neo-fascistas euroasianos. Só uma pessoa desonesta intelectualmente defende talibã para contrapor imperialismo americano. e ele faz isso porque recebe muito bem de seus patrões de mídias estatais chinesas. Que não passam de um outro império, e este tem campos de concentração e vigilância digital totalitária sem precedentes
Joomla Article about 2 years ago
Jefferson Ribeiro Basilio posted a comment in Soul of Honor
Muito muito louco esse som amigos,tenho o cd que comprei numa loja de CDs usados a uns 20 anos atrás,nunca cansei de escutar essa sonzeira mano, que que isso cara !!! Sem palavras para esse cd,som pensarão guitarra arrastada,bateria empolgante , vocal show muito show mesmo....
Joomla Article about 3 years ago
O cd "As cores de Maria" veio num lote de cd´s misturados... como brinde. Escutei hoje e achei sensacional esse trabalho.
Joomla Article about 3 years ago
Gostei muito da história dela, cheguei até essa página porque achei o tarot dela na rua, e fui investigar de quem era. Parabéns
Joomla Article about 3 years ago
Dimensões parelalas podem existir, estamos mais perto de descobrir do que nunca
Joomla Article about 3 years ago
Penso muito parecido com voce. Sempre bom de ouvir e ler!
Joomla Article about 3 years ago
Muito bom esse material sobre essa grande banda brasileira!!! Goste muito,sensacional!! longa vida ao rock progressivo brasileiro!!!
Joomla Article about 4 years ago
Roberto Giovani posted a comment in Karisma
Um sonho so e bom quando se sonha junto. Ola Heli! Ola Rudi! Realmente vocês foram the best! Beijos e abraços de seu eterno amigo Roberto!! Rock & Roll jamais morrera pois o Karisma é uma das bandas que não deixam isso acontecer ! PAZ & AMOR SEMPRE!!!!
Joomla Article about 4 years ago
Gil Souto posted a comment in Rock Brasileiro (1974/1976): Parte III
Muito bom ! Quero ler e reler . Importantíssimos registros! Tava procurando algo sobre o Sérgio Bandeira ( do Bexiga e me deu o primeiro ácido! ) e de uma Banda que se chamava Alpha Centauri !!! Bons tempos de intensa e prazerosa loucura!
Joomla Article about 4 years ago
Caras.... estudei com ele no início dos anos 90 e com certeza um grande músico e mestre , tive a honra de acompanhar algumas sessões de gravação de seu primeiro CD e foram lições de profissionalismo e talento!!!!! Abraço Indio Manuel Marquez Prior
Joomla Article about 4 years ago
Rodolfo Ayres Braga posted a comment in Raimundo Vigna: Memórias de um b(r)oqueiro
Querido Irmão Vigna conterrâneo,amigo desde 1970...Superb batera!
Joomla Article about 4 years ago
Ouvi pela primeira vez aos 16 anos ( em uma fita k-7 que foi copiada pela molecada roqueira da cidade de Cataguases, no começo dos anos 90). Quatro anos depois consegui um CD também pirata... somente hoje aos 44 anos consegui o CD original ( presente atrasado do dia dos pais - meu filho tem 17 anos)... Simplesmente fantástico, talvez o mais rock and roll de tudo que já foi lançado no Brasil...
Joomla Article about 4 years ago
Nathan Bomilcar posted a comment in Scarlet Sky
Saudoso primo Guto Marialva. Deixou sua marca!
Joomla Article about 4 years ago
Eliana posted a comment in Tony Osanah: Um argentino bem brasileiro
Olha só... A Internet é uma mãe... Eu era superfã da Banda Raíces de América... Sou coetânea do Tony. Não sabia que ele tem essa história de vida tão linda. Eu gostaria de desenvolver um projeto desse tipo mas não sou boa o suficiente nisso. Fiquei emocionada com a história dele dando aula de música para os jovens presos. A música faz esse milagre. É por isso que amo uma boa música e, se eu pudesse, seria uma... Deus o abençoe!
Joomla Article about 4 years ago
Matéria bacana! Uma pena perder material das bandas e do evento...
Joomla Article about 5 years ago
Meu nome é Sérgio, eu sou o baterista da banda Vienna ( atualmente BLACK VIBE) e gravamos a música Sexo Arrogante, que foi feita 2 horas antes de entrarmos na sala de gravação.
Joomla Article about 5 years ago
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